Briga por dinheiro depois de separação não é exclusividade do povão, mas Juan Carlos e a linda Corinna descem alguns degraus na baixaria. Vilma Gryzinski:
Imaginem
a seguinte situação: um homem numa posição importante recebe uma
comissão por baixo do pano e, para não expor seu nome, deposita o
dinheiro na conta da amante num banco suíço, prevendo que garantiria um
pé de meia quando finalmente ele largasse a esposa e os dois assumissem o
romance.
Mas
os dois rompem e, inconformado, ele começa a pressionar a ex-amante a
devolver a bolada. Ela diz que o dinheiro foi um presente e o acusa de
assédio moral.
Este é basicamente o roteiro que envolve Juan Carlos I, o desmoralizado rei emérito da Espanha, e Corinna Larsen, sua ex-amante.
A
quantia envolvida não é pouca: 100 milhões de dólares, que promotores
de dois países, Suíça e Espanha, querem associar a uma comissão paga
pelo rei da Arábia Saudita a Juan Carlos, por ajudar a diminuir o valor
orçado por uma empresa espanhola para implantar o trem-bala de Meca.
O
caso já é conhecido há algum tempo e contribuiu para a vexaminosa saída
pelas portas dos fundos do rei emérito, seu título oficial, quando
deixou a Espanha na surdina e se homiziou nos Emirados Árabes Unidos,
temendo que a polícia acabasse batendo à sua porta.
O
escândalo voltou à tona porque Corinna Larsen agora acusa o ex-rei de
assédio e difamação na justiça da Inglaterra, onde foi morar depois de
deixar seu duplex em Mônaco, onde se dedicava à arte de promover
contatos e negócios do mundo dos muito ricos e, eventualmente,
aristocratas.
Ela
diz ter ouvido do ex-amante que as consequências “não seriam boas” se
não devolvesse o dinheiro que considerou, na época, uma prova de “amor e
afeto”. Também acusa o então diretor do serviço secreto espanhol,
general Félix Sanz Roldán, de pressioná-la a mando de Juan Carlos,
insinuando ameaças sobre sua segurança e a de seus filhos.
O
maior mal que o processo de Corinna, uma dinamarquesa que usou durante
algum tempo o sobrenome e o título do segundo marido, o príncipe alemão
Casemir Zu Seyn Wittgenstein, pode causar é ao rei Felipe VI, o filho
certinho que procura se distanciar cada vez mais das trapaças do pai,
mas que sempre pode ser prejudicado por aproximação.
Juan
Carlos não tem mais reputação a salvar. Seu mundo começou a desabar em
abril de 2012, quando sofreu uma queda durante uma caçada em Botswana e
precisou ser levado de volta à Espanha. As aparências que mantinha, com
uma certa cumplicidade da imprensa, desabaram.
Vieram
à tona o caso com Corinna, os contatos suspeitos – o safári em Botswana
tinha sido pago por um empresário sírio – e, mais chocante de tudo, a
foto de uma caçada anterior, onde ele posava com a filha Elena ao lado
de um elefante morto.
O
processo de desmoralização desencadeado a partir daí, com o risco de
levar junto para o buraco a monarquia, o levou a abdicar em favor do
filho dois anos depois.
O
caso com Corinna havia terminado há tempo. Segundo ela, quando ele lhe
disse que não mantinha uma relação de exclusividade – e não existe ciúme
maior do que o das amantes.
Os
dois haviam se conhecido durante uma caçada na propriedade espanhola do
duque de Westminster. Corinna trabalhava nesses eventos para
pouquíssimos privilegiados promovidos por um fabricante de armas de caça
da Inglaterra.
Depois
de estabelecida praticamente como amante oficial do rei da Espanha, ela
se mudou para o ramo de promoção de contatos e negócios.
Juan
Carlos foi loucamente apaixonado por ela, a ponto de ter consultado
advogados sobre a possibilidade de se divorciar da rainha Sofia. Chegou a
pegar um avião para ir à Alemanha pedir a mão dela em casamento ao pai,
o dinamarquês Finn Bonning Larsen, que durante muitos anos foi diretor
da Varig na Europa.
Nas
monarquias constitucionais europeias, reis e rainhas têm apenas um
papel simbólico, que depende muito da imagem e da aprovação da opinião
pública. Um dos argumentos dos defensores desse tipo de sistema é que o
papel de chefe de Estado fica mais sólido e respeitável quando não
envolve políticos.
Quando reis se comportam como aqueles que pretendem substituir com mais elegância, o argumento desmorona.
Na
Espanha existe uma esquerda antimonarquista forte e a opinião pública
flutua. O sistema todo se desmoraliza quando escândalos de corrupção
solapam seus fundamentos.
Felipe
é totalmente dedicado a criar uma imagem de monarca moderno, de
comportamento impecável. Afastou a própria irmã, Cristina, da família
quando o marido dela se enredou num caso de corrupção que o levou à
cadeia. Renunciou publicamente a qualquer herança que viesse a receber
do pai, como beneficiário de duas fundações de fachada que Juan Carlos
criou para administrar seus recursos não contabilizados.
Na
Inglaterra, são os filhos – e netos – que criam problemas para a
rainha. No caso dos espanhóis, é o pai que cria problemas para o filho.
Existe ainda algum segredo inconveniente que o processo de Corinna contra o o rei aposentado possa revelar? Dificilmente.
Mas
sempre é bom não subestimar a capacidade destrutiva de uma ex-amante
que não quer devolver um presentinho de 100 milhões de dólares.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
Nenhum comentário:
Postar um comentário