Nessa batida, vamos para a eleição presidencial sem saída de escape. Merval Pereira pra O Globo:
O
Brasil sempre foi um país peculiar, de heróis improváveis, mas, da
redemocratização para cá, têm se repetido situações estranhas, como a
que vivemos hoje, quando heróis transformam-se em bandidos e vice-versa,
com a facilidade com que os móbiles mudam de posição de acordo com os
ventos.
O
presidente Bolsonaro, envolvido em escândalos de corrupção que prometeu
combater, desnuda-se ao vivo diante do país na transmissão televisiva
da CPI. O deputado Luis Miranda, chegado dos Estados Unidos onde montou
uma série de empreendimentos suspeitos que lesaram diversos
investidores, e até hoje responde a processos na Justiça de Brasília,
tornou-se da noite para o dia o herói do momento ao denunciar a
suspeitíssima compra da vacina indiana Covaxin.
O
senador Renan Calheiros, outro que anda às voltas há anos com
investigações e denúncias, é o inquisidor-mor, que leva o governo às
cordas como se fosse um paladino da Justiça. O ex-deputado Roberto
Jefferson, que se tornou herói nacional ao denunciar o esquema do
mensalão depois de ter se sentido traído pelo então superministro José
Dirceu na divisão do butim dos Correios, hoje é um tresloucado defensor
de milícias e, armado, aparece dia sim, outro também, nas redes sociais
defendendo a eliminação física dos adversários.
Antes,
Pedro Collor já aparecera como herói denunciando seu irmão presidente
por falcatruas com PC Farias das quais fora barrado pela ganância da
dupla. O governo do PT que, segundo Dirceu dizia “não rouba nem deixa
roubar”, viu-se metido em trapaças continuadas, do mensalão ao petrolão,
que levaram a uma devastação de sua cúpula, indo a maioria para a
cadeia, inclusive o ex-presidente Lula.
As
mesmas manobras jurídicas que acusam terem sido responsáveis pela
prisão de Lula, cinco anos depois voltaram-se a seu favor porque, por
aqui, os ventos mudam com muita rapidez, auxiliados pela falta de
memória nacional. Como disse o ministro do Supremo Tribunal Federal
(STF) Marco Aurélio Mello, o ex-juiz Sérgio Moro transformou-se de
“herói nacional” em “suspeito”, num julgamento que, referendado pelo
plenário do STF por maioria, acabou levando à anulação de todos os
processos contra o ex-presidente Lula. Dando margem a que Bolsonaro diga
que se faz hoje com Moro o que o acusam de ter feito, isto é,
permitindo que Lula volte a ter condições de se candidatar à presidência
da República, tentam barrar sua reeleição.
A
mesma ilação os petistas fizeram, alegando que Moro só condenou Lula (
ele e mais 9 juízes do TRF-4 e do STJ) para tirá-lo da eleição
presidencial de 2018, permitindo que Bolsonaro fosse eleito. Dizia Ivan
Lessa que de quinze em quinze anos o brasileiro esquece o que aconteceu
nos quinze anos anteriores. Nesse caso, bastaram cinco anos para que
tudo virasse de cabeça para baixo, transformando bandido em herói,
dependendo da opinião de cada um, para não fugir à polarização.
Não
basta, porém, vencer a discussão jurídica, é preciso aniquilar o
inimigo. Para tal, juristas se uniram em manifesto para impedir que o
ex-juiz Moro participasse de uma mesa-redonda acadêmica no 3º Encontro
Virtual do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito. No
manifesto, os juristas acabam revelando o cerne da questão: “... Sua
atuação alterou, inclusive, o processo eleitoral, ao condenar sem provas
o candidato à presidência da Republica que estava liderando francamente
as pesquisas eleitorais, permitindo a vitória daquele que o alçaria ao
status de ministro de Estado poucos meses depois”.
O
mesmo argumento que Bolsonaro usa hoje, dizendo que só liberaram Lula
para “ganhar na fraude”. Dois juristas resolveram retirar seus nomes de
uma homenagem ao ministro Marco Aurélio pelos seus 31 anos de STF, que
se encerram em julho, por ele ter classificado Moro de “herói nacional”,
embora não tenha sido esta a primeira vez que o fez, e fosse conhecida
sua posição favorável à Lava-Jato.
Nesses
momentos tresloucados que vivemos, ser a favor de um ponto de vista
torna imediatamente o indivíduo em um canalha personagem de Nelson
Rodrigues, é ilegal a maioria que condena Lula, assim como ilegal é
também a maioria que o livra da cadeia. Nessa batida, vamos para a
eleição presidencial sem saída de escape.
BLOG ORLANDO TAMBOSI

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