Santarém, 28 de junho de 2021 - A Terra de Direitos lança hoje o estudo “Sem licença para destruição - Cargill e violação de direitos no Tapajós (Santarém)”,
que aponta uma série de irregularidades e desrespeitos ao processo de
licenciamento ambiental para instalação do Porto da Cargill,
multinacional de origem americana que produz e processa alimentos. A
companhia opera um terminal portuário em Santarém, no Pará, há quase 20
anos, impactando fortemente as comunidades tradicionais da região, que
se uniram para cobrar do Governo do Pará compensações e mitigações da
instalação do empreendimento.
No momento em que os olhos do exterior se voltam para a política ambiental brasileira, movimentos populares reivindicam à Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará (SEMAS)
que a renovação da licença de operação da Cargill seja condicionada à
retificação dos estudos de impacto ambiental do porto da empresa em
Santarém. O levantamento realizado pela Terra de Direitos identifica uma
série de lacunas no estudo apresentado pela Cargill em 2010 – como a
não identificação dos impactos sobre indígenas e quilombolas -, e
conclui que as deficiências resultam em condicionantes mais brandas que
não contemplam os reais impactos trazidos pelo empreendimento na região.
A
Cargill solicitou a renovação da Licença de Operação da estação de
transbordo à Semas em agosto de 2020, que venceu em 22 de novembro do
ano passado. Como a empresa fez a solicitação no prazo determinado por
lei, a licença é renovada automaticamente até que o órgão ambiental se
manifeste. A demora de uma resposta da Semas beneficia a transnacional
com a ausência de novas condicionantes.
“É
preciso garantir que o órgão ambiental não conceda nova licença antes
da retificação dos Estudos de Impacto, com a devida inclusão dos Estudos
do Componente Indígena e Quilombola e com a reparação dos danos
causados até agora. Somente a realização de uma efetiva Consulta Prévia,
Livre e Informada de indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais
afetadas poderá garantir a continuidade de um processo de licenciamento
ambiental em consonância com a legislação em vigor e com os princípios
de direitos humanos”, afirma Pedro Martins, assessor jurídico da Terra
de Direitos. As denúncias foram protocoladas na SEMAS por meio de ofício
nesta segunda-feira, 28.
Denúncias - avanço do agronegócio e destruição da memória dos povos tradicionais
Uma
das principais denúncias que o estudo traz é sobre o avanço do
agronegócio na região, atrelado ao crescimento da produção de soja com a
chegada da Cargill, que mudou os processos de ocupação e uso do solo. O
fato de haver um comprador local, como a Cargill, impulsionou a
migração de agricultores, causando pressão sobre áreas de floresta para
cultivo em Santarém. Desde o início do processo de instalação da empresa
na região, Santarém perdeu uma área de mais de 1 mil km² de floresta - o
equivalente a mais de 100 mil campos de futebol. Esse número é
relacionado ao desmatamento acumulado entre 2000 e 2018, com dados do
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
A
maior quantidade de área desmatada no município foi registrada em 2008 -
no ano, foram 3.084 hectares desmatados, segundo dados do
Terrabrasilis/INPE. Em 2019, foram desmatados 1.937 hectares em
Santarém. O município de Belterra, que é quase quatro vezes menor
geograficamente do que Santarém e com grande parte do território ocupado
pela Floresta Nacional do Tapajós, perdeu mais de 158 km² de floresta
em 18 anos, o equivalente a mais de 15.800 campos de futebol.
“Com
a supressão da vegetação local, há um aumento da sensação térmica. Além
disso, o porto ocasiona perda de área de pesca, invasão de espécies
exóticas e impacto na qualidade do peixe, com maior ocorrência de
deformidades e menor tempo de conservação do produto”, explica.
Conflitos
fundiários também passaram a ser um problema na região. A chegada da
cultura da soja nos municípios de Belterra, Mojuí dos Campos e Santarém
contribuiu para o processo de valorização fundiária. Uma pesquisa
levantada no estudo indica que, entre 2000 e 2005, 90% das áreas do
entorno da BR-163 mudaram de proprietário, principalmente, no trecho
entre Santarém e Belterra. A valorização da terra foi um dos fatores que
pode ter contribuído para a venda de propriedades de pequenos
agricultores, mas não foi o único: relatos trazidos pelo Sindicato dos
Trabalhadores Rurais, Agricultores e Agricultoras Familiares de Santarém
(STTR-STR) apontam que, em grande parte, agricultores familiares foram
pressionados a abandonar suas terras. Nesse cenário, as mulheres são as
mais prejudicadas, obrigadas a sair de suas terras, aumentando a
insegurança alimentar das famílias.
Outro
grande impacto apontado pelos povos da região em relação à instalação
da Cargill também tem relação direta com a expansão do agronegócio. Com a
chegada da empresa e o estímulo à produção de soja, as comunidades -
principalmente do Planalto Santareno, entre os municípios de Santarém,
Belterra e Mojuí dos Campos - começaram a sentir os efeitos da aplicação
de agrotóxicos nas plantações, que estão cada vez mais próximas à área
urbana e a equipamentos como escolas, postos de saúde e hospitais. Uma
pesquisa de mestrado em Desenvolvimento Sustentável apresentada na
Universidade de Brasília, em 2019, identificou que ao menos um dos
corpos hídricos das três cidades do Planalto Santareno estão
contaminados com, ao menos, um dos ingredientes ativos (a principal
substância química dos agrotóxicos) avaliados. A aplicação de
agrotóxicos também tem ocasionado a extinção em massa de abelhas nativas
e outros polinizadores da região, o que pode causar efeitos diversos.
O
estudo da Terra de Direitos ainda traz uma série de denúncias embasadas
em relatos dos povos da região. Com a instalação do terminal Portuário
da Cargill, habitantes de Santarém tiveram que se despedir de uma das
principais áreas de lazer urbana da cidade. A construção dos silos para
armazenamento de grãos e de um dique de 580m deu fim à conhecida Praia
de Vera Paz. Além disso, a instalação das estruturas do terminal
representou a destruição de parte de um dos maiores sítios arqueológicos
da região. Localizado entre os bairros Laguinho e Mapiri, o Sítio do
Porto guarda vestígios de ocupação pré-colombiana do território de cerca
de 10 mil anos. Indígenas relatam o desrespeito à ancestralidade e uma
violação grave da cosmovisão indígena.
“A
ausência da escuta aos povos tradicionais significa que a realidade de
impactos sofridos por aldeias e quilombos, assim como de pescadores e
pescadoras, agricultores e agricultoras familiares foi omitida. Durante
os 22 anos da chegada da empresa na região, os grupos étnicos não
participaram da elaboração de condicionantes do empreendimento e foram
excluídos de qualquer processo de participação, apesar da série de
marcos legais que garantiriam esse direito”, conclui o assessor jurídico
da Terra de Direitos.
Sobre o estudo
O estudo, disponível no link http://semlicencaparacargill.org.br,
é o primeiro levantamento sobre os impactos da Cargill na região do
Tapajós, no Pará. Em breve será lançado outro material que analisa as
irregularidades e a violação de direitos indígenas e de comunidades
tradicionais na instalação do porto da Cargill na cidade de Itaituba.
Sobre a Terra de Direitos
A
Terra de Direitos, organização que surgiu em Curitiba (PR), em 2002, e
que está há 11 anos no Tapajós para atuar em situações de conflitos
coletivos relacionados ao acesso à terra e aos territórios rural e
urbano. Acredita na soberania popular e apoia as lutas coletivas dos
movimentos sociais, de povos e comunidades, por reconhecimento e
garantia de direitos. Entende que a democracia e a justiça social são
fundamentais para a construção de uma sociedade livre, justa e
solidária, especialmente no Brasil, terra de muitos povos, culturas e
identidades. Atua pelo pleno acesso à justiça, reivindicando um sistema
de justiça que reflita a diversidade e a pluralidade da sociedade
brasileira. www.terradedireitos.org.br
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