Ao votar em um julgamento cujo resultado lhe interessava diretamente, Toffoli diz ao Brasil que os ministros do Supremo realmente consideram estar acima de tudo. Editorial da Gazeta do Povo:
Uma
decisão do Supremo Tribunal Federal tomada por meio do plenário
virtual, sem transmissão na TV Justiça, enterrou de vez qualquer
possibilidade de investigação contra um de seus ministros, Dias Toffoli.
O ministro Edson Fachin já havia negado liminarmente autorização para a
Polícia Federal investigar a denúncia, feita pelo ex-governador
fluminense Sérgio Cabral, de que Toffoli teria vendido sentenças quando
era presidente do Tribunal Superior Eleitoral. Agora, o plenário da
corte decidiu anular a delação toda, que Fachin havia homologado no
início de 2020. O pedido de anulação veio da Procuradoria-Geral da
República, que não participou do acordo de colaboração premiada.
Toffoli
negou as acusações, e o vice-procurador-geral Humberto Jacques de
Medeiros alegou que o ex-governador agia de má-fé, apresentando apenas
fatos já conhecidos e sem provas que embasassem suas alegações –
requisito essencial em qualquer acordo de colaboração premiada. A
argumentação da PGR foi aceita por sete ministros e rejeitada por
quatro. Não é nosso objetivo, neste momento, analisar as alegações da
PGR ou entrar no debate sobre a competência para se assinar acordos de
colaboração, mas constatar que o suposto escândalo de venda de
sentenças, que agora não terá mais como ser investigado, deu lugar a um
escândalo real: o de um magistrado que participa de um julgamento no
qual ele tem interesse direto.
Isso
porque Toffoli, para a surpresa até mesmo de seus colegas de suprema
corte, resolveu participar do julgamento, votando – obviamente – pela
anulação da delação de Cabral. Juntou-se, assim, a Fachin, Gilmar
Mendes, Nunes Marques, Alexandre de Moraes, Ricardo Lewandowski e Luiz
Fux na formação da maioria que enterrou o acordo de colaboração. E,
ainda por cima, fez questão de votar quando a maioria já estava formada.
Pode-se até argumentar que a intervenção feita apenas com a situação já
definida seria uma atenuante; muito pior seria proferir voto quando
ainda havia risco de a delação acabar mantida. No entanto, a atitude de
Toffoli é escandalosa ainda assim, porque manda uma mensagem ao Brasil: o
de que os ministros do Supremo realmente consideram estar acima de tudo
neste país.
Diz
o artigo 252 do Código de Processo Penal que “O juiz não poderá exercer
jurisdição no processo em que (...) IV – ele próprio ou seu cônjuge ou
parente, consanguíneo ou afim em linha reta ou colateral até o terceiro
grau, inclusive, for parte ou diretamente interessado no feito” – e era
indiscutível o interesse de Toffoli no destino da delação de Cabral. “Em
hipótese alguma o ministro Toffoli poderia ter votado nesse caso”,
afirmou a procuradora da República, professora de Processo Penal e
colunista da Gazeta do Povo Thaméa Danelon. Várias outras personalidades
do meio jurídico e político se manifestaram no mesmo sentido.
O
ministro Marco Aurélio Mello criticou o colega em entrevista ao portal
UOL: “no lugar dele [Toffoli], teria me declarado impedido ontem (...)
Julgar em causa própria é a pior coisa para o juiz. Eu esperava que ele
saísse do processo”, afirmou o decano da corte. “Por isso é que o
Supremo hoje em dia quase não é levado a sério. Isso é péssimo em termos
institucionais. Perde a instituição. Não estou atacando o colega. Estou
defendendo a instituição que integro”, completou Marco Aurélio.
Ainda
que o decano também tenha a sua parcela de decisões que desmoralizaram o
Supremo, atropelaram jurisprudência e desrespeitaram posições do
colegiado – como quando mandou soltar, às vésperas do recesso
parlamentar, todos os presos com condenação em segunda instância, mas
sem o trânsito em julgado do processo –, ele está coberto de razão neste
episódio. Os ministros do Supremo já deram mostras suficientes de que a
legislação sobre a suspeição só se aplica a eles quando convém. Não é
que eles jamais se declarem suspeitos; mas, quando há muito em jogo,
suspeições ou impedimentos viram regras fictícias. É assim que Toffoli
vota pela anulação de uma delação que poderia levá-lo a ser alvo de
investigação, assim como também votou no julgamento do mensalão ainda
que seu ex-chefe José Dirceu fosse um dos réus; da mesma forma, Gilmar
Mendes já mandou soltar um empresário do setor de transportes carioca,
mesmo sendo padrinho de casamento da filha do investigado. Posturas que,
em si mesmas, já são muito acintosas, mas que insultam ainda mais a
sociedade brasileira quando se lembra que, não muito tempo atrás, a
mesma corte declarou uma suspeição inexistente, sem base nem nos fatos
nem no direito processual, contra o ex-juiz Sergio Moro.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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