Nossa revolução não acontecerá depois de algumas batalhas. Tampouco ela está perdida porque colecionamos mais derrotas do que vitórias até aqui. Via Oeste, artigo de Ana Paula Henkel:
Avida
do brasileiro não é fácil. Nunca foi, mas sempre conseguimos tocar o
dia a dia com um otimismo inebriante, digno de embasbacar qualquer
estrangeiro. Somos constantemente alcançados por tentáculos, vindos de
várias partes, que impedem que a nação tome um rumo de verdadeiro
progresso. Falo daquele progresso sem volta, quando ações que causariam
retrocessos grotescos são colocadas num baú guardado no passado e apenas
o horizonte à nossa frente brilha.
Temos
um Estado inchado, onipotente e onipresente a quem temos de pedir
bênção ou permissão para tudo. Temos uma Constituição extensa e confusa
demais. Temos mais de trinta partidos políticos que trocam de opiniões e
“princípios” como seus representantes trocam de roupa. Temos um
Congresso abarrotado de parlamentares encalacrados com uma Justiça
leniente, e que são protegidos pela mais alta Corte do país.
E
essa Corte, que deveria salvaguardar a Constituição, por mais
imperfeita que ela seja, com a atual composição de ministros se
transformou numa corte política. Diante das mais absurdas e
inconstitucionais decisões, o Supremo Tribunal Federal tornou-se a maior
fonte de decepções, tristezas e incertezas. Não respeita mais o povo, a
Constituição e nenhum braço importante de nossas instituições. Juízes
de primeira e segunda instâncias, policiais, membros do Ministério
Público. A atual insegurança jurídica causada pelo Supremo Tribunal
Federal em razão das decisões tomadas em total desconformidade com as
competências constitucionalmente estabelecidas afeta diretamente nossos
direitos, garantias fundamentais e futuro.
Mas,
se o STF é capaz de impor tanta instabilidade e apreensão, contribuindo
de modo incontestável para a perpetuação da corrupção e da impunidade;
se o Congresso, uma de nossas ferramentas de freios e contrapesos, se
acovarda diante desses atos, a quem podemos recorrer antes que nosso
último fio de esperança se esvaia em decepções diárias?
Acredito
que, no momento, haja apenas um caminho para nós: a História. Em tempos
de pura escassez de líderes inspiradores, é preciso resgatar os bravos
exemplos não apenas de liderança, mas de resiliência, estratégia e
inteligência emocional. Nosso Brasil não foi contaminado por agentes do
retrocesso em poucos anos. E não será em um ou dois ciclos
presidenciais, ou trocando algumas cadeiras do Congresso, que teremos
ampliado nosso horizonte. Não estamos em uma corrida de 100 metros, mas
em uma maratona olímpica. E, para isso, não podemos ser soldados de uma
batalha. É necessário fôlego de general.
Usar
princípios e valores essenciais como guia já se demonstrou prioritário
por gerações e no enfrentamento de qualquer desafio. George Washington
(1732–1799) é, sem dúvida, o personagem mais influente a enfeitar as
páginas dos livros de História. Seu efeito no mundo é ilimitado. Contra
todas as probabilidades de vitória, Washington liderou as colônias na
luta com o Império Britânico para construir uma nação livre. Mais tarde,
comandou o novo país durante os primeiros oito anos sob a Constituição e
deu o exemplo para todos os futuros líderes. O primeiro presidente
norte-americano decidiu fortalecer a América e fez exatamente isso,
criando uma potência mundial que se tornaria o farol para a liberdade no
mundo. Do seu legado, podemos utilizar métodos do estilo firme de
administração e lições de comprometimento durante toda a Revolução
Americana.
Além
dos impactos mais óbvios que George Washington teve no país, foram
incomensuráveis os efeitos que produziu no que mais tarde veio a ser
conhecido como “espírito americano”. Para entender como isso ocorreu,
convém compreender a personalidade, a moral e o sistema de crenças desse
personagem. Embora pouco se saiba sobre sua prática doutrinária, ele
era conhecido por ser um homem religioso — como a maioria na época — e
frequentemente era visto orando. Washington nunca foi ferido em batalha,
o que fez com que muitos de seus contemporâneos, amigos e inimigos,
pensassem que ele tinha a proteção da Providência Divina. Na verdade, o
próprio general disse isso, não de maneira arrogante, mas com humildade e
gratidão por ter sido protegido de perigos enquanto cumpria seu dever
militar. Orai e vigiai.
Muitos quando olham para uma pintura de George Washington imaginam um general destemido e imbatível, que derrotou uma grande potência. Destemido, sim, mas imbatível, nem tanto. O que poucos sabem quando seguram uma nota de 1 dólar, onde seu rosto está estampado, é que, apesar da pouca experiência prática na gestão de grandes exércitos convencionais, Washington provou ser um líder capaz e resiliente das forças militares norte-americanas durante a Guerra Revolucionária, e perdeu mais batalhas do que venceu. Antes de sua nomeação como chefe do Exército Continental, nunca comandara um grande exército no campo. A escolha de prioridades e estratégias que lhe rendeu vitórias cruciais — como a Batalha de Trenton, em 1776, e em Yorktown, em 1781 — foi o que fez uma revolução praticamente impossível contra um gigante avançar com sucesso.
Washington
viveu e trabalhou com filósofos, pensadores, escritores e oradores
brilhantes, como Franklin, Mason, John Adams, Jefferson, Patrick Henry,
Hamilton, Madison, Dickinson. Apesar da frenética troca de ideias, quase
todos esses nomes eram muito distantes academicamente de Washington.
Ainda assim, nas três principais junções da fundação da nação
norte-americana — a Revolução, a Convenção Constitucional e a escolha do
primeiro presidente —, o líder escolhido foi George Washington. Em sua
própria época, era visto como o homem indispensável, o Moisés americano,
o pai do país. Por quê?
O
próprio Washington não foi o mais brilhante intelectualmente dos Pais
Fundadores. Ele não era o mais ambicioso nem o mais capaz. Na verdade,
Washington não era um Thomas Jefferson. Nem um Alexander Hamilton. E
certamente não era um Benjamin Franklin. Ele não elaborou a
Constituição, mas a apoiou com ações e palavras. Representou tudo o que
era a América e ajudou a dar o exemplo do que seria um americano.
Liderou as pessoas implementando os pensamentos e planos de outras
mentes brilhantes, para que o país um dia — um dia — viesse a prosperar.
George Washington nunca foi o homem mais inteligente, espirituoso,
ambicioso ou carismático, mas ele foi George Washington, e é exatamente
disso que a América precisava.
Até
hoje, Washington é considerado a força motriz que tornou possível o
estabelecimento da nação. Antes e agora, ele é apontado como o “Pai dos
Estados Unidos” e fonte de inspiração em momentos decisivos. Quando nos
falta o ar em desespero contra algo injusto e maior, tento imaginar o
que homens como George Washington nos diriam. Seus discursos caem como
uma luva, ou como um cobertor quente em corações cansados, como andam os
nossos. Em uma sociedade coberta de platitudes vazias e discursos
imediatistas, é um alento mergulhar no universo de quem esteve em
situação muito pior do que a nossa e deparar com mensagens como esta:
“Quanto mais difícil for o conflito, maior será o triunfo. A felicidade
humana e o dever moral estão inseparavelmente ligados.”
Somos
um povo apaixonado, feliz por natureza, mas que está cansado da luta
diária contra um emaranhado de configurações políticas que insistem em
frear nosso desenvolvimento como nação. É fácil desanimar, confesso. Mas
é necessário seguir. Se não há líderes como antigamente, que sejamos os
líderes inspiradores em nossa família, em nossa comunidade, com os
amigos. Que tentemos incorporar características desses grandes homens
nos sonhos, sim, mas principalmente nas ações do dia a dia, com
pragmatismo. Não precisamos vencer toda as batalhas, mas precisamos
vencer as “batalhas certas”. Durante os oito anos da Revolução
Americana, o General Washington gastou muito mais tempo, pensamento e
energia como organizador e administrador das forças militares do que
como estrategista militar tático. Sem a liderança persistente e
inteligente de Washington, o Exército, como organização, teria entrado
em colapso de dentro para fora. Ele enfrentou alistamentos de curto
prazo, deserções, precariedade de armamentos para os soldados,
congressistas e legisladores estaduais lenientes, traidores do
movimento. Mesmo assim, muitos combatentes e civis confiaram nele,
acreditaram nele, o amaram e permaneceram com ele e suas ideias.
Em
1778, a batalha em Monmouth, New Jersey, também revelou sua liderança
carismática e genialidade como estrategista de campo. Nessa batalha
crucial, as tropas americanas estavam em retirada e total desordem
quando Washington assumiu o controle. Hamilton disse que sua presença
interrompeu a retirada, e sobre esse episódio escreveu: “Outros oficiais
têm grande mérito em desempenhar bem suas funções, mas ele dirigiu o
todo com a habilidade de um mestre operário. Nunca vi o General com
tanta vantagem”. Os britânicos, mesmo em maior número, acabaram se
retirando para Nova York.
Não
podemos desanimar, é tudo o que eles mais querem. Nossa “revolução” não
acontecerá depois de alguns embates. Tampouco ela está perdida porque
colecionamos mais derrotas do que vitórias até aqui. Seja um soldado
desse tipo de general, mesmo que ele esteja presente apenas em espírito e
em nosso coração. Talvez George Washington não seja apenas o “Pai dos
Estados Unidos” como exemplo de perseverança em tempos impossíveis, mas
de todos nós.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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