Promover manifestações de rua neste ambiente de pandemia, ainda mais agora, com uma terceira onda de COVID-19 às portas, parece tão insensato quanto o desfile de motocicletas patrocinado por Bolsonaro. Merval Pereira via O Globo:
A
esquerda brasileira está diante de um paradoxo que pode derrotá-la ao
promover passeatas como as de ontem, por todo o país, contra o governo
Bolsonaro. Estou convencido de que se não tivéssemos a pandemia, as
manifestações de rua já teriam criado um clima político favorável ao
impeachment do presidente. Não é preciso levar em conta a ação do
governo na pandemia para impedi-lo de continuar na presidência da
República.
Antes
disso, já havia cometido barbaridades, como as manifestações
antidemocráticas contra o Congresso e o Supremo Tribunal Federal. A
partir da divulgação daquele vídeo com o “golden shower”, logo no início
de seu governo, Bolsonaro deu motivos suficientes para ser impedido de
estar na presidência da República.
Mas
promover manifestações de rua neste ambiente de pandemia, ainda mais
agora, com uma terceira onda de COVID-19 às portas, parece tão insensato
quanto o desfile de motocicletas patrocinado por Bolsonaro, ou as
aglomerações que ele promove a cada aparição pública.
É
um paradoxo mortal termos uma CPI no Senado tentando fazer conexões
entre o comportamento de Bolsonaro durante a pandemia com uma política
premeditada de alcançar a imunidade de rebanho, e ao mesmo tempo se
comportar como ele e seus seguidores, dando margem a que manifestações
como essas sejam normalizadas.
Da
mesma maneira, seria dispensável o empenho escancarado do relator da
CPI, senador Renan Calheiros em incriminar o presidente se ele
conseguisse fazer perguntas tão objetivas quanto as respostas que exige
dos inquiridos. Chega a ser impertinente a maneira como ele interrompe
os depoentes, impedindo que terminem sua argumentação.
Uma
coisa é se empenhar em não deixar que as testemunhas tentem ganhar
tempo sem explicar direito como as coisas se passaram. Outra é cortar
pelo meio as respostas, ficando apenas com as partes que interessam ao
seu modo de ver as coisas. Acho que ele está no caminho certo, mas se
atrapalha com as próprias pernas no caminhar. As incoerências ficam
patentes à medida que os depoimentos prosseguem, e não é preciso ser tão
irritadiço ou apressado para chegar a uma conclusão.
As
aglomerações que o presidente Bolsonaro continua a promover, e as
bravatas com que impressiona seus seguidores o incriminam, mas a
oposição nas ruas validam essas manifestações, não levando em conta o
momento crítico que estamos vivendo. Uma terceira onda cada vez mais
provável é a condenação do presidente Bolsonaro e das políticas
sanitárias insanas que seu governo patrocina.
Já
há documentos suficientes para provar que o governo postergou a compra
de vacinas, se não por deliberação assassina, por incompetência que
levou ao mesmo triste fim. De uma maneira ou de outra, o governo
Bolsonaro é culpado pelos mortos brasileiros atingirem números
estratosféricos, caminhando para, proporcionalmente, ser o maior do
mundo.
Talvez
a tragédia indiana impeça que atinjamos esse triste recorde, mas quase
certamente ultrapassaremos os Estados Unidos, que estão contendo a
pandemia enquanto nós continuamos com ela descontrolada. Uma pandemia
como essa exigiria, desde seu início, um governo diligente que
mobilizasse o país como em uma guerra, que é o que estamos vivendo.
A
mobilização, no entanto, foi no sentido de negar a gravidade da doença,
e a tragédia não está sendo maior ainda porque os estados e municípios
assumiram uma autonomia federativa, respaldada pelo Supremo Tribunal
Federal, que certamente amenizou os efeitos da doença com lockdowns e
distanciamento social, a obrigatoriedade do uso de máscaras, que o
presidente Bolsonaro contesta até mesmo no Supremo.
Como
se o direito de ir e vir fosse mais importante do que a saúde pública.
Como se os governantes, especialmente o presidente da República, não
tivesse obrigação de proteger seus cidadãos numa guerra.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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