Paim foi um apaixonado pelo Brasil, que tentou entender ao longo dos seus 94 anos de trabalho profícuo. Rubens Figueiredo e Ney Figueiredo para o Estadão:
A
erudição quase sempre é pedante, principalmente nos casos em que o
erudito se mostra mais sabido que sábio. Antonio Ferreira Paim, que nos
deixou no dia 30 de abril, foi um homem de vasta cultura, com uma visão
extremamente abrangente e sofisticada dos sistemas políticos, econômicos
e sociais. Era um pensador em busca da conexão entre o pensamento e a
ação, um filósofo contra a contemplação.
Paim
também exerceu como ninguém a arte da humildade. Nunca se utilizou da
falácia da autoridade para fazer valer seus argumentos, nada mais longe
do seu modo de ser do que o “você sabe com quem está falando?”. Era
completamente avesso a qualquer exibição de conhecimento. Certa vez,
numa cena inusitada, um motorista de táxi lhe deu uma “aula” sobre
marxismo, que ele ouviu com toda a paciência e sem pronunciar uma
palavra. Tinha a certeza de que não precisava provar nada para ninguém.
Abominava
o consumismo doentio, que assola a nossa sociedade. Nunca teve carro ou
telefone celular. Baiano, reclamava muito do frio de São Paulo. Certa
feita, para ajudar a aquecê-lo, um amigo o presenteou com um cachecol da
Burberry, que havia sido comprado em Londres. Nunca o usou, sob o
pretexto de que era muito “chic”. Deu para uma das suas filhas. Reduziu
suas necessidades de consumo ao mínimo indicado pelo bom senso. Ao longo
da vida, doou milhares de livros, algo que amava, a instituições e
bibliotecas.
Outra
característica de Paim era sua monumental capacidade produtiva, que
cultivou até os seus últimos dias no arborizado condomínio para idosos
mantido pela Sociedade Beneficente Alemã. Impressionantes a agilidade e a
qualidade com que escrevia seus textos, muitos abordando assuntos
extremamente complexos. Não por acaso foi um dos mais profícuos
filósofos brasileiros, deixando obras que se tornaram referência na
bibliografia nacional.
Era
um apaixonado pelo Brasil, país que amava e tentou entender
ininterruptamente ao longo dos seus bem vividos 94 anos. Suas reflexões,
muitas vezes bastante críticas, procuravam ressaltar os aspectos
positivos da formação do Estado brasileiro e das influências do legado
português. Gostava dos traços da “brasilidade”, das mulatas, da nossa
comida, do bom humor, da risada larga e do jeito que cultivamos pela
miscelânea cultural que somos.
Viveu
uma vida extremamente frutífera, intensa e multifacetada. Nascido em
Jacobina, aderiu ainda muito jovem ao Partido Comunista Brasileiro,
atuando no jornal partidário. Em 1953 foi enviado para a então União
Soviética. Morou em Moscou, trabalhando e estudando na Universidade
Lemonosov, onde aprofundou seus estudos sobre o marxismo. Segundo seu
amigo Antonio Roberto Batista, ele era um quadro partidário que estava
sendo preparado para se tornar o que espirituosamente chamava de
“bolchevique sem alma”, um quase fanático sem outros vínculos que não
fossem o compromisso revolucionário.
Mas
Paim era, antes de mais nada, um pensador. Desiludido com a União
Soviética e com as atrocidades de Stalin, rompeu com o Partido
Comunista. Sentiu, então, necessidade de superar o pensamento marxista.
Ingressou no curso de Filosofia na Universidade do Brasil, hoje
Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde iniciou sua carreira de
professor. Chegou a professor livre-docente na Universidade Gama Filho,
tendo se aposentado em 1989. Nessa trajetória se tornou um dos mais
importantes pensadores liberais que o Brasil já teve.
Chama
a atenção na obra de Antonio Paim a vastíssima gama de interesses
coberta por seus estudos. Entre as disciplinas que abraçou estão
Filosofia Brasileira, Pensamento Político Brasileiro, Filosofia
Luso-Brasileira, Filosofia Moral, Filosofia da Educação e História das
Ideias. Não por acaso, esteve, ao longo da vida, ligado a instituições
como o Instituto de Humanidades, o Instituto Brasileiro de Filosofia, a
Academia Brasileira de Filosofia (onde foi eleito presidente de honra), o
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, o Conselho Técnico da
Confederação Nacional do Comércio, a Academia de Ciências de Lisboa, o
Instituto de Filosofia Luso-Brasileira e a Fundação Espaço Democrático.
Uma
das nuances do pensamento de Paim era trazer à tona a atuação de
personagens relevantes da História brasileira, alguns pouco conhecidos
mesmo no meio universitário. Sua última obra publicada em vida foi o
livro Personagens da Política Brasileira, da Fundação Espaço
Democrático, uma coletânea de artigos organizada pelo cientista político
Rogerio Schmitt, na qual analisou a contribuição de personalidades que
vão desde Hipólito da Costa e Silvestre Pinheiro Ferreira até Tancredo
Neves e Ulysses Guimarães.
Antonio
Paim deixa três livros que se tornaram clássicos: História do
Liberalismo Brasileiro, Momentos Decisivos da História do Brasil e A
Querela do Estatismo. Ao longo da sua vida, soube conjugar o
conhecimento enciclopédico e a reflexão rigorosa com uma leveza de ser
que engrandecia aqueles que tivessem o privilégio de privar do seu
convívio. Somos todos seus alunos.
RESPECTIVAMENTE, CIENTISTA POLÍTICO E CONSULTOR POLÍTICO
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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