Em cem dias de governo, o novo presidente já liberou ou prometeu liberar quantias tão alucinantes que não têm paralelo histórico. Vilma Gryzinski:
Todo
político gosta de gastar dinheiro público, seja para garantir um lugar
nos livros de história ou uma fatia majoritária nas urnas (sim, sabemos
que “dinheiro público” não dá em árvores).
Mas
Joe Biden está gastando como nenhum outro político. No seu discurso ao
Congresso, ele introduziu mais um programa de investimentos cavalares,
batizado de Plano para as Famílias Americanas, no total de 1,8 trilhão
de dólares.
Soma-se
ao plano emergencial da pandemia de 1,9 trilhão, já aprovado e
funcionando, e ao proposto programa de investimentos em infraestrutura –
designação vaga que na prática inclui vastos gastos sociais – de 2,3
trilhões.
Só
para comparar, o New Deal de Franklin Roosevelt, que vigorou durante
seis anos a partir de 1933, envolveu cerca de 650 bilhões de dólares em
valores atualizados.
O
que aconteceu com o Joe Biden moderado que circulou durante quase
cinquenta anos no meio político, como senador e vice-presidente, sem
agitar as águas nem fazer nada parecido com rompantes revolucionários?
Já
tem gente evocando John Maynard Keynes e a frase que talvez não tenha
dito, talvez tenha: “Quando os fatos mudam, eu mudo minhas ideias. E o
senhor faz o quê?”.
O
venerado lorde Keynes possivelmente ficaria de queixo caído com a
extensão da gastança. Santo patrono da intervenção do governo (em casos
emergenciais), o mais chique dos economistas parece um amador perto do
que está acontecendo em Washington.
Menos
do que um surto de hiperkeynesianismo, a política de Biden está mais
para Moderna Teoria Econômica, uma ficção segundo a qual governos que
controlam a própria moeda podem gastar infinitamente.
Já
houve muita gente que tentou emplacar esta teoria, mesmo sem saber que
ela existia, e as catástrofes supervenientes acabaram convencendo até os
mais cínicos a pelo menos fingir que se preocupam com a
responsabilidade fiscal.
Agora,
surge um presidente americano que parece dizer “Às favas com a
prudência”. E às favas com qualquer pretensão de fingir, nem que fosse
só para americano ver, trabalhar com o Partido Republicano em temas
suprapartidários.
Até
Mitt Romney, o único senador republicano que votou pelo impeachment de
Donald Trump, já percebeu que o Joe Biden que hoje ocupa a Casa Branca
está mais para o lado de Bernie Sanders, o senador socialista mais feliz
do que pinto no lixo com seu novo companheiro de projetos.
“O
presidente diz que quer união, mas é impossível unir a América se você
só apela para a ala liberal de seu próprio partido”, tuitou Romney.
Na
condição de membro mais rico do Senado – 250 milhões de dólares -,
Romney está na lista dos que vão pagar a conta da gastança em escala
estratosférica.
Aumentar
os impostos das empresas e das pessoas físicas com renda acima de 400
mil dólares por ano, além de garfar os rendimentos financeiros e
engessar a contabilidade criativa, é a forma que Biden diz ideal para
bancar os gastos sociais sem aumentar catastroficamente uma dívida já
gigantesca, a maior da história – as contas ainda estão sob suspeição.
Muitas
das propostas de Biden, como financiar o maternal para crianças
pequenas, aumentar as licenças maternidade e ampliar a rede de
universidades públicas, já vigoram há muito tempo nos países onde a
social-democracia, em aliança com as forças mais conservadoras,
implantou o estado de bem estar social, com a diferença que levaram
muitas décadas de aplicação gradual.
Joe Biden quer os Estados Unidos da Escandinávia, uma piadinha que já começa a ser feita, para ontem.
Outras
propostas feitas pelo presidente são novas, como o vasto e caríssimo
programa de transformação de residências em unidades de baixa emissão de
gases de efeito estufa.
É
claro que tudo que acontece nos Estados Unidos não só influencia o
resto do mundo – e delineia a perspectiva de que, com tanto dinheiro na
praça, aumente a inflação na maior economia do planeta – como também
desperta imitadores.
“Para
onde vai a América, o mundo vai atrás”, anotou o comentarista britânico
Sam Brodbeck, especulando que os aumentos de impostos da nova era Biden
podem ser copiados pelo ministro da Economia, Rishi Sunak, às voltas
com os mesmos problemas de metade do planeta: como bancar os programas
emergenciais de combate aos efeitos da pandemia sem arrombar as contas.
Detalhe:
a Argentina já impôs um imposto único sobre fortunas específico para os
efeitos do coronavírus e não existe pior exemplo no mundo do que o
argentino de como administrar uma economia.
O
endividamento gargantuesco promovido por Biden oferece a desculpa
perfeita para os que não querem ser comparados à Argentina. Se os
americanos podem, por que não podemos também, perguntam-se ministros da
Economia de todo o planeta.
Preparem
os bolsos. Não é segredo para ninguém que os impostos para os que têm
mais sempre acabam reverberando entre os que têm menos.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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