Sim,
a CPI da Covid é importante – mas investiga denúncias de corrupção no
Terceiro Mundo. O que acontece agora nos Estados Unidos – e repercute no
Brasil – é mais um episódio da tentativa de fazer com que todos pensem a
mesma coisa, sob pena do que chamam de “cancelamento”.
Os
fatos: o professor Blake Bailey, autor de uma biografia do monumental
escritor Philip Roth, foi acusado de estupro por algumas ex-alunas.
Devido às acusações, a editora americana WW Norton interrompeu a
distribuição do livro; no Brasil, a Cia. das Letras suspendeu a tradução
da obra, “dadas as graves acusações de abuso sexual contra Blake
Bailey”.
Vamos
admitir que o autor tenha cometido todos os crimes de que foi acusado e
mais alguns. Deve, diz a lei, ser processado, condenado, cumprir pena. E
que é que o livro tem a ver com isso? É preciso saber separar a vida
pessoal do autor de sua obra – ou não teríamos no Brasil os poemas de
Bocage, condenado e preso pela Inquisição; nada veríamos de Caravaggio,
assassino confesso, nem de Cellini, preso por roubar pedras preciosas da
tiara papal, assassino de pelo menos três pessoas; não ouviríamos
Paganini, preso por dívidas. Ezra Pound traiu os EUA para apoiar os
fascistas na guerra.
Chega:
que os criminosos paguem por seus crimes, depois do julgamento e da
condenação. Mas sua obra não é criminosa. Lembremos a revolucionária
polonesa Rosa Luxemburgo: liberdade é sempre a liberdade dos outros.
Todos juntos, vamos
Cacá
Diegues, um dos melhores cineastas brasileiros, mostrou há anos como se
perseguia o pensamento livre. Todos tinham de pensar igual. Na época,
tentaram boicotar Elis Regina por cantar o Hino Nacional nas Olimpíadas
do Exército. Atacavam quem tocava guitarra porque brasileiro devia usar
só violão ou viola. Cacá denunciou as “patrulhas ideológicas” – e tinha
razão. Mais tarde, pudemos ouvir gente que odiava Chico Buarque, não por
suas músicas, mas por ser favorável a Lula e Cuba, e por gostar de
Paris. Outros passaram a odiar Roman Polanski, acusado de estupro.
Chega: gente é gente, obra é obra. Vale a pena ler o que está nesse ótimo link: http://www.bresserpereira.org.br/terceiros/2020/marco/20.03-Acusacao-de-Polanski.pdf
Trivial diário
E
voltemos a nosso dia a dia. A Comissão Parlamentar de Inquérito sobre a
Covid já traz novidades. A primeira: o próprio Governo já listou as
maiores burradas que cometeu durante a pandemia, com o objetivo de fazer
com que os ministérios dessem explicações. Mas divulgaram a listagem,
prontinha para uso da oposição. Temos de lembrar que o relator é Renan
Calheiros. Por mais que o senador tenha defeitos, de Senado ele entende.
Já conseguiu peitar o então morubixaba do Congresso, José Sarney – para
em seguida aliar-se a ele e, juntos, dominarem o Senado. É um
adversário temível.
E
quem o Governo lança contra ele, no primeiro choque? Carla Zambelli. É
de fidelidade total a Bolsonaro. Mas para enfrentar Renan precisa ainda
comer muito feijão. Foi surrada: conseguiu uma liminar barrando a
candidatura de Renan a relator da CPI. Só que o relator não é eleito, é
indicado pelo presidente da CPI (supostamente, aliás, bolsonarista).
Renan é o relator, e Carla Zambelli irritou os senadores, por tentar
levar a Justiça a interferir em questões internas. A CPI vai pegar fogo.
Até o senador Ciro Nogueira, líder do maior partido do Centrão, que
obteve de Bolsonaro tudo aquilo que exigiu, até mesmo um Orçamento sob
medida, votou para presidente da CPI no candidato que, embora
bolsonarista, não era o que Bolsonaro queria. Vão ouvir o general
Pazuello, imagine! E Paulo Guedes já está jogando contra.
Ouviram do Posto Ipiranga
Guedes
participou ontem de reunião do Conselho de Saúde Suplementar. Até aí,
tudo bem. O problema é que resolveu falar. Suas palavras: “O chinês
inventou o vírus, mas tem vacinas menos eficientes que as desenvolvidas
por empresas americanas”. Por causa de frases como “o chinês inventou o
vírus”, a China, maior parceiro comercial do Brasil, talvez não tenha se
empenhado tanto em enviar-nos vacinas, obrigando ministros de outras
áreas a conversar com Pequim. A chave na liberação do Insumo
Farmacêutico Ativo foi, sem dúvida, a ministra mais eficiente (e mais
silenciosa) do Governo: Tereza Cristina, da Agricultura, que conseguiu
manter as exportações agrícolas em alta apesar dos insultos, em público,
de Eduardo “Bananinha” Bolsonaro.
Perguntar não ofende
Por que terá o general Mourão lançado o apelido “Bananinha”?
Sem maldade
Paulo
Guedes, ao se referir às vacinas, não pretendia ofender os chineses: só
queria mostrar que empresas privadas (como as americanas Pfizer e
Moderna) são mais eficientes que as estatais.
E
são. Por isso, vieram ao Brasil oferecer suas vacinas. Foram ignoradas.
Contratos confidenciais foram divulgados para falar mal dos
fornecedores. Empresas eficientes querem vender, mas não se amarram a
clientes que não querem comprar.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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