Boris Johnson está na posição altamente desconfortável de enfrentar escândalo que envolve sua companheira e ex-aliado que virou inimigo. Vilma Gryzinski:
Mantenha os amigos por perto e os inimigos mais perto ainda, aconselhavam Sun Tzu e Michael Corleone.
Mas o que um político pode fazer quando os amigos e potenciais inimigos se envolvem em disputa pelo poder com a própria mulher?
Como
qualquer marido sensato, Boris Johnson optou pela mulher, Carrie
Symonds, quando ela travou uma guerra de bastidores com seu mais
importante assessor político, o genial e mercurial Dominic Cummings.
Mente
brilhante por trás da campanha vitoriosa do Brexit, Cummings foi para
casa em novembro do ano passado, com um pote até aqui de mágoa, e Carrie
emplacou o assessor que queria como chefe de gabinete.
Agora, Cummings está mandando a conta. E não é pequena. Vingança que se come fria tem mais poder.
Em
posts inflamados que foram comparados a bombas nucleares, detonando
Boris e Carrie, que antes de fingir que é uma cordata e silenciosa
companheira trabalhava na assessoria de imprensa do Partido Conservador,
conhece todo mundo e, como o caso acontece na terra de Shakespeare,
merece ser chamada de Lady McSymonds.
Foi
na época de assessora que conheceu Boris, sugou-o da esposa com quem
tinha quatro filhos e acabou morando na ala residencial do sobrado
número 10 de Downing Street, com o filhinho nascido em fim de abril do
ano passado quando o pai ainda se recuperava de uma Covid das bravas.
Uma
reforma no apartamento oficial no célebre endereço provocou uma das
maiores encrencas de Boris. Cummings relata ter apontado que seria não
só antiético como potencialmente criminoso sondar milionários que fazem
doações polpudas aos conservadores para saber se poderiam bancar os
custos da reforma.
As
obras foram feitas de qualquer maneira, ao custo de 200 mil libras,
irrisório pelos padrões brasileiros de suntuosidade com dinheiro dos
outros, mas potencialmente explosivos para Boris.
Outra
bomba: segundo Cummings, Boris disse que preferiria ver “os corpos se
empilhar” a decretar um novo lockdown, em outubro, o que acabou fazendo
de qualquer maneira.
O
primeiro-ministro e companhia negaram veementemente. “Estamos entrando
no capítulo farsesco dessa história, com fontes anônimas, assessores
anônimos, eventos anônimos. Nada disso é sério”, disse o secretário da
Defesa, Ben Wallace.
Problema:
apesar do aspecto novelesco, os assuntos são sérios e ninguém sabe o
que mais Dominic Cummings tem em seu saco de maldades.
Entre
outros detalhes que o primeiro-ministro preferiria esquecer, está a
discussão sobre quem seria o integrante do governo que vazava assuntos
sigilosos com tanta frequência que foi apelidado de “rato falante”.
O maior suspeito, por incrível coincidência, era o melhor amigo de Carrie no governo, Harry Newman.
Diz
Dominic Cummings que quando o caso começou a ganhar corpo, Boris
Johnson ficou aborrecido e sugeriu que a investigação interna fosse
suspensa.
“Se
for confirmado que Newman é o informante, então vou precisar demiti-lo e
isso me causará problemas muito sérios com Carrie (pausa). Talvez
pudéssemos suspender a investigação sobre o vazamento”, disse o
primeiro-ministro, segundo Cummings.
Resposta
do ex-assessor: “Disse que seria uma loucura e totalmente antiético.
Ele não poderia cancelar uma investigação que afetava milhões de pessoas
só porque poderia implicar amigos da sua namorada”.
Partidários
de Carrie partiram para a defesa com o argumento clássico: ela está
sendo alvo de ataques sexistas, provenientes de intrigantes que adoram
atribuir interferências à clássica figura da mulher mandona.
Eles
pintam um quadro em que Cummings – apelidado de “Demonic” pela esquerda
revoltada com o Brexit, mas agora tratado com entusiasmo pela mesma
turma por causa dos estragos que está causando no governo conservador – e
seu grupo formavam um “time dos meninos”, hostil a mulheres em geral e a
Carrie em particular.
Foram
eles, supostamente, que vazaram o apelido dado a Carrie, “Princess Nut
Nuts” – palavra usada nos dois sentidos, como sinônimo de maluca e
também no sentido estrito, nozes, uma referência ao que chamavam de seu
rosto de esquilo.
Carrie
Symonds tem 33 anos, 23 a menos do que o futuro marido – eles iam se
casar na Grécia no ano passado, mas a festa foi adiada por motivos
óbvios. Foi criada só pela mãe, advogada que trabalhava no Independent e
teve um caso com um dos fundadores do jornal, desinteressado em se
envolver com a filha.
Em
junho de 2019, a polícia foi chamada por causa de uma briga de casal no
apartamento dela, onde Boris estava morando provisoriamente. Depois,
ficou claro que o vizinho responsável pelo chamado tinha planejado
conseguir um flagrante por antipatia política.
Motivo
aparente da briga: uma taça de vinho derrubada num sofá branco. Apesar
da gravidade do delito, o casal superou tudo e Carrie toma o cuidado de
aparecer pouco em público, embora seja considerada, em particular,
especialmente influente no quesito causas ambientais.
E,
como ficou comprovado, em assuntos políticos também, uma garantia de
que, como tudo na carreira de Boris Johnson, o futuro reserva uns bons
solavancos.
Detalhe
relevante: o primeiro-ministro tomou um empréstimo do comitê
conservador e está ressarcindo as boas almas que bancaram a reforma em
Downing Street.
Os
percalços de Boris coincidem com notícias excepcionalmente boas. Na
prática, a epidemia já acabou, graças à combinação de lockdowns parciais
e a brilhante campanha de vacinação. O número diário de novos casos
caiu para menos de 2 000 e as mortes estão na casa das poucas dezenas.
O
Goldman Sachs previu que a economia este ano vai crescer espetaculares
7,8%, mais do que as projeções para os Estados Unidos. O Brexit causou
um soluço no começo do ano, mas já está sendo absorvido sem traumas.
É
claro que quando tudo está indo muito bem, um perigo inesperado ataca.
Atualmente, o nome dele, para Boris Johnson, é Dominic Cummings.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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