Em sua forma mais radical, a análise social e histórica de tendência esquerdista começa com o axioma de que o poder coercitivo e violento é a única variável nos arranjos sociais humanos. Cameron Hilditch para a National Review, com tradução para a Gazeta do Povo:
O
Conselho de Educação da Califórnia votou recentemente por unanimidade
para aprovar um Currículo Modelo de Estudos Étnicos para uso em todas as
escolas públicas do estado. Como o National Review apontou no dia em
que a votação foi realizada, este currículo é “provavelmente o documento
educacional mais radical, polêmico e ideologicamente carregado já
oferecido para avaliação pública no mundo democrático”. É um programa de
doutrinação elaborado para o pior tipo de política tribal - um projeto
de engenharia social projetado para apagar a individualidade do ser
humano e transformar cada um de nós em avatares de nossas
características imutáveis. O conteúdo que será ensinado a gerações
inteiras de californianos, um catecismo com dogmas de um evangelho tão
sombrio e totalmente político, é quase doloroso demais para suportar.
Como observei há algumas semanas, a parte mais surpreendente do currículo é a seção que trata da religião:
“Os
alunos devem ser ensinados que os colonos cristãos brancos cometeram
'teocídio' contra as tribos indígenas quando chegaram ao Novo Mundo
acabando com os deuses nativos americanos e substituindo-os pelo Deus
cristão. De acordo com o currículo, essa substituição deu início a um
regime definido pela 'colonialidade, desumanização e genocídio' e pelo
'apagamento explícito e substituição da Indigenidade holística e da
humanidade'. Mas nem tudo está perdido, dizem. Pois os alunos aprenderão
que eles têm o poder e a responsabilidade de construir uma ordem social
definida pelo 'contra-genocídio', que acabará suplantando os últimos
vestígios do cristianismo colonial e pavimentando o caminho para a
'regeneração do futuro epistêmico e cultural indígena'”.
O
currículo apresenta os deuses pagãos do império asteca como objetos de
estudo e veneração mais valiosos do que Jesus de Nazaré. Esta
apresentação não se baseia em acurada teoria ou investigação acadêmica.
Como mencionou Christopher F. Rufo, os professores são incentivados
pelos autores do currículo a conduzir seus alunos a um “louvor
comunitário dos estudos étnicos”, que assume a forma de adoração
oferecida a essas divindades:
“Os
alunos primeiro batem palmas e cantam para o deus Tezkatlipoka - a quem
os astecas tradicionalmente adoravam com sacrifício humano e
canibalismo - pedindo a ele o poder de serem 'guerreiros' pela 'justiça
social'. Em seguida, os alunos cantam aos deuses Quetzalcoatl,
Huitzilopochtli e Xipe Totek, buscando 'epistemologias de cura' e 'um
espírito revolucionário'. Huitzilopochtli, em particular, é a divindade
asteca da guerra e inspirou centenas de milhares de sacrifícios humanos
durante o domínio asteca. Finalmente, o canto chega ao clímax com um
pedido de 'libertação, transformação [e] descolonização', após o qual os
alunos gritam 'Panche beh! Panche beh! ' em busca da 'consciência
crítica' final”.
Mesmo
um conhecimento passageiro da história asteca levanta sérias questões
sobre este ritual (um conhecimento básico sobre a Primeira Emenda
levanta ainda mais, mas isso é um assunto diferente). Nada, porém, é
mais importante do que o motivo pelo qual os educadores trouxeram essas
divindades de volta à vida depois de tantos séculos de sono. Por que
professores e administradores na Califórnia desejam reviver esses cultos
astecas como positivos e colocá-los contra o cristianismo?
Não
podemos fazer essa pergunta corretamente - muito menos respondê-la -
sem dar pelo menos uma olhada superficial na história asteca e procurar
as virtudes que o Conselho de Educação da Califórnia acredita ter
encontrado nos cultos dessas divindades mesoamericanas.
Torturas e sacrifícios humanos
O
principal local de adoração no império asteca era o Templo Mayor na
cidade de Tenochtitlan, que era composto de pirâmides gêmeas, uma
dedicada a Huitzilopochtli, deus do sol, e a outra a Tlaloc, o deus da
chuva. Como todos os deuses astecas, Huitzilopochtli e Tlaloc tinham um
apetite insaciável por sacrifícios humanos. Os sacerdotes de
Huitzilopochtli apaziguavam sua divindade padroeira colocando uma vítima
sacrificial em uma pedra no ápice da pirâmide do deus, retirando o
coração da vítima (enquanto ela ainda estava viva) e, em seguida,
rolando o corpo pela lateral da pirâmide, até chegar à base onde a
pessoa era desmembrada, descartada ou comida. Fontes pós-conquista
relatam que na reconsagração dessa pirâmide em 1.487, cerca de 80.400
pessoas foram sacrificadas dessa maneira ao longo de apenas quatro dias.
Mesmo os historiadores que consideram esse número um exagero admitem
que a contagem de vítimas provavelmente estaria na casa das dezenas de
milhares.
Compare
com essa passagem da bíblia: "Ele foi oprimido e afligido, mas não
abriu a boca; como um cordeiro é levado ao matadouro, e como a ovelha
muda perante os seus tosquiadores, assim ele não abriu a boca".
Tlaloc
era uma figura ainda menos atraente. Ele tinha uma predileção
particular pelo sacrifício de crianças. Os restos mortais de mais de 40
meninos e meninas foram descobertos no local da escavação da grande
pirâmide, a maioria com marcas de tortura severa e prolongada. Isso era
de se esperar, visto que os códices pictóricos astecas que chegaram até
nós mostram, invariavelmente, crianças chorando antes de serem
sacrificadas. Os sacerdotes de Tlaloc acreditavam que as lágrimas de
crianças inocentes eram particularmente agradáveis ao deus, e eles
tomaram muito cuidado para garantir que suas pequenas vítimas chorassem
antes e durante a cerimônia para que a fumaça do fogo sacrificial
levasse suas lágrimas até o deus no momento da morte. O ritual começava
com os ossos das crianças sendo quebrados, suas mãos ou pés queimados e
inscrições dolorosas feitas em sua carne. Elas eram então exibidas para
os celebrantes do ritual enquanto choravam. Como eles acreditavam que
lágrimas insuficientes das crianças resultassem em chuvas insuficientes
para as safras daquele ano, nenhuma brutalidade era poupada. No final,
as vítimas mutiladas eram queimadas vivas.
Compare com esta outra passagem bíblica:
“Mas
Jesus chamou os filhos e disse: 'Deixai que os pequeninos venham a mim,
e não os impeçais, porque o reino de Deus pertence a esses'”.
Tezcatlipoca,
que também aparece no novo catálogo californiano de divindades
veneráveis, era considerado o mais poderoso dos deuses astecas. Ele
dominou a escuridão, a noite, a feitiçaria e a bruxaria. Ele também
tinha o poder de perturbar a cortesia social e a felicidade dos próprios
deuses e era, por essa razão, particularmente temido. Ele foi adorado
com muitas formas diferentes de sacrifício. Uma delas envolvia vestir a
vítima com esplêndidos trajes de guerreiro e amarrá-la a uma estaca ou
parede. Os guerreiros astecas então "batalhariam" com ela de maneira
zombeteira e humilhante, prolongando esse ritual de humilhação e tortura
para entreter o deus e a si próprios pelo maior tempo possível.
Compare com esta outra passagem bíblica:
“E
depois de tecerem uma coroa de espinhos, puseram-lhe na cabeça e uma
cana na mão direita; e ajoelharam-se diante dele e zombaram dele,
dizendo: 'Salve, Rei dos Judeus!' E cuspiram nele, tomaram a cana e
feriram-no na cabeça. E depois que zombaram dele, tiraram o manto dele, e
colocaram suas próprias vestes sobre ele, e o levaram para
crucificá-lo” .
Estas
são as divindades a quem o deus cristão deve reparações teológicas aos
olhos do sistema educacional da Califórnia. As passagens em itálico das
escrituras cristãs foram intercaladas acima para que os leitores possam
julgar por si mesmos qual das duas religiões é mais bem caracterizada
por "colonialidade, desumanização e genocídio". Discuti apenas os três
deuses astecas mais proeminentes, mas o leitor inclinado a prosseguir
com sua própria pesquisa não encontrará em todo o panteão das divindades
mesoamericanas característica redimível.
O bem e a verdade não importam
Os
historiadores de tendências anticoloniais pensavam por muito tempo que
os conquistadores exageravam muito seus relatos sobre a crueldade asteca
para fins polêmicos. Já se sabe que não é assim: agora, existem amplas
evidências documentais e arqueológicas mostrando que os astecas eram tão
gratuitamente cruéis quanto os colonos espanhóis originalmente
relataram que eram.
A
pergunta que surge, então, é o motivo pelo qual uma conspiração de
engenheiros sociais na Califórnia deseja apresentar essas crenças
religiosas em uma luz positiva para as crianças americanas. Certamente
não é porque eles pensam que esses deuses e seus servos humanos eram
moralmente impressionantes. Alguns malucos na turma do QAnon podem
pensar assim, mas aqueles que possuem suas faculdades críticas em ordem
nunca aceitariam essa ideia.
Não,
a verdadeira razão pela qual os autores do Currículo de Estudos Étnicos
da Califórnia têm uma visão positiva da religião asteca e uma visão
negativa do Cristianismo é porque os deuses astecas perderam a batalha
das ortodoxias religiosas e o Novo Mundo e o Deus Cristão venceram.
Realmente é tão simples quanto isso.
Em
sua forma mais radical, a análise social e histórica de tendência
esquerdista começa com o axioma de que o poder coercitivo e violento é a
única variável nos arranjos sociais humanos. A vida é concebida como
uma competição de soma zero entre grupos. Todos os outros fatores que
podem ser considerados responsáveis pelas disparidades de sucesso
entre esses grupos - em termos de capital humano, condições materiais ou
ideias de governo - são vistos como facetas elaboradas que disfarçam a
simples luta pelo poder. Esse ponto de partida axiomático leva
inevitavelmente à conclusão de que a ordem social reinante alcançou seu
domínio oprimindo os grupos que foram marginalizados. É por isso que
palavras como “domínio”, “opressão” e “marginalização” se tornaram
lugares-comuns em nosso léxico político.
A
variação marxista clássica sobre esse tema é, obviamente, econômica: a
história diz que os capitalistas e a burguesia estabeleceram e
cimentaram o sistema econômico global atual oprimindo o proletariado.
Mas uma grande parte da esquerda pós-1960 complementou as categorias
econômicas de Marx com uma série de outras: raça, gênero, orientação
sexual, afiliação religiosa, nacionalidade e assim por diante. O grande
opressor não é mais apenas o capitalista, mas o capitalista masculino
heterossexual, branco, imperialista, europeu, cisgênero e cristão. Essa é
a inovação da interseccionalidade. Qualquer vantagem que as pessoas
pertencentes aos grupos dominantes tenham obtido sobre os grupos
marginalizados ao longo dos séculos é considerada o resultado de uma
ordem social fraudada. As vantagens - ou “privilégios” - de que gozam os
descendentes dos opressores históricos são apresentadas como ganhos
ilícitos.
Entendida
dentro dessa estrutura, a história dos astecas é simples. Eles eram um
povo nativo americano, não cristão, que foi conquistado pelos
imperialistas cristãos europeus. Sua derrota nas mãos da civilização
ocidental, que teve a temeridade e a maldade de durar tanto tempo
oprimindo os oprimidos da Terra, é suficiente para dotar suas práticas
religiosas de uma nobreza e uma virtude totalmente distintas de seu
conteúdo.
Para
os elementos mais extremos da esquerda, o simples fato de ser poderoso
ou bem-sucedido é incriminador. O simples fato de ser o oprimido
insurgente perdoa qualquer violência. A longa e vergonhosa gestão de
Noam Chomsky como útil idiota chefe do Khmer Vermelho no Camboja e sua
concomitante minimização dos campos de extermínio é apenas um exemplo
disso.
Outro
exemplo é a ideia comum de que os brancos não podem ser vítimas de
racismo. Como os brancos, de acordo com muitos da esquerda
interseccional, alcançaram poder hegemônico na sociedade por meio do uso
da violência, eles não podem ser considerados vítimas de racismo em
nenhum sentido, a menos e até que as pessoas de cor tenham exercido
violência suficiente para derrubar o opressor existente na ordem social.
Até esse ponto, que nunca é definido de forma concreta, uma pessoa
branca não pode ter queixa legítima contra uma pessoa de cor. Não é
permitido espaço para complexidade histórica ou atenção aos detalhes.
Quando
John Locke reuniu os elementos díspares do liberalismo clássico em uma
filosofia coerente, ele o fez não com o propósito de formar um governo,
mas para justificar a revolução. Derrubar, em vez de ordenar, é o
instinto político básico do liberalismo progressista, razão pela qual,
uma vez vencida a Guerra da Independência, os Pais Fundadores tiveram de
recorrer ao republicanismo clássico em busca de uma linguagem adequada
para estruturar uma constituição. As ramificações mais malucas do
progressismo, primo extremista do liberalismo, apenas levam este
espírito de revolução ao enésimo grau. Deuses do sacrifício de crianças
podem ser defendidos dentro dessa estrutura, desde que sejam deuses
insurgentes; contanto que eles sejam oprimidos pelo “Homem” - mesmo
quando o Homem é o próprio Jesus Cristo.
Os
primeiros cristãos eram da opinião de que os deuses pagãos não eram
necessariamente irreais; em vez disso, eles eram simplesmente demônios
que os seres humanos haviam sido enganados para adorar como divindades.
Isso parece estranho para nós, modernos, que desconfiamos do
sobrenatural. Mas as demandas particulares dos deuses astecas são, penso
eu, depravadas o suficiente para fazer até mesmo os mais céticos entre
nós considerar por um momento que pode existir mais do que males
materiais em ação entre nós. Quer se tenha uma visão metafísica ou
metafórica do assunto ou não, não se pode negar que nossa tendência
social de dar o benefício da dúvida às partes derrotadas, aos
insurgentes fracassados, desencadeou forças demoníacas no mundo.
Jogando
com essa tendência americana, o Hamas, o Hezbollah, o IRA e outros
grupos terroristas obtiveram apoio de ignorantes ou mal informados para
seus fins violentos ao longo dos anos. Os autores do novo currículo da
Califórnia estão agora explorando exatamente a mesma simpatia na área da
educação.
Em
muitos aspectos, seu currículo é muito parecido com o altar de pedra
que ficava no topo da Grande Pirâmide de Tenochtitlan. É o ápice de um
edifício ideológico que levou décadas, senão séculos, para construir. Os
valores que consagra não seriam tolerados sem este edifício, que lhe
confere legitimidade, autoridade e respeitabilidade. E, o mais
importante e terrível de tudo, muitos de nossos filhos serão
sacrificados por causa disso se concedermos ao culto que ele serve mais
respeito e tolerância do que merece.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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