POLITICA LIVRE
A despeito dos desafios educacionais de infraestrutura, inclusão e orçamento, o Ministério da Educação pode perder R$ 1,1 bilhão de recursos destinados a obras canceladas.
A CGU (Controladoria-Geral da União) identificou que o montante foi pago desde 2007 para 5.673 obras atualmente canceladas. A CGU vê risco de o dinheiro não voltar para União e ser perdido.
Essas obras representam 64% das obras contratadas sem execução (o restante está paralisada ou inacabada, mas pode ser retomada).
A pasta é o órgão federal com maior volume de construções abandonadas. Hoje, enquanto milhões de crianças e jovens estão fora da sala de aula ou em unidades precárias, há 8.904 obras federais abandonadas, entre creches, escolas, quadras e reformas.
O quadro é resultado de entraves acumulados nos governos Lula, Dilma (PT) e Temer (MDB), e a controladoria aponta deficiência do governo Jair Bolsonaro (sem partido) nos esforços para reaver o dinheiro e retomar obras.
Auditoria do órgão, do fim do ano passado, fala em ausência do MEC, liderado pelo ministro Milton Ribeiro.
“Não se verificam ações de supervisão do Ministério da Educação no que se refere aos problemas das obras inacabadas, canceladas e paralisadas da pasta, não obstante o conhecimento da precariedade das medidas adotadas pelo FNDE [Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação] e o alto risco de prejuízo à União pela ausência de ressarcimento de recursos”, diz relatório da CGU.
A Folha procurou por mais de duas semanas o MEC e o FNDE, órgão ligado à pasta responsável pelos repasses. Não obteve nenhuma resposta até a conclusão desta reportagem.
Os motivos para o cenário envolvem cancelamentos de despesas federais, falhas na execução de contratos e baixa capacidade de coordenação nacional.
Um dos casos de abandono é o do Colégio Estadual Mansões Odisseia, em Águas Lindas (GO), que deveria atender alunos do ensino médio. O local começou a ser erguido em 2014, no fim do segundo governo Lula, e hoje, com 64% da estrutura acabada, é ponto de uso de drogas.
Outra construção, que seria a escola de ensino fundamental Jardim América, no mesmo município, tem salas com crateras e o pátio, tomado por capim, virou pasto para cavalos.
As obras são vinculadas ao governo de Goiás. Em nota, a secretaria de Educação informou que assumiu os contratos e prevê nova licitação no 2º semestre para retomar as obras com recursos próprios.
A pasta afirma que, dos R$ 5,6 milhões recebido a obras canceladas, restituiu quase R$ 3 milhões.
Técnicos do FNDE disseram à Folha que é precário o controle do panorama de obras, de recursos e acerca de possíveis usos do dinheiro de obras canceladas para outros fins por parte de gestores locais. Segundo eles, a suspensão de despesas não executadas nos respectivos exercícios, os chamados restos a pagar, é o maior motivo para os cancelamentos. Isso ocorreu a partir de 2018.
Mesmo que o governo federal consiga o ressarcimento, o dinheiro não retorna para a Educação, e vai para o Tesouro. O Ministério da Economia não respondeu aos questionamentos.
A cidade de Fortaleza teve 109 obras canceladas. “A política local que mais sofreu impacto com essa ação foi a expansão da rede de educação infantil”, disse em nota a secretaria de Educação da capital cearense.
A prefeitura informou que, dos R$ 27 milhões recebidos para obras canceladas, 87% foram devolvidos à União.
A ideia do MEC era cancelar apenas obras não iniciadas, mas há 121 construções com esse status mesmo com alguma execução, segundo painel online do ministério.
Das 8.904 obras abandonadas, 744 estão paralisadas e 1.944, inacabadas. Houve redução no volume de obras paralisadas desde 2017, mas a quantidade de construções inacabadas saltou 80% no período. “Como causa é apontada a baixa efetividade da ação de retomada das obras inacabadas”, diz a CGU.
As obras inacabadas são aquelas interrompidas e com termo de compromisso vencido. Já as paralisadas têm termo vigente.
Do total de abandonadas, 70% estão vinculadas a municípios. O diretor da área de estudos técnicos da CNM (Confederação Nacional dos Municípios), Eduardo Stranz, diz que a burocracia com convênios e contratações, mudanças de mandatos municipais e também dificuldades para manter a oferta de educação infantil colaboram para o cenário.
“Muitas obras foram aprovadas sem cuidado e muito do dinheiro não foi repassado”, diz.
“O dinheiro só pode ser usado naquela obra, mas é muito comum que os gestores usem para outras coisas, e as consequências podem ser graves”, completa ele, sobre os recursos de obras canceladas, o que ocorre sobretudo em cidades pequenas.
O Brasil tem 6 milhões de crianças de até três anos fora das creches. A taxa de atendimento é de 37%, enquanto a meta do PNE (Plano Nacional de Educação) é chegar a 50% em 2024.
Folhapress
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