domingo, 31 de janeiro de 2021

Leia um artigo sobre a origem das religiões que é verdadeiramente arrebatador

 



Religião: conceito, tipos e as principais religiões - Toda Matéria

Ilustração reproduzida do Arquivo Google

Carlos Newton

O sempre atento Mário Assis Causanilhas, ex-secretário de Administração do Estado do Rio de Janeiro, nos envia um texto extraordinário sobre a origem das religiões. O autor é o jornalista Leonardo Pimentel, ex-editor-executivo da revista “Nossa História”, um intelectual ligado no passado, no presente e no futuro, autor de três livros sobre tecnologia. Atualmente, Pimentel é um dos editores do canalmeio.com.br, uma das melhores newletters da web.

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LUZ APÓS A MAIS LONGA NOITE
Leonardo Pimentel
(Canalmeio)

Na noite de 18 de dezembro de 2020, judeus de todo o mundo concluíram o Hanukkah, a festa das luzes. A partir do dia 24, bilhões de cristãos celebrarão o nascimento de Jesus. Na segunda-feira anterior, dia 21, religiões neopagãs (mesmo as que não se aceitam como “neo”) começaram a celebração de Yule no Hemisfério Norte. No Irã, a despeito da predominância do Islã, o Shab-e Yalda ainda homenageia o nascimento de Mitra. Na China, oficialmente ateia, o Dong Zhi continua a congregar celebrantes. E lista segue.

Como é possível que povos tão diferentes tenham celebrações de significados semelhantes no mesmo período do ano? A resposta está no que hoje chamamos de Astronomia. O solstício de Inverno, que acontece no dia 21 no Hemisfério Norte, enquanto aqui encaramos o solstício de Verão e o calor infernal que vem com ele.

Mas, afinal de contas, o que é o solstício de Inverno? Em seu movimento de translação, a volta completa em torno do Sol, a Terra não fica parada. Ela se inclina alternadamente, e daí vêm as estações do ano. O solstício de inverno é quando determinado polo está mais distante do Sol. É a noite mais longa do ano. Em certas partes, é uma noite que dura meses.

RELIGIÃO DA NATUREZA – Agora, esqueça por um instante os confortos da vida modera e imagine nossos ancestrais há, digamos, 50 mil anos. Vivendo em cavernas ou choupanas, dependiam do meio ambiente para sobreviver. Periodicamente, a caça escasseava, os animais migravam ou se recolhiam para hibernar; a neve cobria a terra e parecia matar a natureza. As noites se tornavam mais longas — e, não podemos esquecer, a noite é escura e cheia de horrores.

Com o advento da agricultura, as estações se tornaram ainda mais importantes. Monumentos astronômicos megalíticos como Stonehenge, na Inglaterra, marcavam a data, e celebrações pediam a volta do sol e da vida. Era a religião da natureza.

No best seller “Sapiens – Uma Breve História da Humanidade”, Yuval Noah Harari nos lembra que “a religião pode ser definida como um sistema de normas e valores humanos que se baseia na crença em uma ordem sobre-humana”.

CICLOS DE NATUREZA – A ordem sobre-humana são os ciclos da natureza, mas os valores humanos mudam conforme as civilizações se desenvolvem. Explicações mais complexas vão sendo criadas para esses ciclos. Para os gregos, o Inverno era a punição de Deméter pela filha Core se tornar Perséfone e viver no mundo inferior com o tio-marido Hades. Só quando esta lhe era devolvida por seis meses a deusa permitia ao mundo florescer.

À medida que as sociedades se urbanizavam, as raízes naturais de suas religiões iam se perdendo, suas datas sagradas e festividades eram ressignificadas, mantendo o simbolismo familiar aos fiéis, mas incorporando os panteões e a ideologia vigentes. Em Roma, uma civilização recente sem passado neolítico ou mitológico, o solstício se tornou a Saturnália, uma festa com influências tanto sobre o Natal quando o Carnaval como os conhecemos hoje.

Como a noite mais longa do ano marca, por conseguinte, o retorno da luz, o solstício de Inverno passou a ser associado ao nascimento de deuses solares, dos quais um merece destaque: Mitra.

O CULTO A MITRA – Originário da Índia, seu culto chegou ao Oriente Médio no segundo milênio a.C. e acabou incorporado ao mazdaísmo, a religião monoteísta persa da qual deriva boa parte da cosmogonia cristã. Paradoxalmente, Mitra foi adotado pelos militares romanos, inimigos dos persas. A partir do século I a.C., seu mito se associou ao do deus-sol Hélio e ao solstício de Inverno. Mitra nasce do choque de um raio com uma rocha no dia 25 de dezembro, mesma data em que os romanos comemoravam o Sol Invictus, o Sol Invencível.

E, como a data indica, chegamos ao rabi Yoshua ben Yosef, que, por má tradução dos gregos, chamamos de Jesus.

QUANDO JESUS NASCEU? – No livro O Primeiro Natal, os teólogos norte-americanos Marcus J. Borg e John Dominic Crossan analisam detalhadamente as versões da Natividade presente nos Evangelhos de Lucas e Mateus. Além de demonstrarem que as narrativas são radicalmente diferentes entre si, eles constatam que não há qualquer menção à data de nascimento de Jesus.

Os autores não têm dúvidas de que os evangelistas usaram, para narrar a Natividade, o mesmo recurso dos sermões de Jesus. Parábolas. A presença de pastores e seus rebanhos nos campos indica, com certeza, que não era Inverno.

Então de onde veio o 25 de dezembro? Clemente de Alexandria (150-215), um dos primeiros apologistas cristãos a tratar do nascimento de Jesus, não menciona essa data em especial – para ele, 20 de maio seria o dia mais provável. Somente nos séculos IV e V, conforme o cristianismo se torna a religião oficial do Império Romano, a data se consolida.

E A CONCEPÇÃO? – Apologistas como Agostinho tentavam negar que fosse simples apropriação do Sol Invictus, alegando que o nascimento correspondia a nove meses após a concepção de Jesus – embora esta também não tenha uma data estabelecida nos Evangelhos. Muitas comunidades cristãs até hoje celebram a Natividade no dia 6 de janeiro, o Dia de Reis dos católicos.

Conforme a conversão ao cristianismo se espalhava pela Europa, mais e mais elementos pagãos do solstício eram incorporados à narrativa e, principalmente, aos símbolos do Natal cristão. O que nos traz a mais uma celebração, o Yule ou Jól, a festividade do solstício de Inverno entre os povos germânicos.

Alguém já viu um pinheiro na Galileia? Um azevinho? Não. Essas árvores, que não perdem as folhas mesmo no auge do inverno europeu, eram símbolos da renovação nas religiões pagãs europeias. No Velho Mundo e mesmo nos ultracristãos Estados Unidos, as pessoas se referem ao fogo aceso em lareiras no fim do ano como a “tora de Yule”.

OITO DIAS DE LUZES – Um festival peculiar em torno do solstício é o Hanukkah judeu, a festa das luzes. Entre outras, por ser recente em termos históricos. Segundo a tradição judaica, após liderar uma revolta vitoriosa contra o rei da Síria em 164 a.C., Judas Macabeu retornou a Jerusalém para “limpar” o templo profanado.

Embora só houvesse óleo para manter a menorá (o candelabro sagrado) acesa por um dia, a chama brilhou por oito noites. A revolta é um fato histórico, mas o milagre em si se tornou uma tradição ao longo da diáspora, possivelmente assimilando elementos de festividades do solstício.

SÃO NICOLAU OU ODIN? – Mas não foi só na “parte séria” das festividades que o sincretismo do solstício se instalou. A inspiração de São Nicolau, generoso protetor das crianças, para o Papai Noel é conhecida. Mas de onde vêm as renas voadoras e o trenó, por exemplo? Nascido em Bari, na Itália, e morto em Mira, hoje Turquia, é pouco provável que o santo tenha visto um desses animais, mesmo do tipo comum, ao longo de seus 73 anos de vida.

Acontece que Nicolau não é a única fonte do Bom Velhinho. Tradições do Norte da Europa diziam que, no Yule, Odin cavalgava pelos céus em seu cavalo de oito patas. Crianças deixavam suas botas do lado de fora das casas com cenouras para o animal, ao que o deus retribuía com moedas.

No fim das contas, pouco importa, a não ser para fanáticos, que essas narrativas sejam literais. O fato é que a noite mais escura sempre ficará para trás. E, dentro de suas crenças, cada um celebrará a esperança na luz. Que já é algo a comemorar.

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