Nesta crônica, que era para ser diminuta, faço um torto e apressado elogio da mansidão. E, se ela não encontrar leitores, ficarei com raiva. A crônica de Paulo Polzonoff para a Gazeta:
Minha
crônica de hoje não tem humor nem dor de ouvido. Na verdade, ela se
resume a uma frase que nem de minha autoria é e que me apareceu de
súbito nas redes sociais. Foi o tradutor Pedro Sette-Câmara quem
escreveu, há um ano, as palavras que se seguem: “Existe há um tempo esse
estranho pressuposto de que se eu não conseguir contagiar você com a
raiva que sinto de X, então você está no mínimo mancomunado com X,
provavelmente é mau-caráter e, numa hipótese generosa, um completo
imbecil”.
Essas
palavras foram escritas em meio à onda de indignação por causa do
infame discurso nazista do ex-secretário de cultura Renato Alvim.
Sette-Câmara não compartilhava da mesma raiva que eu, por exemplo. E,
por expressar certa mansidão diante do episódio que culminou na demissão
e ostracismo de Alvim, foi acusado de estar mancomunado com X, de ser
mau-caráter ou, na melhor das hipóteses, um completo imbecil.
Elogio da mansidão
A
crônica era para ser só isso mesmo. Eu, que insisto em não nivelar o
leitor por baixo, apesar de aqui e ali reclamarem que uso palavras
difíceis, acredito que muitos já entenderam que vivemos uma epidemia de
raiva e que a menção ao “estranho pressuposto” de que fala Sette-Câmara
aponta para um improvável e contraintituivo elogio da mansidão. Que
alguns também conhecem como “a arte de engolir sapos”.
Em
condições normais, portanto, encerraria por aqui, deixando no ar essa
proposta de ver no homem que não compartilha da sua raiva
política/estética apenas alguém que, estranhamente ou não, está em paz.
Em paz com governo, com pandemia, com o mais recente escândalo
envolvendo alguma celebridade no BBB21. Com o rumo das coisas, qualquer
que seja ele e por mais apocalíptico que ele pareça. Com a vida. Uma paz
que, certamente, é transitória, frágil e foi conquistada com algum
sacrifício. Nem que seja o sacrifício de conter o inegavelmente
prazeroso impulso da raiva.
Mas
não adianta. Da mesma forma que precisamos encontrar culpados para
nossos infortúnios, desconfiamos daquele que não comunga da nossa raiva.
Como você pode não se indignar com a morte de pessoas por falta de
oxigênio?, me pergunta alguém evidentemente indignado – e não sem razão.
Minha resposta a esta e outras perguntas cheias de indignação, revolta
e... raiva é um silêncio que pode ser confundido com um dar de ombros.
Não é. Está mais para resignação.
E
uma certeza talvez ultraconservadora (sic) de que nenhum movimento
brusco e nenhuma violência retórica jamais será capaz de transformar
essa raiva em algo virtuoso. A pessoa que se define como antagonista,
isto é, como antiqualquercoisa e antitudoissoqueestáaí se define, veja
só, por aquilo que odeia, que rejeita, que não aceita, que não suporta.
Não sei você, mas essa não é a vida que quero para mim. Ao menos não
mais.
Nem que seja só por hoje
Desculpe pelo tamanho da crônica, mas precisei abrir mais este intertítulo para falar mais uma coisinha. Não vá embora ainda.
Não
que eu me veja assim como um ser iluminado, imune à raiva. Longe disso.
Sinto raiva sobretudo quando vejo pessoas cuja inteligência admiro
sucumbirem ao poder encantador da raiva comungada. Essa raiva que a
gente publica nas redes sociais à espera daquele like perverso. Aquele,
sabe? Sinto raiva ainda de quem dissemina a raiva e às vezes me pergunto
se fazem isso porque estão mancomunados com X, se são mau-caráter ou
se, na melhor das hipóteses, são completos imbecis.
Mas
daí, como que por milagre, vejo um desses homens e mulheres num eterno
ataque de fúria reclamando da dificuldade de pagar as contas – o que é
sinal de que ficou de fora do conluio, se é que conluio houve. Outro
publica uma foto expressando todo o amor do mundo para o filho – o que é
sinal de, no mínimo, um caráter promissor. E outro, aquele que eu
poderia apressadamente julgar um completo imbecil, bom, essa pessoa
viveu coisas que não vivi, leu coisas que não li, aprendeu coisas que
não aprendi – e talvez, só talvez, lhe tenha faltado proteína na
infância. Vai saber.
Se
essas pessoas, portanto, cedem aqui e ali à raiva política e estética, e
se às vezes essa raiva espirra sobre mim ou sobre as pessoas que amo, é
porque elas têm motivos outros que não o interesse financeiro, o
mau-caratismo ou a imbecilidade completa. Ou talvez talvez sejam esses
os motivos mesmo. Mas prefiro não ver para não sentir (muito menos
expressar) raiva e, assim, cultivar aqui, neste espaço, um pouquinho de
paz.
(Nem que seja só por hoje).
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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