domingo, 27 de dezembro de 2020

O risco de um segundo turno sangrento em 2022 é real

 



Basta pensar na recentíssima eleição americana: um ano atrás, Trump parecia ter um segundo mandato assegurado – e perdeu. Luciano Trigo para a Gazeta:


Na semana que passou foi divulgada mais uma pesquisa de intenção de voto para a eleição presidencial de 2022, realizada pelo PoderData entre 21 e 23 de dezembro. Vamos aos números.

À pergunta “Se a eleição fosse hoje, você votaria em qual candidato?”, as respostas foram:


Pesquisas recentes de outros institutos sinalizam mais ou menos o mesmo cenário, com pequenas variações. São números ótimos para o presidente, é claro, mas a história não termina aí.

A primeira conclusão é que Bolsonaro conta com uma base leal de eleitores que lhe assegura um ponto de partida confortável no primeiro turno. Pode-se atribuir a persistência de sua popularidade ao auxílio emergencial ou outro motivo qualquer, mas a verdade é que, não importa o que o presidente diga ou faça, aparentemente ele contará com o apoio leal de um terço do eleitorado. Aliás, o mesmo acontecia com Lula e o PT, que contavam com o apoio incondicional de um terço dos eleitores como ponto de partida em qualquer eleição.

Mas nem tudo são flores para Bolsonaro. Somados, os candidatos da esquerda (Haddad, Ciro, Boulos e Flavio Dino) têm 29% das intenções de voto no primeiro turno. Se Haddad (ou Ciro) passar para o segundo turno, é lícito supor que Haddad (ou Ciro) herdará 100% desses votos sem fazer qualquer esforço, por efeito de uma migração espontânea.

Por sua vez, os candidatos de centro (Huck, Moro, Doria, Amoedo e Mandetta) somam 23% das intenções de voto. É uma situação mais delicada que a do campo esquerdista, já que não é certo que, se um desses candidatos conseguir chegar ao segundo turno, herdará naturalmente os votos dos demais.

É difícil visualizar uma união das esquerdas já no primeiro turno em 2022 – até porque, depois do que passou com o PT na eleição de 2018, Ciro Gomes terá o direito de alegar: “Agora é a minha vez”. Por sua vez, o PT continuará sendo o PT, isto é, dificilmente abrirá mão da candidatura própria – ainda mas estando na frente nas pesquisas, entre os candidatos de esquerda, como acontece neste momento.

Considerando que a presença de Bolsonaro no segundo turno é mais do que provável, o risco de um segundo turno sangrento em 2022 é grande, contrapondo mais uma vez os polos do bolsonarismo e do lulopetismo (ainda que aglutinado em Ciro, em uma versão ciropetista). Quem entende a política como uma briga entre torcidas de futebol fanáticas pode até gostar dessa hipótese. Mas vale lembrar que, por mais que o Flamengo seja favorito em um Fla-Flu (e olha que eu sou Fluminense), é impossível prever o resultado de um jogo com 100% de segurança. Basta pensar na recentíssima eleição americana: um ano atrás, Trump parecia ter um segundo mandato assegurado – e perdeu.

Nesse contexto, o melhor caminho para quem coloca o bem do Brasil à frente de suas próprias paixões e fantasias – e para quem considera que qualquer coisa é melhor que a volta do lulopetismo ao poder – é torcer para o bloco do Centro se aglutinar em torno de um candidato capaz de empolgar um número de eleitores suficiente para chegar na frente de Haddad e Ciro no primeiro turno. Não será uma tarefa fácil.

A dobradinha já cogitada entre Sérgio Moro e Luciano Huck pode parecer atraente para aquela parcela do eleitorado que quer um governo mais “moderado”, capaz de apertar a tecla “pausa” no clima belicoso que divide e envenena a sociedade brasileira já há quase 20 anos – isto é, desde que o PT assumiu deliberadamente a estratégia maquiavélica de dividir a população ente “nós” e “eles” para se perpetuar no poder; para levar adiante a metáfora futebolística, transformaram a política em um Fla-Flu e agora estão sofrendo as consequências, com om ando de campo invertido.

Mas qual será o papel e o comportamento de Dória nesse processo? Por mais que frequente a mídia e atraia holofotes com polêmicas sobre a vacina, o governador de São Paulo não consegue decolar nas pesquisas nacionais. Cada vez mais, o PSDB parece ter como sina ser um partido vencedor no estado de São Paulo (o que não é pouco), mas incapaz de lançar uma candidatura empolgante a nível nacional.

Ao atacar Bolsonaro, Dória está, conscientemente ou não, fazendo o jogo da esquerda; na minha opinião, o governador de São Paulo deveria estar brigando com essa esquerda pela segunda vaga do segundo turno (já que a primeira, certamente, será de Bolsonaro). Em vez disso, desgasta-se medindo forças com o presidente, deixando em paz seu adversário direto por essa vaga. Não parece uma estratégia muito inteligente – aliás, essa estratégia já fracassou em 2018, quando Alckmin optou por medir forças com o então candidato Bolsonaro, em vez de confrontar o PT.

Por analogia, a escolha de Dória como alvo preferencial dos ataques da militância bolsonarista me parece igualmente equivocada. Enquanto os eleitores de direita concentram fogo no governador paulista, que tem hoje modestos 3% das intenções de voto para 2022, Fernando Haddad, Ciro Gomes e mesmo Guilherme Boulos trabalham tranquilamente nos bastidores, com o caminho livre para que um deles chegue ao segundo turno em 2022. Ninguém os incomoda.

Mais uma vez: no primeiro turno da eleição de 2018 aconteceu a mesma coisa: 99% dos eleitores de Bolsonaro com quem eu conversava afirmavam com toda convicção que o PT estava morto. Eu respondia: “Não está. O inimigo a ser combatido não é o picolé de chuchu, é Haddad”. Mas era inútil argumentar. Resultado: enquanto eles gastavam todo o seu tempo e energia batendo em candidatos como Geraldo Alckmin e até João Amoedo, Haddad comia pelas beiradas. E as urnas demonstraram que o PT não estava morto.

A vitória de Bolsonaro no segundo turno foi robusta, mas não foi uma campanha fácil, e há outro aspecto a destacar aqui. O resultado de um segundo turno pode ser determinado, evidentemente, pela recomposição dos votos dos candidatos derrotados. Em 2018, eleitores de Alckmin e Amoedo que poderiam ter votado em Bolsonaro no segundo turno não o fizeram por conta dos bate-bocas intermináveis com bolsonaristas nas redes sociais. Ninguém pode garantir que a margem de Bolsonaro em 2022 será novamente grande a ponto de poder dispensar esses votos no segundo turno. Ainda que esses eleitores não migrem para o candidato da esquerda, podem fazer falta para a reeleição do presidente.

A não ser, é claro, que a direita ache que Haddad (ou Ciro) é um candidato mais fácil de derrotar no segundo turno que Huck, Dória ou Moro – estratégia altamente arriscada, sobretudo se a economia não estiver apresentando indicadores positivos em 2022, ou se acontecer alguma outra tragédia inesperada (de novo, pensem na derrota de Trump para um candidato fraco e idoso como Biden).

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