Basta pensar na recentíssima eleição americana: um ano atrás, Trump parecia ter um segundo mandato assegurado – e perdeu. Luciano Trigo para a Gazeta:
Na
semana que passou foi divulgada mais uma pesquisa de intenção de voto
para a eleição presidencial de 2022, realizada pelo PoderData entre 21 e
23 de dezembro. Vamos aos números.
À pergunta “Se a eleição fosse hoje, você votaria em qual candidato?”, as respostas foram:
Pesquisas
recentes de outros institutos sinalizam mais ou menos o mesmo cenário,
com pequenas variações. São números ótimos para o presidente, é claro,
mas a história não termina aí.
A
primeira conclusão é que Bolsonaro conta com uma base leal de eleitores
que lhe assegura um ponto de partida confortável no primeiro turno.
Pode-se atribuir a persistência de sua popularidade ao auxílio
emergencial ou outro motivo qualquer, mas a verdade é que, não importa o
que o presidente diga ou faça, aparentemente ele contará com o apoio
leal de um terço do eleitorado. Aliás, o mesmo acontecia com Lula e o
PT, que contavam com o apoio incondicional de um terço dos eleitores
como ponto de partida em qualquer eleição.
Mas
nem tudo são flores para Bolsonaro. Somados, os candidatos da esquerda
(Haddad, Ciro, Boulos e Flavio Dino) têm 29% das intenções de voto no
primeiro turno. Se Haddad (ou Ciro) passar para o segundo turno, é
lícito supor que Haddad (ou Ciro) herdará 100% desses votos sem fazer
qualquer esforço, por efeito de uma migração espontânea.
Por
sua vez, os candidatos de centro (Huck, Moro, Doria, Amoedo e Mandetta)
somam 23% das intenções de voto. É uma situação mais delicada que a do
campo esquerdista, já que não é certo que, se um desses candidatos
conseguir chegar ao segundo turno, herdará naturalmente os votos dos
demais.
É
difícil visualizar uma união das esquerdas já no primeiro turno em 2022
– até porque, depois do que passou com o PT na eleição de 2018, Ciro
Gomes terá o direito de alegar: “Agora é a minha vez”. Por sua vez, o PT
continuará sendo o PT, isto é, dificilmente abrirá mão da candidatura
própria – ainda mas estando na frente nas pesquisas, entre os candidatos
de esquerda, como acontece neste momento.
Considerando
que a presença de Bolsonaro no segundo turno é mais do que provável, o
risco de um segundo turno sangrento em 2022 é grande, contrapondo mais
uma vez os polos do bolsonarismo e do lulopetismo (ainda que aglutinado
em Ciro, em uma versão ciropetista). Quem entende a política como uma
briga entre torcidas de futebol fanáticas pode até gostar dessa
hipótese. Mas vale lembrar que, por mais que o Flamengo seja favorito em
um Fla-Flu (e olha que eu sou Fluminense), é impossível prever o
resultado de um jogo com 100% de segurança. Basta pensar na recentíssima
eleição americana: um ano atrás, Trump parecia ter um segundo mandato
assegurado – e perdeu.
Nesse
contexto, o melhor caminho para quem coloca o bem do Brasil à frente de
suas próprias paixões e fantasias – e para quem considera que qualquer
coisa é melhor que a volta do lulopetismo ao poder – é torcer para o
bloco do Centro se aglutinar em torno de um candidato capaz de empolgar
um número de eleitores suficiente para chegar na frente de Haddad e
Ciro no primeiro turno. Não será uma tarefa fácil.
A
dobradinha já cogitada entre Sérgio Moro e Luciano Huck pode parecer
atraente para aquela parcela do eleitorado que quer um governo mais
“moderado”, capaz de apertar a tecla “pausa” no clima belicoso que
divide e envenena a sociedade brasileira já há quase 20 anos – isto é,
desde que o PT assumiu deliberadamente a estratégia maquiavélica de
dividir a população ente “nós” e “eles” para se perpetuar no poder; para
levar adiante a metáfora futebolística, transformaram a política em um
Fla-Flu e agora estão sofrendo as consequências, com om ando de campo
invertido.
Mas
qual será o papel e o comportamento de Dória nesse processo? Por mais
que frequente a mídia e atraia holofotes com polêmicas sobre a vacina, o
governador de São Paulo não consegue decolar nas pesquisas nacionais.
Cada vez mais, o PSDB parece ter como sina ser um partido vencedor no
estado de São Paulo (o que não é pouco), mas incapaz de lançar uma
candidatura empolgante a nível nacional.
Ao
atacar Bolsonaro, Dória está, conscientemente ou não, fazendo o jogo da
esquerda; na minha opinião, o governador de São Paulo deveria estar
brigando com essa esquerda pela segunda vaga do segundo turno (já que a
primeira, certamente, será de Bolsonaro). Em vez disso, desgasta-se
medindo forças com o presidente, deixando em paz seu adversário direto
por essa vaga. Não parece uma estratégia muito inteligente – aliás, essa
estratégia já fracassou em 2018, quando Alckmin optou por medir forças
com o então candidato Bolsonaro, em vez de confrontar o PT.
Por
analogia, a escolha de Dória como alvo preferencial dos ataques da
militância bolsonarista me parece igualmente equivocada. Enquanto os
eleitores de direita concentram fogo no governador paulista, que tem
hoje modestos 3% das intenções de voto para 2022, Fernando Haddad, Ciro
Gomes e mesmo Guilherme Boulos trabalham tranquilamente nos bastidores,
com o caminho livre para que um deles chegue ao segundo turno em 2022.
Ninguém os incomoda.
Mais
uma vez: no primeiro turno da eleição de 2018 aconteceu a mesma coisa:
99% dos eleitores de Bolsonaro com quem eu conversava afirmavam com toda
convicção que o PT estava morto. Eu respondia: “Não está. O inimigo a
ser combatido não é o picolé de chuchu, é Haddad”. Mas era inútil
argumentar. Resultado: enquanto eles gastavam todo o seu tempo e energia
batendo em candidatos como Geraldo Alckmin e até João Amoedo, Haddad
comia pelas beiradas. E as urnas demonstraram que o PT não estava morto.
A
vitória de Bolsonaro no segundo turno foi robusta, mas não foi uma
campanha fácil, e há outro aspecto a destacar aqui. O resultado de um
segundo turno pode ser determinado, evidentemente, pela recomposição dos
votos dos candidatos derrotados. Em 2018, eleitores de Alckmin e Amoedo
que poderiam ter votado em Bolsonaro no segundo turno não o fizeram por
conta dos bate-bocas intermináveis com bolsonaristas nas redes sociais.
Ninguém pode garantir que a margem de Bolsonaro em 2022 será novamente
grande a ponto de poder dispensar esses votos no segundo turno. Ainda
que esses eleitores não migrem para o candidato da esquerda, podem fazer
falta para a reeleição do presidente.
A
não ser, é claro, que a direita ache que Haddad (ou Ciro) é um
candidato mais fácil de derrotar no segundo turno que Huck, Dória ou
Moro – estratégia altamente arriscada, sobretudo se a economia não
estiver apresentando indicadores positivos em 2022, ou se acontecer
alguma outra tragédia inesperada (de novo, pensem na derrota de Trump
para um candidato fraco e idoso como Biden).
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