Com avanços espetaculares no campo de novos produtos médicos e farmacêuticos, a China ainda enfrenta problemas do passado em matéria de imunizantes. Vilma Gryzinski:
“A
história de propinas provocou preocupações entre investidores”. Com
esta frase, o Washington Post resumiu a parte indesejada do currículo da
Sinovac, a arrojada empresa que está à frente da vacina chinesa
dirigida a países de desenvolvimento médio como Brasil, Turquia e
Indonésia.
O
passado ficou maior diante da projeção mundial que a CoronaVac – o
melhor nome entre todas as vacinas para o novo vírus – ganhou.
A
ascensão da Sinovac, criada por Yin Weidong, seu presidente e CEO,
aconteceu “com a ajuda de projetos prioritários de Pequim e subornos a
funcionários envolvidos na área de vigilância sanitária e de aprovação
dos acordos de venda”, diz a reportagem do Post.
A
empresa cooperou com a investigação. Yin Weidong disse em seu
depoimento à Justiça que “não podia recusar pedidos de dinheiro feitos
por um funcionário da área de vigilância”.
O funcionário que recebeu as propinas para apressar as certificações entre 2002 e 2011 foi condenado a dez anos de prisão.
Obviamente,
não foi um caso único. “Pelo menos 20 funcionários do governo e
administradores hospitalares de cinco províncias admitiram na Justiça
terem recebido propinas da Sinovac entre 2008 e 2016”.
A
qualidade das vacinas em si não foi contestada, mas o histórico de
corrupção, somado à demora na divulgação dos resultados da CoronaVac,
cria um ambiente menos favorável.
“Alguns
especialistas médicos dizem que é justificado um escrutínio extra sobre
os produtos da Sinovac levando-se em conta seu histórico de
flexibilidade moral”, registrou o Post.
Não
é impossível que esta atitude encontre correspondentes na outra linha, a
de compradores igualmente flexíveis, mas Yin Weidong nunca foi acusado
de conduta imprópria.
O
novo coronavírus, nascido em Wuhan, criou oportunidades bem
aproveitadas por empreendedores do setor médico e farmacêutico fora e,
principalmente, dentro da China.
Da lista de 50 novos “bilionários do corona” feita pela revista Forbes, nada menos que 30 são chineses ou de Hong Kong.
O
mais destacado é Hu Kun, dono de uma fabricante de equipamentos médicos
como oxímetros, estetoscópios e outros, a Contec. Ele abriu o capital
da empresa em agosto e, desde então, as ações valorizaram 150%. A
fortuna de Hu foi calculada pela Forbes em 3,9 bilhões de dólares.
As
pesquisas e a produção de vacinas para controlar a pandemia – somadas
às jogadas geopolíticas do governo para projetar a China como
superpotência nesse campo também -, atraem para o país atenções nem
sempre desejadas.
Além
do caso de corrupção da Sinovac, outra gigante chinesa, a Kangtai
Biological Products, entrou na linha de frente por causa da parceria com
a AstraZeneca.
A
gigante farmacêutica que está produzindo a vacina desenvolvida por
pesquisadores de Oxford usa uma fábrica nova em folha da Kangtai.
A
empresa foi suspensa da lista de fornecedores do governo em 2013,
quando 17 recém-nascidos morreram depois de tomar vacina para hepatite
B.
Seu presidente, o milionário Du Weimin, chegou a ser chamado de “matador de bebês”.
A empresa acabou exonerada de responsabilidade e as mortes foram atribuídas a coincidência de fatores.
É
claro que deixaram um rastro de desconfiança entre consumidores
ressabiados. Segundo um levantamento feito por pesquisadores chineses,
antes do caso das mortes dos bebês, 85% consideravam as vacinas seguras.
O número caiu para 26,7% no auge da crise.
Com
17 milhões de novos chinesinhos por ano – para comparar, foram 2,8
milhões no Brasil em 2019 -, e campanhas governamentais de erradicação
de doenças infantis e combate aos vários tipos de gripes, fora os
enormes incentivos às pesquisas em todas as áreas científicas, a China
virou um território extremamente fértil para empresas de ponta na área
da biotecnologia.
Nenhuma
delas tem o método inovador de usar o mecanismo genético do RNA para
induzir o sistema imunológico a combater o novo vírus, como o das
vacinas da Pfizer e da Moderna.
É possível apostar com razoável grau de certeza que cientistas chineses estão acompanhando com toda atenção a concorrência.
Em
contrapartida, os produtos chineses também passaram a ser acompanhados
com mais atenção, o que aumenta os saudáveis mecanismos de controle.
É isso que vai acontecer com a “prestação de contas”, ainda que adiada, da CoronaVac.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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