Senhor presidente, reflita bastante ao escolher o novo ministro do STF. Muito diferente de alguém “terrivelmente evangélico” num Estado laico como o nosso, precisamos de um magistrado concursado (hoje só há dois no STF). Roberto Livianu para o Estadão:
Quem
lhe escreve é um brasileiro comum, alguém do povo, pouco importam meu
nome, cor, gênero ou preferência política. Receba esta carta como a
representação dos anseios de muitos brasileiros.
Numa
democracia, o voto da maioria determina a escolha do governante. Mas,
eleito, ele deve governar para todos, não apenas para quem o apoiou. Meu
primeiro apelo para o ano novo: governe para todos! As pessoas da
esquerda e do centro, que não são conservadoras como o senhor, merecem
respeito e atenção nas políticas públicas.
O
senhor tem legitimidade para governar, visando o bem comum, mas não
pode usar o poder visando o benefício pessoal seu ou de seus familiares.
Refiro-me a interferências na PF e ao recente escândalo da Abin – órgão
ligado a seu governo. Há graves indícios de ter a Abin servido a
interesses pessoais de um filho seu, acusado de graves crimes no Rio de
Janeiro. Muita atenção a isso!
O
ano de 2020 foi terrível para a História da humanidade e o único porto
seguro é a vacina gratuita e acessível a todas e todos. A preocupação é
tamanha, presidente, que, em pesquisa do Datafolha, saúde é a maior das
preocupações para 27% dos brasileiros, mais que o dobro da segunda, que é
desemprego, com 13%. Não diga “e daí?” para o desespero e a preocupação
dos brasileiros. Especialmente porque o senhor e a classe política têm
plano de saúde VIP, mas as camadas desfavorecidas dependem do SUS.
Observe,
presidente, que em quarto lugar na pesquisa aparece a corrupção, à
frente, por exemplo, da educação, da fome, da moradia, do saneamento
básico, da violência e da criminalidade, todos esses problemas
gravíssimos que o Brasil profundo enfrenta e atingem de forma brutal as
camadas menos favorecidas.
Portanto,
obviamente a corrupção não acabou, porque quando as pessoas a apontam
como um dos mais graves problemas a sentem viva por sua força de
aniquilamento das políticas públicas da saúde, educação e outras.
A
esse respeito, senhor presidente, sua MP 966 – que blindaria agentes
públicos por atos de corrupção durante a pandemia – foi um acontecimento
terrível. Gostaríamos que o senhor, de fato, respeitasse a Constituição
em 2021, evitando sobrecarregar o STF.
Depois
da MP 924, que dificultaria o acesso a informações do Ministério da
Saúde, veio o apagão dos dados sobre a pandemia, que tornou necessária a
formação de um consórcio de veículos de mídia – Estado, Folha, O Globo e
outros – para garantir o direito de todo cidadão ter informação. Isso
nos envergonhou perante o mundo, é inaceitável travar guerra contra a
transparência, imposta constitucionalmente.
A
morte brutal e covarde da juíza Viviane, a facadas, pelo ex-marido,
diante das três filhas pequenas, na véspera do Natal, no Rio, e o
assédio filmado do deputado Cury na Alesp contra sua colega Isa Penna
são exemplos do que as mulheres sofrem todos os dias num país de cultura
machista. Isso exige empenho efetivo em políticas públicas para elas
sejam respeitadas.
Acredito
que o senhor tenha clareza de que o conjunto da sociedade deseja a
aprovação da proposta em tramitação no Parlamento sobre a prisão após
condenação em segunda instância, como é em todo o mundo ocidental
democrático. Sem exclusões oportunistas de pessoas. Essa questão é vital
para enfrentar a impunidade e a corrupção, à qual o senhor prometeu dar
prioridade quando candidato. Esperamos que cumpra em 2021. E se empenhe
na aprovação da PEC que acaba com o foro privilegiado.
O
senhor hoje não tem partido e sabe que os partidos não se têm
comprometido com regras de integridade, como transparência, democracia
interna e outras. Seria fundamental seu empenho nesse sentido para
termos essa matéria regulada em lei, numa verdadeira reforma partidária.
Além de uma reforma política profunda, essencial para o avanço do País,
que inclua a punição de verdade ao caixa 2 eleitoral, hoje naturalizado
no Brasil.
O
Instituto Não Aceito Corrupção e outras organizações propuseram a
criação do dezembro transparente, objeto do PL 4685/2020, com a proposta
de dedicar o mês a atividades voltadas para integridade, transparência,
prevenção e combate à corrupção. Acho que a sociedade considera muito
mais importante o senhor se alinhar a proposições dessa natureza do que
apoiar retrocessos na interpretação da Lei da Ficha Limpa que possam
suavizar a punição dos fichas-sujas.
Senhor
presidente, reflita bastante ao escolher o novo ministro do STF. Muito
diferente de alguém “terrivelmente evangélico” num Estado laico como o
nosso, precisamos de um magistrado concursado (hoje só há dois no STF),
de saber jurídico de fato notável e reputação efetivamente ilibada,
insuspeita.
As
escolhas que surgem das indicações de padrinhos fora da meritocracia e
das listas democraticamente construídas, como foi a escolha de Augusto
Aras para a PGR, têm nos prejudicado terrivelmente. Senhor presidente,
esqueça as inaugurações de vitrines de trajes e comece 2021 fazendo da
saúde e educação as efetivas prioridades de Estado.
O Brasil agradece.
DOUTOR EM DIREITO PELA USP, PROCURADOR DE JUSTIÇA EM SÃO PAULO, IDEALIZOU E PRESIDE O INSTITUTO NÃO ACEITO CORRUPÇÃO
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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