Ao longo de mais de 200 textos, entre artigos e crônicas, retratei o trepidante e pandêmico ano de 2020. Via Gazeta, a crônica de Paulo Polzonoff Jr.:
O
ano começou com uma picuinha tão inhazinha que é até difícil pensar que
eu gastei tempo e vocabulário escrevendo sobre ela: o então ministro da
Educação, Abraham Weintraub, foi espinafrado pela esquerda
paulofreireana por ter escrito impressionante com “c” num tuíte. Logo
depois, a mesma esquerda paulofreireana que num passado nem tão remoto
assim repudiava todas as coisas que viam dos Estados Unidos celebrou a
indicação de “Democracia em Vertigem” ao Oscar.
Me
animei todo e pensei: “Este ano eu se consagrado”. Falei dos livros
mais vendidos, imaginei uma estatal brasileira de pesquisa na Internet, a
Googlebrás, ensinei história a uma professora de história e falei sobre
a política do ressentimento depois que o ex-secretário da cultura
Roberto Alvim gravou um vídeo bizarro com passagens tiradas de um
discurso nazista.
Aí
aconteceu ele: o coronavírus, rapidamente rebatizado de Covid-19. Assim
que as primeiras notícias sobre a doença apareceram nas agências
internacionais, surgiram também os primeiros elogios à forma como a
China tratava dos doentes e infectados: com totalitarismo. Não deu
outra. Escrevi, na sequência, um texto sobre o medo sendo usado como
instrumento político e, alguns dias mais tarde, identifiquei o Fetiche
da Peste por trás da Covid-19.
Mas
ainda estávamos em janeiro. A vida ainda era “normal”. No comecinho de
fevereiro, veio o Oscar e, bom, “Democracia em Vertigem” perdeu. Aí
choveu muito em São Paulo - como acontece todos os anos. E Paulo Guedes
falou algo sobre as empregadas domésticas que deixou todo mundo
indignado. Lembro-me como se fosse hoje de quando comecei a escrever um
texto sobre Simone Weil, sobre Suzi, o assassino transformado em vítima
da sociedade por Drauzio Varela e sobre os tiros disparados contra Cid
Gomes – e que, para mim, viriam para marcar o fim do que eu e o mundo
entendíamos por normalidade.
Monotema
Coronavírus,
coronavírus, coronavírus. A partir de março, a vida começou a ficar
monotemática. Tentei encontrar o lado bom do pânico envolvendo o
coronavírus - como se houvesse um. Tentei mostrar como o vírus foi
transformado em arma ideológica. Tentei dar esperança ao leitor. Tentei
fazer com que eles rissem. Mas era tarde demais. As pessoas já estavam
obcecadas pela pandemia e, todos os dias, no final da tarde, se sentavam
diante da TV para ouvir o então ministro da saúde, Luiz Henrique
Mandetta, dar uma coletiva de imprensa.
No
meio disso tudo, dei receita de morceguinho frito, li a autobiografia
de Woody Allen e até compus profecias de Nostradamus. Estamos em abril. A
esperança, nessa época, era de que a vida voltasse ao normal em agosto.
Eu não via a hora de voltar a falar de política ou qualquer outro
assunto menos chato do que a Covid-19. E minhas preces foram brevemente
atendidas quanto Sergio Moro pediu demissão do Ministério da Justiça e
as pessoas começaram a sair às janelas para protestar com o tradicional
batuque de panelas.
Entre
um e outro texto sobre pandemia, deu para falar de cultura. Deu para
falar sobre Ricky Gervais, por exemplo. E Millôr Fernandes. E Jerry
Seinfeld. Deu para falar até mesmo sobre basquete. E o negócio era
aproveitar para falar mesmo, porque logo em seguida veio o infame
inquérito secreto do STF e, bom, eu até queria fazer piada com isso, mas
não tenho dinheiro para pagar advogado.
Enquanto
a parte “obediente” do mundo se fechava em casa por causa da Covid-19,
antifas quebravam estátuas pelo mundo. Inclusive a de Winston Churchill,
acredita? Eles queriam apagar a história – mas acho que não deu muito
certo. De qualquer forma, me dispus a aprender mais sobre os antifas
“frequentando” um curso da Juventude Socialista. E, como aprender nunca é
demais, logo em seguida fiz um curso com Márcia Tiburi no qual aprendi
que sou um fascista incorrigível.
Santos e loucos
Aí
em junho o STF mandou prender pessoas por defenderem “pautas
antidemocráticas”. E lá fui eu me meter a defender gente como Oswaldo
Eustáquio. E não apenas uma, mas duas, três vezes! Enquanto isso, e sem
precisar de qualquer defesa, o queridinho da imprensa Hélio Schwartsman
dizia tranquilamente que desejava a morte do presidente. Me pergunta se
alguém o incomodou? Claro que não.
Por
essa época, brilhou a estrela de Felipe Neto, que gravou um vídeo cheio
de bobagens para o New York Times. Animadinhos com a Covid-19, os
esquerdistas saíram do armário. Houve até quem dissesse que a sociedade
brasileira tinha que perdoar o PT. Para piorar, meu amigo Leandro
Narloch foi "cancelado". E, bom, como não tenho estômago de avestruz, em
meio a isso tudo dei um jeito de publicar um poema de Bruno Tolentino,
sugerindo que tínhamos que ouvir mais os santos e menos os loucos.
Mas
acho que estava me enganando. Porque logo em seguida Átila Iamarino
apareceu com sua grita apocalíptica. Um desembargador foi achincalhado
por se recusar a usar máscara na praia. Pregava-se a existência de
ameaçadoras nuvens de gafanhoto - que obviamente não tiveram as
proporções bíblicas que alguns imaginavam. E até a CPMF falaram em
ressuscitar, o que ao menos rendeu um txto que adrei screver, mas qe
pocos entederam.
Aí
uma menina, por acaso frequentadora de baile funk, foi assassinada no
interior de São Paulo. Efeito colateral do que chamava há alguns meses
de “fascismo sanitário”. Estamos em agosto. Será que 2020 terá fim?
Pior: será que chegarei vivo até o fim dele? Teve Dia dos Pais com...
Thammy Miranda. E uma coisa não tem nada a ver com a outra, mas foi por
esses dias que começaram com esse papo de genocídio. Não dá nem para
acreditar, né, mas há pessoas que realmente preferem a escravidão à
liberdade.
Eu,
que não sou bobo bem nada, procurava coisas aleatórias para manter a
sanidade. Um dia, procurando a esmo no catálogo dos serviços de
streaming, me deparei com uma peça de teatro interativa – para mim, a
antevisão do inferno. Nela, contudo, descobri outros bons sentidos para a
vida. Como, por exemplo, fazer o leitor rir. Não à toa, por esses dias
surgiu um texto sobre a Escolinha do Professor Raimundo no STF.
Falei
ainda do caso Flordelis (no qual, com alguma ousadia, falei também de
Guimarães Rosa), de Cobra Kai, da mania da esquerda de querer convencer
por meio do xingamento. E daí fui dar uma opinião sobre a Lava Jato e
acabei irritando o leitor com meu “excesso de sutileza”. Desculpe. Como
“castigo”, sobrou para mim a tarefa de ler o Livro Vermelho de Mao. Foi
quando começaram as primeiras e boas notícias sobre a vacina contra a
Covid-19. Para minha surpresa, contudo, as pessoas, ainda em setembro,
rejeitavam a ideia de uma vacina. Não entendo mais nada – e quem dizer
que entende provavelmente estará mentindo.
Rapper
Aí
falei dessa péssima mania brasileira de idolatrar professor como se
eles fossem santos. Houve quem ficasse furioso comigo – e eu realmente
compreendo. Mas o texto estava engasgado, entende?Tentei explicar o
sucesso de Bolsonaro usando, para isso, o livro “O Mito do Eleitor
Racional”. E falei mais do que devia sobre o processo seletivo racial do
Magazine Luiza. Nesse período, a crônica que mais gostei de escrever
estava recheada de infames trocadilhos típicos de pet-shops. E saí para
miniférias.
Voltei
compondo rap! E contando a história de Kurt, fã de Zéfiro e figurante
de “De Volta para o Futuro”. E lembrando de meus cafés com Dalton
Trevisan. E questionando o que leva uma pessoa a queimar uma igreja. E
tentando entender o Papa Francisco. E emulando Cortázar num jogo rápido
de amarelinha (mas só para os leitores mais generosos). Quando dei por
mim, percebi que o ano estava chegando ao fim e declarei aberta a
temporada de textos sobre o Especial de Natal do Porta dos Fundos.
Aí
quem deu o ar da graça? Os anões morais adormecidos do Sleeping Giants.
Um homem foi morto por seguranças do Carrefour e, surpresa!, eu estava
lá, ou melhor, aqui para comentar. Morreu Maradona, idem. Teve
documentário com crianças trans, ibidem. “Bacurau” foi exibido na TV
aberta, tribidem.
Já
estamos em dezembro – meu mês preferido, por motivos óbvios. Ao
escrever sobre o filme de Leandro Hassum, lembrei que tinha de sair
correndo para comprar panetone e os presentes de Natal. E também um
autopresente de aniversário: um dia como trans não-binário. Meio a
contragosto e meio por masoquismo, assisti ao Especial de Natal do Porta
dos Fundos. E pus Greta Thunberg para enfrentar a natureza hostil em
“Largados e Pelados”. Realizei ainda o sonho de escrever um minifolhetim
contando os bastidores do amigo secreto do STF. E, já no finzinho do
ano, pus os artistas esquerdistas todos na Candelária para um showmício
em defesa de Oswaldo Eustáquio.
Nos
estertores do ano, pretendia me despedir com algum tipo de mensagem
otimista. Mas aí me dei conta de que, infelizmente, 2020 mostrou que
muita gente prefere a segurança falsa da escravidão às responsabilidades
da liberdade. Fui escrever sobre isso, mas o texto saiu amargo demais
para uma antevéspera de Ano Novo. Assim, dei por encerrado o ano, com a
esperança de que, em 2021, o ser humano abandone a arrogância de uma
ciência que está longe de ser onisciente e recupere ao menos o prazer de
respirar sem que o Estado o obrigue a usar um pedaço de pano na cara.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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