segunda-feira, 30 de novembro de 2020

O que o segundo turno em SP tem a ensinar à política brasileira

 



O cálculo político que motivou o comedimento de Covas e Boulos na campanha para o segundo turno em São Paulo deveria pautar políticos de todas as linhas ideológicas daqui para frente. Diogo Schelp para a Gazeta:


Encerrado o segundo turno das eleições das eleições municipais, é chegada a hora de olhar para trás e procurar entender em que medida as campanhas de 2020 avançaram em relação às disputas eleitorais anteriores. De maneira geral, se levarmos em conta as principais cidades do país e desconsiderarmos as exceções que confirmam a regra, percebe-se a determinação do eleitorado em evitar surpresas e aventuras, optando por candidatos conhecidos ou já testados em funções públicas de relevo.

Pode-se atribuir essa tendência à dupla crise, na saúde pública e na economia, causada pelo novo coronavírus. Diante de um cenário de incerteza extrema, os eleitores preferiram na maioria das vezes agarrar-se a algo que lhes passasse a sensação de segurança. O discurso da antipolítica, do populismo que se apresenta "contra tudo isso que está aí", não vingou em 2020 como em 2018.

Outros vícios do debate político verificados em outros pleitos, porém, não ficaram de fora em 2020. A disseminação de fake news, os ataques pessoais e difamatórios contra alguns candidatos ou candidatas, as teorias conspiratórias, o apelo a preconceitos e outras táticas desleais marcaram presença, em maior ou menor grau, em diversas cidades.

Amadurecimento político

O exemplo de São Paulo, porém, dá esperanças de amadurecimento político e pode servir de ensinamento para a política brasileira pelos próximos anos. Os paulistanos assistiram a uma disputa de segundo turno que, à parte tensões naturais e esperadas em qualquer embate eleitoral, foi marcada pela civilidade e pelo debate centrado em propostas ou em visões políticas — sem, no entanto, resvalar na polarização cega.

Na campanha para o primeiro turno, tive a oportunidade de entrevistar todos os candidatos à prefeitura de São Paulo (com exceção de Filipe Sabará, que havia sido expulso do Novo e que teve a candidatura indeferida pela Justiça Eleitoral um dia antes da sabatina que eu faria com ele). E, antes do segundo turno, ajudei a sabatinar duas vezes cada um dos dois candidatos que se enfrentaram na reta final: Bruno Covas (PSDB) e Guilherme Boulos (PSOL).

Pude presenciar, dessa forma, uma campanha que deveria servir de modelo para qualquer embate eleitoral no país. Não se trata de julgar ou comparar as propostas ou as ideologias de um ou de outro. Os paulistanos já deram esse veredito nas urnas. O ensinamento, aqui, está na maneira como Covas e Boulos conduziram as suas campanhas.

Eles não se furtaram a participar de debates e de se submeter ao escrutínio da imprensa em entrevistas e sabatinas. Exploraram os pontos sensíveis um do outro (o vice obscuro e enrolado de Covas; o histórico de radicalismo e a inexperiência administrativa de Boulos), mas não partiram para a baixaria. Não tentaram desqualificar o adversário, mesmo reforçando as próprias diferenças políticas e criticando as alianças que cada um fez para o segundo turno.

Por trás das câmaras, nos bastidores, Covas e Boulos protagonizaram cenas de cordialidade e respeito quando se encontraram pessoalmente em debates. Isso não diminui em nada a distância política entre eles. Bruno Covas e Guilherme Boulos representam projetos muito distintos para a capital paulista. Mas eles mostraram, com esse comportamento, que o embate político não é pessoal e não deve anular opiniões divergentes.

Cálculo político

Anestesiados que estamos por um contexto político em que, de um lado, o governante do país incentiva a polarização e age como se só governasse para sua base de apoiadores e, de outro, o líder do maior partido de esquerda chama o presidente de genocida e personalidades da centro-direita de criminosos fascistas, é um alento assistir a um enfrentamento sem histrionismo como o que aconteceu em São Paulo no segundo turno.

Bruno Covas, de 40 anos, e Guilherme Boulos, de 38 anos, são políticos jovens e que tentam construir uma carreira de longo prazo na esfera pública brasileira. Escutei de integrantes das campanhas de ambos que baixar o nível da disputa seria ruim para suas biografias políticas, colocando em risco planos futuros.

O cálculo político que motivou o comedimento de Covas e Boulos na campanha para o segundo turno em São Paulo deveria pautar políticos de todas as linhas ideológicas daqui para frente. Se os eleitores brasileiros premiarem com seus votos os candidatos que adotarem esse tipo de conduta, será um sinal do nosso amadurecimento político.
 
BLOG  ORLANDO  TAMBOSI

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