Numa análise rápida, conclui-se que cerca de 92,45% da nossa classe jornalística se baixa perante o PS e os aliados do PS com zelo idêntico ao do sr. Filipe. E numa análise demorada conclui-se o mesmo. A crônica semanal de Alberto Gonçalves para o Observador:
É
terrível sermos acusados de uma coisa que não cometemos. É quase tão
terrível sermos os únicos acusados de uma coisa que muitos cometem.
Sabem a sensação de injustiça quando, numa rua repleta de carros
acotovelados em cima do passeio, só o nosso tem o papel da multa no
pára-brisas? Deve ser o que sentiu o sr. Filipe Santos Costa ao ver-lhe
retirada a carteira de jornalista, pela Comissão responsável, devido a
ligações profissionais ao Partido Socialista.
Pelos
vistos, o infeliz sr. Filipe, que não conheço, comete há meses um
“podcast” para o “site” do PS, onde entrevista figuras do PS e é pago
pelo PS. Ouvi dez minutos do programa de estreia, em que
surpreendentemente o convidado foi António Costa, e achei piada: chamar
àquilo prestação de serviços é um eufemismo. Trata-se, prática e
involuntariamente, de uma rábula cómica, na qual o entrevistador finge
uma isenção que não tem e o entrevistado finge uma seriedade que não se
justifica. É o humor velhinho do “ainda bem que me faz essa pergunta”,
envelhecido para o “ainda bem que me fez essas perguntas todas”.
Propaganda pura, mofo puro.
Por
mais difícil que esteja a vida, é triste ver um jornalista descer a
semelhantes figuras. O que me parece inadmissível é ser apenas o sr.
Filipe a pagar por elas. Numa análise rápida, conclui-se que cerca de
92,45% da nossa classe jornalística se baixa perante o PS e os aliados
do PS com zelo idêntico ao do sr. Filipe. E numa análise demorada
conclui-se o mesmo. É, salvo seja, assistir aos “telejornais”, ou
espreitar quatro quintos da imprensa em papel, ou ouvir a TSF. Não sei
se a vassalagem dos jornalistas em causa é recompensada directamente e
mediante contrato, como no caso do sr. Filipe, ou se escorre
indirectamente através da “publicidade institucional” que o governo
plantou nas redacções, ou se é gratuita e dependente da boa vontade dos
próprios.
Sei
que a vassalagem é inegável e generalizada. Em que cantinho da
civilização escapariam sem escrutínio os brutais atropelos do PS e das
suas metástases à lei, à honestidade, à liberdade, ao bom senso e à
coerência? Para referir um exemplo recentíssimo, veja-se o pacto
açoriano com o Chega, que valeu ao dr. Rio acusações de “fascismo”,
levou meio mundo a anunciar o regresso do Terceiro Reich e, pela
primeira vez em milénios (leia-se desde que o PSD deixou de mandar lá) ,
convenceu o “Público” a denunciar a pobreza do arquipélago. A abordagem
ao dr. Ventura, que o dr. Costa precisava seduzir por causa do Novo
Banco, mereceu, se mereceu, um ou dois rodapés noticiosos – e nenhuma
coluna indignada.
Não
é um acaso: é uma linha de acção. A mesma linha que acata, reproduz e
legitima o desnorte face à Covid, as negociatas, as mentiras, a
promiscuidade, a incompetência, a dívida crescente, a miséria iminente. E
os privilégios. E a prepotência. Que espécie de “comunicação social”
(sic) guardaria um pingo de respeito pela senhora da DGS? E pela vasta
maioria dos ministros e secretários de Estado? E pelo dr. Costa? A nossa
“comunicação social”, que de tanto se curvar a esta pavorosa
mediocridade já terá arranjado umas hérnias valentes. O que não há
maneira de arranjar é vergonha na cara.
Há
meia dúzia de anos, não tropeçava uma criança na escola sem que os
noticiários, com honras de abertura, culpassem Pedro Passos Coelho.
Hoje, aconteça o que acontecer, ecoa uma reverência profunda aos
senhores que mandam. Literalmente, a que se deve a reverência? Apesar de
tudo, compreendo melhor um “jornalista” que ronrona ao PS a troco de
uns trocos do que aqueles que o fazem de borla. Eis um mistério, que me
intriga há muito e sinceramente gostava de ver esclarecido: existirão
jornalistas que se curvam de borla? Não estou a falar dos defendem o
emprego, ou dos que obedecem à voz do dono por reflexo. Estou a falar
dos que convictamente acreditam que o dono tem razão e que a função
deles é espalhar essa razão pelas massas. Estou a falar dos que acham de
facto que o bando do dr. Costa constitui uma bênção para o país. Estou a
falar dos que julgam, no fundo do fundo do coração, que o país está no
bom caminho.
Existem
“jornalistas” assim? Caso existam, convém ter pena deles, e talvez um
programa de apoio psiquiátrico. É que a prostituição é um ofício, a
idiotia é uma doença. Se qualquer subordinação ao poder é incompatível
com o jornalismo, a subordinação voluntária e desinteressada ao peculiar
poder vigente é incompatível com a saúde pública. Pelo menos o sr.
Filipe é saudável. Mas não é um jornalista. De resto, até lhe tiraram a
carteira, proeza estranha num contexto pouco democrático. Num contexto
democrático, boa parte da classe ficaria sem ela. E “classe”, aqui, é
força de expressão.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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