Com as vacinas chegando, surgem questionamentos sobre ordem de imunização e propostas menos óbvias sobre como deveria ser. Vilma Gryzinski:
Se
você tem acima de 60 anos e filhos adultos, dificilmente haveria
dúvida: sendo possível, cederia de bom grado seu lugar na fila de
vacinação a eles.
Extrapolar
para a população em geral é mais complicado. Seguindo a lógica
elementar, a maioria dos países já estabeleceu suas ordens de prioridade
começando com os grupos de risco: os mais idosos, cuidadores e
funcionários da área de saúde, portadores de patologias de risco e assim
vai, em ordem decrescente, até chegar aos mais jovens e, felizmente,
mais protegidos da doença e suas complicações.
Mas
outro tipo de lógica pode ser aplicado, visando sempre o princípio
ético de favorecer a maior quantidade possível de pessoas.
Foi
isso que fizeram pesquisadores da Universidade Khalifa, dos Emirados
Árabes Unidos. O estudo foi dirigido pelo espanhol Jorge Rodriguez e
divulgado pelo medRxiv, um site que publica estudos da área de saúde
antes do processo de revisão pelos pares.
Com
base em modelagem matemática desenvolvida pelos pesquisadores, o estudo
sustenta que vacinar primeiro trabalhadores dos setores essenciais e
adultos jovens seria a metodologia com resultados mais positivos.
“Nossos
resultados contradizem os planos de vacinação para a população geral e
recomendam uma ordem por idade quase contrária à que está sendo
proposta”, disse Rodríguez, engenheiro químico especializado em modelos
de processos biológicos, ao jornal El País.
“Nosso
modelo indica, de forma inequívoca, que a vacinação prioritária aos
grupos populacionais com maior interatividade poderia conseguir, num
país como a Espanha, enormes reduções nos óbitos totais em comparação
com a vacinação pelos critérios de alta mortalidade”.
Mais:
os autores sustentam que a priorização dos grupos com mortalidade maior
e interatividade reduzida produz “números significativamente maiores”
de óbitos.
Os
critérios éticos, por motivos óbvios, são de alta complexidade. Como os
testes com vacinas não incluem um número proporcional de idosos acima
de 65 anos (três quartos dos óbitos por Covid) e portadores de
patologias que os colocam nos grupos de maior risco de vida, não é
possível assegurar a eficácia e a segurança da vacina para estas
categorias.
Existe
ainda o caso específico dos pacientes com imunodepressão grave que não
podem ser vacinados – e dependem da “muralha protetora” fornecida pelos
já imunizados.
A
lógica da vacinação dos mais jovem está justamente nessa muralha: como
saem mais para trabalhar e frequentar lugares aglomerados como bares e
restaurantes, podem ser também os maiores transmissores.
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Vários
estudos recentes avaliam os lugares onde é mais provável ser infectado.
O CivicMeter entrevistou 27 epidemiologistas para fazer sua lista.
Em
ordem crescente, os 21 lugares mais vulneráveis são: reuniões ao ar
livre, hotéis, áreas ao ar livre de restaurantes, museus, banheiros
públicos, lojas e supermercados, locais fechados de trabalho, táxis ou
veículos por aplicativo, salões de beleza, transportes públicos,
escolas, hospitais, aviões, aeroportos, reuniões ao ar livre sem
distanciamento, academias, estádios de esportes, restaurantes fechados,
cinemas ou igrejas, e casas de repouso. Em primeiro lugar, empatados,
bares e prisões.
Ou seja, praticamente tudo o que se faz fora de casa.
Anthony
Fauci, o epidemiologista-estrela dos Estados Unidos, ressaltou
recentemente o perigo dos bares fechados: os frequentadores não usam
máscara e ficam muito próximos e o ar não circula.
“Também
estamos vendo muitos casos – não hipoteticamente, mas na realidade – em
que famílias e amigos se reúnem inocentemente e aquilo se transforma em
local de transmissão do vírus”, avisou.
Estudando
os contatos de pessoas que testaram positivo para o corona, a entidade
de saúde pública da Inglaterra incluiu no alto de sua lista os
supermercados.
Entre 128.808 pessoas, 18,3% tinham ido a um supermercado na fase contagiosa da doença.
Vacinar
primeiro os que circulam mais, os que trabalham em lugares mais
expostos ou os que sofrem mais sofrem complicações graves?
Dificilmente os mais jovens estarão no começo da fila, mas propor questões complicadas é obrigação da ciência.
E o maior experimento mundial de vacinação em massa, prestes a começar, ainda vai trazer novas – e complexas – questões.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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