Com poucas narrativas de identidade nacional, futebolistas tornam-se símbolos poderosos inclusive, ou principalmente, quando fracassam. Vilma Gryzinski:
Tendo nascido para a grandeza olímpica, o lugar reservado a apenas um punhado de escolhidos, Diego Maradona viveu uma vida bem menor do que era em campo.
Como
tantos outros, propulsionados da infância pobre para a celebridade
incomparável do futebol, Maradona não conseguiu coadunar o que era em
campo com o que deveria ser fora dele.
Um
pouco como as duas grandes nações do futebol, Argentina e Brasil, não
correspondem ao padrão que seus vastos territórios e grandes riquezas
fariam prever. Somos sempre gigantes patinando, erguendo-nos para
tropeçar em seguida, num ciclo que parece interminável.
Os
jogadores como metáfora dos países onde nasceram, e do qual se vão tão
cedo – “Vivemos muito tempo fora e sentimos saudade”, dizia El Diez –,
são um lugar comum quase irresistível. Inclusive pelo que carrega de
verdadeiro.
Como
a Argentina das crises ciclotímicas, Maradona caiu, caiu e caiu mais um
pouco. A cada vez que se levantou, retornou a um lugar um pouco menor
do que antes.
A Argentina é viciada em populismo e Maradona foi viciado em cocaína – duas substâncias poderososíssimas.
“A droga é como um Pac-Man que vai engolindo toda a sua família”, definiu ele.
Os
melodramas, as milongas, a malandragem, as cirurgias plásticas, as
dívidas com o fisco, o Che Guevara tatuado no braço, tudo em Maradona
encarnou a argentinidade popular – embora, obviamente, o pessoal do
country club, os refúgios da elite, o venerasse com a mesma paixão do
povão.
O
esportista que chega ao Olimpo e destrói a si mesmo não é uma
exclusividade argentina ou brasileira, mas nos diz mais justamente por
sermos países enormes, em grande parte feitos por imigrantes, com
buracos na narrativa nacional que o futebol ocupou e projetou de maneira
incomparável.
A ideia do jogador como um provedor de momentos de felicidade ao povão sofrido também é comum aos dois países.
“Se
morrer, quero voltar a nascer e quero ser jogador de futebol. E quero
voltar a ser Diego Armado Maradona. Sou um jogador que deu alegria ao
povo e isto me basta e sobra” dizia ele.
Mais recentemente, na última entrevista que deu, ao Clarín, Maradona se definiu assim:
“Fui
e sou muito feliz. O futebol me deu tudo o que tenho. E se não tivesse
tido esse vício, poderia jogar muito mais. Mas tudo isso é passado”.
O jornalista Julio Chiappetta, que publicou a entrevista, escreveu: “Morreu Diego Armando Maradona e o mundo já não é o mesmo”.
Definiu, praticamente, a essência da argentinidade.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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