domingo, 29 de novembro de 2020

Após vistas grossas à Covid, Covas e Boulos chegam ao dia da eleição desafiados pela pandemia

 

POLITICA LIVRE
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Eles até que tentaram. Não fosse pela presença das máscaras, quem acompanhasse os candidatos a prefeito pelas ruas de São Paulo nesta campanha no segundo turno não suspeitaria de que estamos no meio de uma pandemia que matou mais de 170 mil brasileiros.

Aglomerações pelo comércio, fotos com apoiadores, cerco de jornalistas, cafés com líderes aliados e representantes de entidades, tudo ao contrário do que recomenda a nova etiqueta da Covid-19.

Mas não teve jeito. O tema incômodo do coronavírus —explorado eleitoralmente pelos candidatos, mas tratado com vistas grossas a cada evento de campanha— se impôs nos últimos dias.

A histórica eleição da pandemia terminou com o diagnóstico positivo para a doença de um dos candidatos e provocou um baque na reta final, com o cancelamento do principal debate televisivo, o da TV Globo, na sexta-feira (27).

Bruno Covas (PSDB), 40, e Guilherme Boulos (PSOL), 38, chegam neste domingo (29) em condições diferentes do que imaginaram.

Covas, com o favoritismo aferido pelas primeiras pesquisas em xeque. Seu adversário aparece menos distante nas sondagens, e o clima de já ganhou foi perdendo força.

Boulos, isolado em casa pelo diagnóstico da doença, sequer verá sua foto na urna. A campanha perdeu ainda a principal aposta para se fazer conhecido e virar votos do tucano, o debate da Globo.

Embora ressaltassem a importância de se proteger contra a doença, fato é que nenhum dos dois aderiu ao “fica em casa”. Questionados pela imprensa, ambos argumentaram tentar seguir os protocolos, com máscaras e álcool em gel, mas admitiram a dificuldade de manter distanciados seus apoiadores.

É certo que as campanhas se voltaram para lives e redes sociais, mas, país afora, o que se viu foram candidatos que não conseguiram substituir a entrega do santinho olhando no olho do eleitor.

Até a vice de Boulos, Luiza Erundina (PSOL), 85, e a apoiadora de Covas, Marta Suplicy (sem partido), 75, foram às ruas em veículos adaptados no estilo papamóvel para acenar e discursar.

Desde o último dia 16, quando começou o segundo turno, Boulos teve 18 compromissos públicos, 33% na periferia: caminhadas, encontros com apoiadores, debates e entrevistas.

Até que, na segunda (23), foram diagnosticados com Covid-19 dois deputados do PSOL que estiveram com ele no dia 20, em evento para anunciar o apoio de sete partidos no segundo turno.

A campanha declarou que suspenderia compromissos nas ruas, mas o candidato continuou a circular. Participou de duas sabatinas presencialmente e se encontrou com comerciantes, servidores públicos e mulheres da periferia em locais fechados ou ao ar livre, com distanciamento e restrição de público.

Até que, na sexta, veio o resultado positivo do próprio Boulos —Covas lhe desejou saúde e pronta recuperação. No sábado (28), sua campanha fez quatro carreatas na periferia, sem ele, mas com Erundina em uma delas.

Do outro lado, Covas conta com uma suposta imunidade (que a ciência ainda não conseguiu entender quanto tempo duraria), por ter contraído a Covid-19 em junho.

E a agenda tucana, como no primeiro turno, foi a mais recheada —39 atividades, sendo 38% na periferia. Por outro lado, Covas limitou a agenda de prefeito a despachos internos com secretários.

O prefeito foi a quatro igrejas evangélicas (o adversário teve um encontro com evangélicos). No sábado, Covas programou visita a casa de cinco apoiadores na periferia.

O teste positivo de Boulos lhe deu oportunidade para fustigar Covas e seu padrinho político, o governador João Doria (PSDB), em relação à pandemia. O candidato do PSOL já vinha dizendo que os tucanos não davam importância à possibilidade de uma segunda onda da doença.

Boulos se beneficiou de rumores de que Doria e Covas voltariam a restringir o comércio logo após a eleição. Ele próprio evitou responder se tomaria tal medida uma vez eleito. Os candidatos, porém, concordam sobre não ser o momento de retomar as aulas.

Diante do aumento de internações nos últimos dias, médicos e especialistas passaram a pressionar Doria por uma quarentena mais rígida. O tucano marcou a revisão para segunda (30), um dia após o segundo turno, o que Boulos passou a qualificar como estranho. “Todos os indícios apontam uma possibilidade real de uma segunda onda”, disse o candidato do PSOL em live na sexta-feira.

Covas, por sua vez, repetiu a cada dia do segundo turno que as estatísticas da cidade não indicavam segunda onda. Condenou, no dia 23, “qualquer tipo de fake news de que há uma segunda onda sendo escondida pela prefeitura”.

Mas a pandemia não foi o principal tema de embate. As polêmicas que marcaram o segundo turno tiveram relação com o candidato a vice de Covas, Ricardo Nunes (MDB), e com a proposta de Boulos de reverter convênios de serviços, como as creches.

Enquanto Boulos explorou as acusações contra Nunes, Covas questionou o candidato do PSOL sobre rompimento de contratos e prejuízo à educação infantil.

Considerando o histórico tucano de abandonar a prefeitura para se candidatar a outro cargo, como fez Doria e como Covas prometeu que não fará, a reputação do vice, desconhecido de boa parte da população, causou estrago.

Nunes é ainda o símbolo das alianças de Covas e Doria, outra munição da campanha do PSOL. Ele foi escolhido por influência do governador —escondido pelo prefeito na campanha porque 61% não votariam em candidato recomendado por Doria.

A coligação de 11 partidos, que serve ao propósito de uma eventual campanha presidencial de Doria em 2022, ganhou o apoio do bolsonarista Celso Russomanno (Republicanos) e de outros postulantes de direita, reforçando o elo entre Covas e Jair Bolsonaro —que a campanha do PSOL explora.

Boulos também construiu uma frente de apoio, só que com partidos de esquerda, outro ensaio para 2022. É alvejado pela campanha tucana pela adesão de Lula e do PT.

Covas e aliados fustigam Boulos ao salientar sua inexperiência em cargos públicos e seus laços com a esquerda e movimentos sociais. O tucano associou o adversário ao radicalismo em diversas ocasiões.

Para não ser acusado de subir o tom, porém, se fez de desentendido. Questionado pela Folha se Boulos era radical, depois de dizer que “a esperança vai vencer os radicais”, respondeu: “Você que está falando.”

O movimento de ataque e recuo também foi utilizado por Boulos, que ora acusou o adversário de agir como o gabinete do ódio, ora afirmou que ele não tem perfil extremista.

Boulos tem respondido que não é radical protestar para que cada pessoa tenha um teto. Já Covas faz questão de levantar seus pontos de discordância de Bolsonaro e dizer que votou nulo em 2018.

Apesar da retórica de campanha que os divide, Covas e Boulos têm perfil semelhante e agenda coincidente em temas progressistas como combate ao racismo, igualdade para as mulheres e renda básica —proposta que o prefeito poderia ter implementado antes, mas só o fez na eleição.

Separados entre esquerda e direita, Covas e Boulos são da mesma geração e compõem o segundo turno mais jovem de São Paulo desde a redemocratização. Ambos têm origem na elite paulistana. O prefeito é neto de Mario Covas (PSDB) e deixou a cidade natal, Santos (SP), na adolescência para viver com o avô na capital e estudar no tradicional Colégio Bandeirantes.

Depois fez faculdades de alto padrão, direito no Largo São Francisco, da USP, e economia na PUC. Filiado ao PSDB desde 1997, foi deputado estadual, secretário estadual, deputado federal, vice-prefeito e prefeito de São Paulo.

Filho de renomados médicos infectologistas, Boulos também estudou em colégio particular, o Equipe, mas decidiu cursar os dois últimos anos do ensino médio em escola pública. Sua militância o levou a morar na periferia, no Campo Limpo, zona sul.

Também estudou na USP, onde cursou filosofia e fez mestrado em psiquiatria, e na PUC, onde se especializou em psicologia. Líder do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto), atua no movimento social há quase 20 anos, disputou a Presidência pelo PSOL em 2018 (teve 0,58% dos votos).

Com acenos à esquerda em sua gestão, o prefeito é mais identificado com a velha guarda social-democrata do PSDB, representada por Fernando Henrique Cardoso, do que pela guinada liberal de Doria, embora sua trajetória política esteja amarrada ao governador.

O candidato do PSOL também fez gestos ao outro lado, abrindo conversas com empresários e afirmando que terá responsabilidade fiscal.

Os dois coincidem ainda no rechaço à onda antipolítica e de fake news que marcou a eleição de 2018. Chegaram a trocar elogios e fazer debates focados em propostas. As alfinetadas foram, sim, frequentes, mas baseadas em plano de governo, gestão, experiência.

Boulos diz ver Covas como uma pessoa razoável, que não tem um perfil extremista. Covas afirma que Boulos é adversário, não inimigo. Chegou a lhe pedir desculpa pelo ataque de um aliado.

“Eu não tenho nada contra o Covas como pessoa. Inclusive tenho admiração pela maneira como enfrenta as dificuldades pessoais que tem passado. Tenho uma relação do ponto de vista pessoal cordial com ele”, disse o candidato do PSOL.

“Não quero mal a ele, não quero nenhum problema pessoal. As pessoas têm que perceber que, na democracia, a gente tem que respeitar quem pensa diferente”, disse o tucano.

As duas equipes entenderam que quem grita perde —o negacionismo e a agressividade de candidatos bolsonaristas foram derrotados. A fórmula do sucesso, que fez Covas liderar toda a campanha e que foi adotada por Boulos, é a de minimizar ataques, pregar racionalidade, civilidade, moderação e diálogo, além de resgatar a democracia.

Entre aliados e militantes, porém, houve vale-tudo. Memes de que Dilma Rousseff será secretária de Boulos, exageros em relação às acusações a Nunes, foto de Covas com Bolsonaro, foto de Boulos em meio a chamas.

Num segundo turno de apenas duas semanas, inovação da pandemia, o clima esquentou conforme pesquisas mostraram a vantagem de Covas ir de 58% a 42% para 55% a 45%.

Dois secretários do prefeito divulgaram áudios, inclusive a servidores, negativos sobre Boulos. O candidato do PSOL levantou suspeitas de uso da máquina e distribuição de cestas básicas pela prefeitura. Do outro lado, Covas falou em ação para destruir a reputação de seu vice.

Boulos e Covas reagiram com o mesmo termo a ataques, acusando a campanha adversária de “desespero”.

Favorito entre os jovens, com atuação digital forte e jingles marcantes, Boulos tem o desafio de conquistar a periferia, onde Covas predomina. O prefeito, mais bem votado entre os mais velhos, tem a abstenção como obstáculo.

Quem chegar lá terá que enfrentar a pandemia que, bem ou mal, trouxe cada um até aqui.

Folha de S.Paulo

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