Modo de enfrentar o ressurgimento do vírus provoca dissidências profundas no governo britânico e até ameaças veladas ao primeiro-ministro. Vilma Gryzinski:
Deputados
do governo em guerra com o governo podem ser uma coisa natural no
Brasil, mas no Reino Unido causam espanto e tremores políticos.
Como
o regime é parlamentarista, se a dissidência se espalha é possível até
que o líder, e primeiro-ministro, tenha sua carreira abreviada: os
deputados do partido no governo formam uma maioria suficiente para
colocar outro no lugar mais importante.
Se aconteceu com Margaret Thatcher, imaginem com Boris Johnson.
Muitos
deputados do Partido Conservador dizem que não reconhecem o
efervescente e otimista primeiro-ministro, eleito para executar a
vontade do povo de consumar o Brexit, na figura melancólica e hesitante
que agora tenta controlar a segunda onda da epidemia com medidas bem
distantes de ter apoio total.
O
maior pesadelo dos parlamentares conservadores é que medidas altamente
discutíveis como a “regra de seis”, sobre o número máximo de pessoas que
podem se reunir em casa, continuem até o Natal. Ou, pior ainda, sejam
substituídas por outras mais rígidas.
Impedir as famílias de se reunir para celebrar o Natal parece impensável, hoje. Amanhã, sempre a situação pode ficar pior.
Com
o sigilo protegido, alguns parlamentares insinuam que as patetices de
Johnson podem nem durar até o Natal se os rebeldes conseguirem votos
suficientes pode lhe dar o bilhete azul.
Cerca
de 50 deles já prometeram apoiar um projeto que leva a votação os
poderes emergenciais dados ao governo para administrar a crise do vírus.
É pouco, mas a revolta tem muito espaço para crescer.
O
mais eloquente dos “rebeldes”, Desmond Swayne, fez um discurso
engraçado dizendo que Boris Johnson parece ter sido “sequestrado” pelo
Doutor Strange Glove – uma paródia com o personagem do filme de Stanley
Kubrick – e “reprogramado” pelo círculo de cientistas que assessoram o
governo.
Outra
possibilidade de estragar o Natal das famílias é manter o isolamento
dos estudantes universitários que iniciaram o ano letivo somente agora,
mas, em muitas faculdades, já foram imediatamente isolados em seus
dormitórios.
Se os contágios prosseguirem, como é perfeitamente possível, o dominó dos isolamentos pode se arrastar até o fim do ano.
A
universidade mais afetada pelos novos contágios – previsíveis,
considerando-se que faculdade por princípios são aglomeradas – fica em
Manchester, entre outras cidades do norte da Inglaterra e da Escócia
mais afetadas pela segunda onda.
“Mandem
comida”, escreveram estudantes trancafiados nos vidros das janelas dos
dormitórios. Outro, mais piadista, apelou: “Mandem nudes, erva e
comida”.
Como
aconteceu nos primeiros meses da epidemia no Brasil, as grandes forças
em choque são a necessidade de isolar a população para diminuir as
vítimas da Covid-19 e a obrigatoriedade de tirar a economia da UTI para
que o remédio não mate o doente.
À
medida em que “tamanho” da epidemia ficou claro – é grande e doloroso,
mas não catastrófico -, diminuiu o apoio às medidas mais drásticas, como
o isolamento de toda a população e a manutenção apenas das atividades
de primeira necessidade.
Na
Espanha, a discussão é mais complicada no momento porque envolve a
coalizão no poder, que é de esquerda, e o governo da comunidade autônoma
de Madri, de direita.
A
comunidade equivale a um estado. Sua governadora – chamada de
presidente -, Isabel Díaz Ayuso, que evitar de qualquer maneira o
confinamento de toda a capital, onde os novos focos são maiores.
Também
é quase obrigatório contornar uma intervenção pura e dura do governo
central, com um grave potencial de complicadores, inclusive
constitucionais.
Na
França, a rivalidade é entre cidades. Existe um clima de revolta em
Marselha por ter sido colocada em confinamento, obviamente por causa do
número maior de novos contágios, enquanto Paris continua com restrições
menos abrangentes, por enquanto.
O
governo Macron está tentando a fórmula das duas semanas: fechamento
total, inclusive de bares e restaurantes, durante quinze dias. Há
motivos de sobra para suspeitar que os quinze dias se prolonguem.
E,
claro, a epidemia vai ser um dos grandes assuntos no debate de hoje
entre Donald Trump e Joe Biden, este tentando colocar nas costas daquele
o peso das 210 mil mortes já contabilizadas no país.
O vírus é novo, com apenas dez meses de vida conhecida, mas as disputas políticas que desencadeou são as de sempre.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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