domingo, 27 de setembro de 2020

Negros tiveram menos de 30% de vagas e verbas na última disputa às prefeituras

 POLITICA LIVRE


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A confirmação da obrigatoriedade de distribuição equânime de verbas e espaço de propaganda a candidatos negros e brancos pode representar uma importante mudança na estrutura das campanhas no Brasil.

Dados das últimas eleições municipais compilados pelo DeltaFolha mostram que, apesar de serem maioria na população (56%), pretos e pardos foram relegados a segundo plano da distribuição das vagas e das verbas de campanha em 2016, salvo algumas exceções.

Isso se traduziu, abertas as urnas, em um desempenho pior do que o de brancos, proporcionalmente.

Na principal disputa, a de prefeituras, pretos e pardos tiveram apenas 29% das vagas e 24% do dinheiro público distribuído pelos partidos aos candidatos —que foi a verba do fundo partidário. O fundo eleitoral só foi criado no ano seguinte, em 2017.

Em relação aos candidatos a vereador, as vagas foram proporcionalmente mais bem divididas, mas o dinheiro continuou, na maior parte, nas mãos dos brancos, que tiveram, em média, 10% a mais do que candidatos pardos e 58% a mais do que pretos.

Assim como no recenseamento da população feito pelo IBGE, desde 2014 os candidatos devem declarar a cor ou raça com base em cinco identificações: preta, parda, branca, amarela ou indígena.

O TSE (Tribunal Superior Eleitoral) havia decidido que a partir das eleições de 2022 toda a verba pública das campanhas e o espaço na propaganda eleitoral deveriam ser distribuídos, pelos partidos, proporcionalmente aos candidatos brancos e negros que fossem lançar.

Em resposta a uma ação do PSOL, porém, o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Ricardo Lewandowski concedeu liminar (decisão provisória) antecipando a medida já para as eleições de prefeitos e vereadores de novembro deste ano. O plenário do STF deve decidir o tema de forma definitiva nos próximos dias, com tendência de confirmação da liminar de Lewandowski.

A medida abriu uma divergência dentro das próprias siglas. Enquanto os núcleos afros a apoiam e pedem regras até mais rígidas para evitar frades e burla, os dirigentes partidários, majoritariamente brancos, afirmam que a implantação da decisão em novembro é inexequível.

Os dados das últimas eleições municipais mostram que, mesmo que a decisão seja confirmada, persiste o risco de boa parte dos candidatos negros continuarem discriminados.

Isso pode ocorrer caso os partidos repitam a tendência de concentrar o dinheiro nas mãos de poucos candidatos negros, já que a cota definida é de volume de recursos, não de número de candidatos, e não há, por enquanto, regra que obrigue a uma distribuição equânime da cota dos negros entre todos os candidatos dessa cor.

Há quatro anos, por exemplo, os dez candidatos a prefeito autodeclarados pretos que mais recursos públicos receberam dos seus partidos concentraram 74% de toda a verba destinada aos 120 candidatos a prefeito autodeclarados pretos em todo o país. O campeão foi João Paulo (PT), no Recife, com R$ 2 milhões. Ele não foi eleito.

Uma possível burla pode ocorrer devido à autodeclaração. Ao menos 21 mil candidatos de todo o país que disputarão as eleições deste ano mudaram a declaração de cor e raça que deram em 2016, conforme registros disponibilizados até a quinta-feira (24) pela Justiça Eleitoral.

A maior parte das mudanças —36% do total— foi da cor branca para parda. O movimento contrário vem na sequência, com 30% das alterações de pardo para branco.

Apesar da possibilidade de fraude, especialistas falam também no impacto do aumento de pessoas que se reconhecem como pretas e pardas após ações de combate ao racismo.

Até o final da tarde de sexta, os pedidos de registro de candidatura apresentados à Justiça Eleitoral (426 mil) apontavam a possibilidade de pela primeira vez pretos e pardos autodeclarados superarem os brancos como candidatos. Havia 48,5% de brancos, 38,9% de pardos e 10,2% de pretos (total de 49,1% de negros). Em 2016 os brancos foram 51,5% dos candidatos contra 47,8% dos negros.

Também havia indicação de que o número de mulheres teve uma leve alta e pode ser proporcionalmente recorde, pelo menos em relação às três últimas eleições. Havia 33,1%. Em 2014, 2016 e 2018 esse percentual não passou de 31,9%.

Há uma cota de pelo menos 30% para candidaturas de mulheres desde os anos 1990. Em 2018, os tribunais superiores decidiram que o dinheiro público das campanhas para as mulheres também devia seguir essa proporcionalidade.

Partidos lançaram candidaturas de laranjas com o intuito de simular o cumprimento da norma, desviando o dinheiro que deveria ser destinado a elas para outros candidatos —o que ocorreu, em especial, no PSL, partido pelo qual foi eleito o presidente Jair Bolsonaro.

Estudos e análises apontam a relação entre o dinheiro investido na campanha e o sucesso eleitoral de cada candidato.

Alguns se debruçaram especificamente sobre as candidaturas negras e a tentativa de explicação da baixa presença em postos de comando.

Diante da melhor performance de candidatos brancos em relação a candidatos negros, eles apontam que, embora não seja a causa única, o menor acesso aos recursos de campanha é um fator de desequilíbrio.

No estudo “O que afasta pretos e pardos da representação política?”, que analisou as eleições legislativas de 2014, os professores Luiz Augusto Campos e Carlos Machado apontam uma série de fatores, entre eles a tendência de partidos maiores e mais competitivos recrutarem menos negros.

Afirmam também que mesmo quando é excluída a diferenciação por origem de classe, “candidatos não brancos permanecem tendo um menor acesso a financiamentos mais volumosos”.

Em outro estudo focado no financiamento empresarial de 2014, Wagner Pralon Mancuso, Rodrigo Rossi Horochovski e Neilor Fermino Camargo afirmam: “Nas eleições de 2014 para a Câmara dos Deputados, as doações empresariais diretas [proibidas a partir de 2015] privilegiaram candidatos com o perfil predominante na política brasileira: homens brancos já integrados à elite política nacional, com elevado grau de instrução e pertencentes a organizações partidárias mais estruturadas”.

Também pesquisadora do tema, Anne Alencar Monteiro escreveu no artigo “Os grupos raciais nas eleições de 2014: desafio à representação na democracia” que “o racismo acaba sendo institucionalizado pelo sistema político brasileiro, o qual não garante uma disputa igualitária entre candidatos”.

Trata-se de uma referência ao privilégio dado a brancos em detrimento de negros pelo financiamento empresarial das campanhas, discrepância que não se encerrou com a proibição desse modelo em 2015.

Folhapress

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