segunda-feira, 31 de agosto de 2020

Lewandowski continua tinindo nos cascos


O afilhado de Lula tenta perpetuar a impunidade do padrinho. Augusto Nunes:

Às nove e meia da noite de 28 de agosto de 2007, o ministro Ricardo Lewandowski chegou ao restaurante em Brasília ansioso por comentar com alguém de confiança a sessão do Supremo Tribunal Federal que tratara da denúncia do procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza. Por ampla maioria, a Corte endossara o parecer do relator Joaquim Barbosa e decidira processar os 40 acusados de envolvimento no escândalo do Mensalão. Impaciente, deixou a acompanhante na mesa, foi para o jardim na parte externa, sacou o celular do bolso do terno e, sem perceber que havia uma repórter da Folha por perto, ligou para um certo Marcelo.

Como não parou de caminhar enquanto falava, a jornalista não ouviu tudo o que disse na conversa de 10 minutos. Mas qualquer das frases que anotou valia manchete. "A tendência era amaciar para o Dirceu", revelou de saída o ministro, que atribuiu o recuo dos colegas a pressões geradas pelo noticiário jornalístico. "A imprensa acuou o Supremo", queixou-se. "Todo mundo votou com a faca no pescoço".
Todo mundo menos ele: o risco de afrontar a opinião pública não o impediu de amaciar para José Dirceu, acusado de comandar a organização criminosa. Só Lewandowski — contrariando o parecer de Joaquim Barbosa, a denúncia do procurador-geral e a catarata de evidências — discordou do enquadramento do ex-chefe da Casa Civil por formação de quadrilha. "Não ficou suficientemente comprovada a acusação", alegou. Invocou o mesmo pretexto na tentativa de resgatar também José Genoíno. Ninguém divergiu tantas vezes do voto de Joaquim Barbosa: 12. Foi até pouco, gabou-se na conversa com Marcelo: "Tenha certeza disso. Eu estava tinindo nos cascos".

Ele está tinindo nos cascos desde 16 de março de 2006, quando chegou ao STF 26 dias antes da denúncia do procurador-geral. Primeiro ministro nomeado por Lula depois da descoberta do Mensalão, Lewandowski ainda não aprendera a ajeitar a toga nos ombros sem a ajuda do "capinha" quando passou a agir como se fosse doutor no assunto. Ele se tornara candidato a uma vaga no STF graças a Marisa Letícia, que transmitiu ao marido os elogios que a mãe de Lewandowski vivia fazendo ao filho quando eram vizinhas em São Bernardo. Mas garantiu o emprego novo depois de dizer o que faria no julgamento do Mensalão em encontros reservados com emissários do Planalto.

Ele sempre soube que Lula não queria indicar um grande jurista. Queria um parceiro de confiança, que o ajudasse a manter em liberdade bandidos de estimação. Foi o que tentou fazer em 2012, quando o STF enfim julgou os mensaleiros. Foi o que fez em 2016, na sessão do Senado que encerrou o mandato de Dilma Rousseff: então presidente do Supremo, Lewandowski inventou em parceria com o senador Renan Calheiros o impeachment fatiado, que manteve os direitos políticos de Dilma. Agora é hora de amaciar para Lula.

Em dupla com Gilmar Mendes, Lewandowski se prepara para anular a condenação imposta ao ex-presidente por Sergio Moro. Com a conivência da maior parte da imprensa, o que resta de respeito pelo Supremo pode ser destruído por ministros que mantêm desde sempre uma faca encostada no pescoço da Operação Lava Jato.
 
BLG  ORLANDO  TAMBOSI

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