Artigo de Lucas Berlanza para o Instituto Liberal:
“Há momentos na vida em que cada um precisa escolher em que lado da
História deseja estar. Hoje, afirmamos que estamos ao lado dos que
combatem o racismo, ao lado dos que querem escrever a História do Brasil
com tintas de todas as cores”, jactou-se o ministro Luiz Roberto
Barroso diante de decisão por ampla maioria no Tribunal Superior
Eleitoral que determinou, a partir de 2022, a necessidade de uma divisão
proporcional dos fundos de campanha e do tempo de propaganda eleitoral
entre candidatos negros e brancos.
Já houve quem associasse a figura de Barroso ao liberalismo. Ao
orgulhar-se do que seria a associação do TSE ao que o liberalismo teria
de melhor – o respeito à diversidade e o esforço por fazê-la conviver
pacificamente dentro de uma comunidade política -, o ilustre magistrado
está, na verdade, ao contrário, se vinculando a uma outra tradição muito
poderosa na cultura política brasileira: a do nosso autoritarismo, do
nosso antiliberalismo, especialmente aquele que se fortalece a partir da
República Velha.
Isso pode soar exagero, mas basta avaliar com honestidade a
genealogia das ideias. Existe, no Brasil, uma longa sucessão de
pensamentos que sustentam a necessidade de, de alguma forma, tutelar o
voto, disciplinar as preferências eleitorais, distribuir de acordo com
critérios supostamente pluralistas as vagas em cargos públicos,
desprezando a soma resultante das únicas opiniões que, dentro do sistema
representativo liberal-democrático, deveriam importar: as dos
indivíduos, independentemente se são brancos ou negros, homens ou
mulheres, azuis ou vermelhos.
Remontemos a Alberto Torres, um dos principais defensores de um
Estado mais atuante na sociedade brasileira, fonte teórica para as
posteriores elaborações do sociólogo Oliveira Viana e do regime
varguista. O projeto de Constituição elaborado por Torres para
substituir a Constituição de 1891 determinava que certos grupos
religiosos teriam cotas para eleição de senadores, desde os católicos e
positivistas, passando pelo clero de outras religiões e pelas diversas
profissões. Isso, para ele, representaria mais fidedignamente a
sociedade do que a divisão em partidos – como se as ideias de um
jornalista e de um sacerdote católico, por exemplo, não pudessem ser
essencialmente as mesmas, coincidindo no interesse do representante a
ser eleito.
No mesmo sentido, no Comício da Central em 1964 e em suas pregações
subversivas, expressava-se Leonel Brizola, quando empurrava o governo do
cunhado João Goulart para uma direção cada vez mais extremista,
preconizando o fim da famigerada “democracia burguesa” – a bem da
verdade, ainda mal realizada – e sua substituição por uma republiqueta
sindicalista. Era para a “Constituinte popular” abdicar da representação
das malditas “classes reacionárias” e ser formada por representantes
dos operários e dos militares nacionalistas que comungavam de seus
projetos de poder…
O mais recente capítulo dessa sequência de ativismo contra a representação liberal foi marcado pelas ações da parlamentar Tabata Amaral e suas companheiras,
demandando a absurda bandeira de cotas para mulheres no Parlamento.
“Não há outro caminho para garantirmos a representatividade de mulheres
senão pela reserva de cadeiras no Parlamento. Apresentamos um projeto de
lei para assegurar a paridade de gênero nas eleições do Senado em anos
em que duas vagas estiverem em disputa”, afirmou a deputada na época,
apropriando-se da mesma nobreza de intenções de que hoje se imbui o
ministro Barroso.
O caminho para garantir “representatividade” de negros, brancos,
mulheres, asiáticos e tutti quanti é que eles: 1) queiram ser
candidatos; 2) as pessoas queiram votar neles. Entretanto, não queiram
ser candidatos, nem as pessoas queiram votar neles, porque são negros,
brancos, mulheres ou asiáticos, e sim pelo valor de suas personalidades e
de suas propostas. Conforme disse muito sabiamente um amigo que
acompanha nosso trabalho, os nossos “progressistas” contemporâneos,
aplicando estratificações sociais em tudo, mais parecem estar
restaurando os estamentos do Antigo Regime.
O verdadeiro progresso não está na República sindicalista, na
República corporativista, na República feminista ou na República
racista, instaladas sob o pretexto de fazer justiça às minorias. A
esquerda é um edifício de atraso e não parece capaz de abandonar essa
nefasta vocação. Em verdade, os autênticos progressistas, no melhor
sentido da palavra, somos nós. O progresso na civilização ocidental é o
liberalismo. Não podemos abdicar dele, muito menos sob a sedução de
slogans falsos e hipócritas de pretensos detentores do monopólio da
virtude.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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