segunda-feira, 31 de agosto de 2020

A força-tarefa da Lava Jato terá permissão para continuar seu trabalho?


Todo poder, num Estado Democrático de Direito, anda ao lado de uma série de deveres, notadamente os deveres de preservação do interesse público e da vedação de retrocessos. Artigo de Roberson Pozzobon, procurador da Lava-Jato, publicado pela Gazeta:

O procurador-geral da República, Augusto Aras, decidirá até 9 de setembro se os trabalhos da Lava Jato no Paraná continuam. Desde 2014 a força-tarefa foi prorrogada várias vezes, por procuradores-gerais nomeados por governos diferentes. A cada renovação, houve o desvelamento de grandes esquemas de corrupção, a responsabilização de mais agentes criminosos poderosos e a recuperação adicional de bilhões desviados, o que justifica a manutenção da equipe em trabalho concentrado.

Por outro lado, os críticos do modelo de forças-tarefa e aqueles que querem seu fim, especialmente o fim da Lava Jato, recorrem a alguns argumentos: 1. elas seriam muito grandes; 2. os custos seriam altos; 3. falta institucionalidade; 4. incompatibilidade com o perfil constitucional do MP; 5. visibilidade excessiva; 6. prática de excessos e 7. elas não têm fim.
Tais argumentos não procedem. A força-tarefa da Lava Jato começou em 2014 com um equipe enxuta e, desde então, para tentar dar conta do incremento de 1.280% no volume de trabalho, teve sua força de trabalho ampliada em 114%. A estruturação de equipes de esforço concentrado em busca de maior eficiência na prestação de serviços públicos não é um fator a ser “corrigido”, mas sim a ser difundido. O tamanho das forças-tarefa, assim como de suas bases de dados, apenas reflete a dimensão do trabalho realizado e a realizar. Não se enfrentam grandes casos de corrupção com um exército de um procurador só.
Argumenta-se também que o custo da força-tarefa seria alto demais, pois o deslocamento de seus integrantes para atuar em regime de exclusividade geraria gastos adicionais em suas unidades de origem. Ora, apenas a Lava Jato em Curitiba já fez acordos de recuperação de mais de R$ 14,6 bilhões aos cofres públicos, sendo que R$ 4,3 bilhões já foram efetivamente devolvidos para as vítimas. Se a qualidade de um investimento é medida por seus retornos, é possível dizer que a manutenção da força-tarefa da Lava Jato continua sendo um ótimo investimento do MPF para a sociedade brasileira.
As alegações de falta de institucionalidade e incompatibilidade com o perfil constitucional do Ministério Público também não prosperam. Fruto de longo amadurecimento institucional, a força-tarefa da Lava Jato foi constituída pela cúpula do MPF de acordo com a visão estabelecida no planejamento estratégico que orientou a instituição na década de 2011-2020, qual seja, “até 2020, ser reconhecido, nacional e internacionalmente, pela excelência na promoção da justiça, da cidadania e no combate ao crime e à corrupção”.
O emprego de forças-tarefa para o enfrentamento de grandes casos de corrupção não é uma jabuticaba, mas experiência consagrada em todo o mundo. Apostas no mesmo sentido também foram feitas pela Polícia Federal e pela Receita Federal. E foi pelo trabalho de equipes assim formadas que a Lava Jato deixou de ser uma grande investigação de doleiros com atuação transnacional para desvelar o maior esquema de corrupção já comprovado na história do Brasil.
O planejamento estratégico do MPF também afasta a crítica de visibilidade excessiva das forças-tarefa anticorrupção. Forças-tarefa do MP são, antes de tudo, Ministério Público. O trabalho delas, que chamou a atenção da comunidade nacional e internacional por desafiar a tradicional curva de impunidade de poderosos no Brasil, colabora intensamente para a concretização da meta do Ministério Público, traçada em seu planejamento estratégico, de alcançar excelência no combate à corrupção. A visibilidade, que é consequência da relevância e êxito dos trabalhos, engrandece a instituição.
Embora alguns defendam que houve “excessos” na condução da operação, eventuais equívocos devem ser corrigidos pelo Judiciário e alegações de abusos, avaliadas pelas Corregedorias. A existência de divergências na interpretação e aplicação das normas jurídicas é algo absolutamente normal no Direito, que não é uma ciência exata. Não obstante isso, os atos tomados e decisões proferidas na Lava Jato têm um altíssimo índice de confirmação no Judiciário, o que, mais uma vez, indica que se trata de um trabalho que busca acertar, tem acertado em grande medida e merece prosperar.
Isso, naturalmente, não quer dizer que não haja aprimoramentos a serem feitos no modelo de atuação. As forças-tarefa inovaram em várias áreas e, justamente por isso, práticas podem ser melhoradas. A criação de um órgão anticorrupção nacional, perene e independente, por exemplo, pode consolidar e aperfeiçoar as boas experiências locais até o momento.
Em relação ao último argumento para o encerramento de forças-tarefas no MPF – o de que elas não teriam fim –, parece mais a externalização da vontade de alguns que uma crítica propriamente dita. Seria admissível acabar precocemente ou desestruturar, do dia para a noite, forças-tarefa anticorrupção que estão em pleno desenvolvimento simplesmente porque elas, na exata dimensão de seus trabalhos, “já duram demais”? A resposta é não. Todo poder num Estado Democrático de Direito anda ao lado de uma série de deveres, notadamente os deveres de preservação do interesse público e da vedação de retrocessos.
Se em 2014 investir em forças-tarefa no MPF talvez representasse uma opção de risco pela escassez de precedentes, hoje, principalmente por todos os resultados alcançados para a sociedade, não remanesce qualquer dúvida de que se trata de um investimento fundamental para possibilitar o combate à corrupção e à impunidade de modo eficiente.

Um gênio disse uma vez que “insanidade é fazer sempre a mesma coisa várias e várias vezes esperando obter um resultado diferente”. Pois é igualmente insano fazer diferente, obter resultados extraordinários e logo em seguida retroceder.
Roberson Pozzobon, procurador da República, é membro da força-tarefa da Lava Jato no Ministério Público Federal em Curitiba.
BLOG  ORLANDO  TAMBOSI

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