Coluna de Carlos Brickmann, publicada nos jornais desta quarta-feira, para azar dos radicalismos mal-humorados:
De um lado, os manifestantes bolsonaristas não estão interessados no
Supremo, nem em Direito, e não se preocupam com a corrupção parlamentar –
ou não apoiariam a aliança de seu mito, a quem querem como ditador, com
o Centrão. De outro, as torcidas organizadas que os enfrentaram em nome
da democracia e do antifascismo são organizadas, mas como grupos
belicosos, daqueles que marcam brigas de rua pela Internet, nas quais já
morreu gente, e não estão interessadas em democracia ou em luta
antifascista – ou não aceitariam entre seus integrantes um cavalheiro
todo de preto, ostentando no peito uma suástica, símbolo maior do
nazismo. De ambos os lados, são desordeiros, aglomerando-se sem se
importar com o coronavírus, nem com as pessoas que irão contaminar. A
morte dos outros é apenas um detalhe.
A briga nas ruas chama a atenção. Mas o importante acontece em outra
frente, a política. A oposição, anestesiada desde a surra eleitoral que
tomou, começa a sair de sua paralisia, acordada pelas declarações
autoritárias de Bolsonaro & Filhos e impulsionada pela sociedade
civil. Nada, ainda, a ver com partidos, mas com movimentos como “Somos
70%”, “Estamos juntos” e o manifesto “Basta!” Há neles união de
tradicionais adversários políticos e ideológicos, em nome de um objetivo
maior – oficialmente, a democracia. Mas não se pode esquecer que
“Basta!” foi um dos editoriais do Correio da Manhã às vésperas da
deposição do presidente João Goulart, em 1964.
A ausência
Lula está fora: não quer se unir a adversários que, com o impeachment
de Dilma, tiraram o PT do poder. Mas Lula, convenhamos, já não é o Lula
de antes. A CUT vacila (perder o imposto sindical foi um golpe
duríssimo), ele mesmo parece ter perdido o fogo dos velhos tempos,
aliados importantes o abandonaram: não apenas Ciro Gomes, mas até mesmo o
PCdoB conversa com outros setores. As conversas ainda devem avançar,
mas o exemplo histórico anterior funcionou: a campanha das Diretas Já
começou assim e, apesar dos percalços, deu certo e levou ao fim da
ditadura militar.
Um número
O “Estamos Juntos” já reuniu mais de 200 mil assinaturas. É um início
promissor. No início da campanha das Diretas Já, os idealizadores e
líderes do movimento couberam no terraço de cobertura da Folha de
S.Paulo, onde foram fotografados (todos riram muito da foto, que
pretendia representar a sociedade civil – e representou). O primeiro
comício reuniu cinco mil pessoas. O último ocupou o Vale do Anhangabaú
inteiro, em São Paulo.
O tempo passa
Bolsonaro ainda tem considerável capital político, apesar do desgaste
dos últimos tempos. Mas perdeu mais de um ano em que jogou sozinho, sem
oposição. Ele e os filhos ocuparam o papel de oposição ao próprio
Governo. Hoje, além do possível surgimento de uma nova oposição fora do
Congresso, há o problema do coronavírus. Não foi ele que trouxe a
pandemia, embora atrapalhe e muito as tentativas de combatê-la. Mas é
quase inevitável que os problemas dela decorrentes ajudem a reduzir seu
apoio popular. No caso, por sua culpa: Mandetta ia bem, era bem visto
pela opinião pública, era Governo. E foi fritado. Moro também era
popular, era Governo, e foi fritado. É como afastar Messi do time para
mostrar que o bom ali é o técnico, não o craque.
Achar os hackers
Outro problema para Bolsonaro, que talvez contribua para desgastá-lo,
é o dos hackers do movimento Anonymous, que começa a divulgar seus
dados pessoais e de alguns de seus ministros. A ação dos hackers não tem
sentido: não há interesse em saber seus números de CPF ou endereços
particulares, a não ser como elemento de chantagem. E está na hora de
reparar um grave erro: quando houve a divulgação das trocas de mensagens
de Sergio Moro, houve ações contra Glenn Greenwald, que as divulgou.
Mas ele, jornalista, estava dentro da lei: a divulgação não é crime. O
crime era o hackeamento, e os hackers não foram incomodados. Cibernético
ou não, crime é crime. Interceptar conversas alheias é crime e deve ser
esclarecido. Simples assim.
Heróis? Não...
E, por favor, vamos parar de chamar os desordeiros que fizeram
baderna em Curitiba de “antifascistas”. Antifascistas eram os
partigiani, combatentes corajosos que minaram dentro de casa o fascismo
italiano. Em Curitiba, os baderneiros eram black blocs, que não combatem
o fascismo nem sabem o que é isso. Quebrar vitrines a pedradas e
bastonadas é coisa de vândalo, de bandido, que se divertem causando
prejuízo a quem não tem nada com isso.
...anti-heróis
E botar fogo em bandeira do Brasil? Este colunista não gosta de ver
um grupo político-partidário se apropriar de símbolos nacionais. O
símbolo é de todos, não de um partido. Mas a bandeira, mesmo sendo hoje
usada por bolsonaristas, é de todos nós, é do Brasil. E merece, tem de
ser respeitada.
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