No meio da batalha, as características únicas do novo coronavírus vão
sendo decifradas para ajudar a entender a doença - e salvar pacientes. Vilma Gryzinski:
“Nunca vi nada como isso”. Esta é uma das reações mais comuns de
médicos de vários países que se confrontam com a velocidade, os efeitos
e, em termos leigos, a sagacidade do novo coronavírus para encontrar
formas sub-reptícias de atacar o organismo humano.
Médicos americanos relatam inúmeros episódios de pacientes que chegam
bem, alertas e conscientes, e precisam ser entubados ainda “falando no
celular”, tamanho o estrago revelado em seus pulmões e o nível de
oxigenação assustador.
É um vírus único devido à “combinação única de infecção assintomática
e ao desencadeamento tardio da forma severa da doença”, disse à Vanity
Fair o professor de medicina de Yale e infectologista Joseph Vinetz.
Num artigo para o New York Times, o intensivista Richard Levitran,
que se apresentou como voluntário no Bellevue, o tradicional hospital da
Primeira Avenida em Manhattan, fez um dos relatos mais impressionantes
sobre a doença, especialmente em sua fase “silenciosa”.
Ele trata também de uma das realidades mais contraditórias que
médicos de todo mundo estão encontrando: o dilema dos respiradores. Sem
eles, pacientes com oxigenação em níveis letais podem morrer. Com eles,
muitas vezes a morte é apenas adiada e o resultados são desanimadores.
A aparente vitalidade de pacientes que, na descrição mais comum, já
deveriam estar mortos, é produto da “hipóxia silenciosa”. Em geral,
qualquer medição abaixo de 94 já é subnormal. No casos da Covid-19, Levitran encontrou pacientes com 50.
“Só agora estamos começando a entender por que isso acontece”,
relatou o médico. O vírus ataca as células responsáveis pelo surfactante
pulmonar, a substância tensoativa que regula o sofisticado
funcionamento dos alvéolos.
A pneumonia causada pela Covid-19 se instala, mas os pulmões
continuam, por um período, a conseguir exalar o dióxido de carbono. Isso
ajuda na aparência de relativa normalidade.
Quase imperceptivelmente, muitos pacientes vão aumentando a
frequência da respiração para compensar a falta de oxigênio. Quanto mais
a respiração fica profunda, maior é o estrago que já está instalado nos
pulmões.
Quando chegam ao hospital, têm que ir para a ventilação mecânica. “E
uma vez colocados nos respiradores, muitos morrem”, constata Levitran
(níveis de mortalidade pesquisados na Inglaterra atingiram
estarrecedores 80%; alguns hospitais chineses, respondendo a uma
pesquisa, falaram em mais de 90%)
Se não forem entubados, também.
O que fazer?
Levitran sugere um banal oxímetro de pulso, aquele aparelhinho que
fica preso no indicador, para monitorar pacientes em estado inicial.
Uma ideia simples, barata – e de realização complexa: exigiria o
atendimento a doentes sem sintomas galopantes, o princípio usado na
maioria dos países, simplesmente por falta de meios para tratar de todo
mundo.
Outra proposta tem sido defendida em centros médicos avançados:
evitar o respiradouro. A ventilação mecânica, que exige sedação, é
brutal com o paciente, perigosa para os médicos (entubação e extubação
são os momentos mais críticos para contaminação dos profissionais),
caríssima para os sistemas de saúde tanto pela aparelhagem quanto pela
quantidade adicional de intervenções que exige, desde sondas na bexiga
até a alimentação enteral, com o risco adicional de infecções
secundárias.
Para dar uma ideia: colocar um paciente entubado na posição prona, ou
de bruços, um recurso tradicional que está sendo nos casos de Covid-19
para aumentar a capacidade pulmonar, exige a participação de sete
profissionais.
Para protelar, o quanto der, a entubação, as alternativas são as
cânulas nasais, máscaras respiratórias – e, de novo, a rotação dos
pacientes.
O médico Ron Daniels, supervisor intensivista de Birmingham, relatou
ao Telegraph exatamente o mesmo quadro: pacientes com oxigenação na
faixa dos 70.
“Normalmente, qualquer pessoa com níveis assim iria para a
ventilação, mas cada vez mais pensamos em adiar o procedimento em
pacientes com Covid-19”.
“A pergunta que todos estão se fazendo é: nós tratamos os sintomas ou
tratamos os números? É uma boa pergunta e acho que médicos de toda
parte estão se debatendo com ela”.
Ter capacidade e flexibilidade para entender as novas condições,
contestar métodos consagrados e tentar alternativas é uma das maiores
vantagens não só da boa medicina, como do método de pensamento baseado
no conhecimento coletivo e na iniciativa individual.
O aprendizado se faz em processo, uma constatação inevitável diante da nova doença.
Ao contrário da ficção e dos filmes, não existe no horizonte a
solução pela qual tanto ansiamos. Dwayne Johnson ou Charlize Theron não
vão aparecer com um tubinho ultratech e anunciar: é o antídoto.
Uma vacina vai demorar – e talvez nem exista ou não esteja disponível para todo mundo.
Mas são médicos, pesquisadores, cientistas de todas as áreas do
conhecimento, no sofrido “chão de fábrica” das UTIs, nos laboratórios ou
diante de computadores superpoderosos, que estão aprendendo a cercar o
bicho.
Se não pode ser eliminado, tem que ser enquadrado.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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