quinta-feira, 30 de abril de 2020

Para quem sofre de estrabismo ideológico, o passado não passa.


Os generais politicamente engajados dos anos 60 foram substituídos por militares profissionais. Augusto Nunes:

Cinco décadas depois, parecem tão longínquos quanto a Idade Média os cabelos compridos dos jovens e o laquê dos cabelos femininos, a minissaia e a calça boca de sino, o topete de Rock Hudson e a franja de Doris Day, o DKW e o Gordini, os hippies e os concursos de miss, o Cuba livre e quase todas lembranças dos anos 60. Quase: muitos brasileiros, a maioria dos quais nem havia nascido naquele tempo, continuam enxergando no Exército de 2020 o Exército de 1964. Para a tribo dos nostálgicos dos quartéis, o passado não passa.

Nos últimos 50 anos, os oficiais engajados do século 20 foram substituídos por militares profissionais, distantes dos conflitos partidários e absorvidos por suas atribuições constitucionais. Quem tem vocação para a vida pública troca a farda pelo terno, o fuzil pelo microfone e vai à luta nas urnas. É um caminho sem volta.

Em 1964, ainda havia os chamados militares “anfíbios”. Quase todos pertencentes à geração de tenentes que agitou a década de 1920, vitoriosos na revolução de 1930, eles passaram os anos seguintes chefiando alternadamente governos estaduais e tropas do Exército. Esse vaivém entre a caserna e o palanque acabou no governo do marechal Castello Branco, que extinguiu a espécie dos anfíbios.
O estrabismo ideológico impede que tanto os radicais de direita quanto a esquerda desvairada notem a profunda mudança na paisagem. Os partidários da “intervenção militar” acham pouco ter um governo chefiado por um ex-capitão rodeado por generais da reserva. Querem que os militares também ocupem o espaço hoje reservado ao Supremo Tribunal Federal e ao Congresso. No extremo oposto, José Dirceu afirmou que um dos maiores erros do PT foi não ter instalado em postos estratégicos oficiais que simpatizavam com o partido que virou bando.

Para sorte dos portadores dessa estranha forma de saudosismo, nenhum deles tentou recrutar para aventuras golpistas algum general da ativa. Como cumpre às Forças Armadas manter a paz social e garantir a ordem pública, o autor do convite poderia ouvir como resposta a merecidíssima voz de prisão.
 
BLOG ORLANDO TAMBOSI

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