Bandidagem "enlatada" em El Salvador. |
A pandemia está atrapalhando os negócios do crime e, assim, provocando
disputas mais violentas entre bandos. O fenômeno atinge todo o crime
organizado da América Latina. Vilma Gryzinski:
Nunca tantos se informaram sobre um assunto tão rapidamente. E nunca um assunto mostrou tão na lata como pode ser escorregadio.
A resposta a algumas dúvidas pode trazer até alívio – sentimento tão raro na pandemia. Outras continuam misteriosas.
Algumas delas:
1- Qual é o risco de ser contaminado por um outro humano que, sem
consideração pelo próximo, passa correndo e resfolegando? E os ciclistas
que pedalam e falam ao celular, numa suspeita nuvem de perdigotos?
A ideia de que o vírus maldito está no ar, esperando para emboscar
vítimas incautas, infunde um pavor maior ainda do que os estragos reais
que ele causa.
Um gráfico muito divulgado, feito por dois engenheiros, um belga e um
holandês, aumentou ainda mais o temor, “replicando” a nuvem
contaminada do espirro de um corredor num parque, como um jato maligno
que exigiria uma distância de até 16 metros para proteger o passante
incauto.
“O risco de transmissão de um vírus pelo ar em ambientes abertos é
provavelmente muito baixo, embora não tenha sido definitivamente
mensurado”, disse ao site Vox uma virologista de Columbia, Angela
Rassmussen.
O gráfico da “nuvem” não leva em conta como as gotículas se locomovem
em ambiente ao ar livre e qual a carga viral que precisariam
“transportar” para contaminar um passante.
Também é preciso distinguir entre as gotículas contaminadas e a forma
aerossolizada, está um dos maiores riscos em procedimentos como entubar
e desentubar pacientes com Covid-19.
A sequência de acontecimentos infelizes descrita por Angela
Rassmussen e outra pesquisadora, Lydia Bourouiba, do MIT, para a
contaminação ao ar livre exigiria o seguinte:
“As partículas – em quantidade suficiente para desencadear uma
infecção – têm que ser expelidas com força suficiente para chegar até
você. O vírus dentro dessas partículas tem que sobreviver enquanto luz
do sol, umidade, vento e outras forças trabalham para fazê-las decair e
se dispersar.”
“As partículas também precisam aterrissar direto na sua garganta ou
trato respiratório – ou nas suas mãos, que daí você usaria para tocar
seus olhos, nariz ou boca – e elas precisam também ultrapassar todas as
barreiras do sistema respiratório, como os pelos dentro do nariz e a
mucosidade.”
E ainda precisam se acoplar aos receptores celulares que usam para invadir as células e se replicar.
Ar livre, distância de dois metros e, preferencialmente, máscara dos dois lados tornam isso muito, muito mais difícil.
2- Por que em alguns países, como o Equador (576 mortes, mas ninguém
acredita nos números, nem mesmo o governo), a Covid-19 faz estragos tão
grandes, e é tão brando em outros, similares, como o Paraguai (nove
mortes).
Ninguém pode cravar. A pandemia ainda está em pleno desenvolvimento,
especialmente nos lugares onde chegou por último, como a América do Sul.
A explosão no Equador, especialmente em Guayaquil, onde os corpos
putrefatos em casas e ruas se tornaram a imagem da falência do sistema
de saúde que a epidemia pode provocar em cidades despreparadas, “é mais
assustadora ainda por ser impossível de explicar”, anotou uma ótima
reportagem do New York Times.
“Alguns lugares simplesmente têm mais sorte? Ou fatores locais desconhecidos causam as dramáticas disparidades”.
Em Guayaquil, onde a epidemia começou com o retorno de pessoas que
haviam visitado a Espanha, e na região das Guyas, a população é bem mais
jovem do que na Europa e a densidade populacional é muito menor.
A mortalidade no Equador foi calculada em 15 vezes mais do que os
números oficiais. O pico de casos, na primeira quinzena do mês, foi
maior do que na Espanha e na Grã-Bretanha.
3- Comparativamente, o Equador, onde muitos americanos aposentados
foram morar por causa do ambiente ameno e do custo de vida mais baixo,
tem uma situação econômica melhor do que El Salvador, o explosivo país
centro-americano campeão de criminalidade e de onde veio a
impressionante foto acima.
Mas os casos de Covid-19 dão menos de 350 infectados e oito mortes.
Os presos colocados em isolamento ou solitária por ordem do
presidente Nayeb Bukele, em condições que nem precisam ser descritas,
estavam sendo punidos pelo aumento de homicídios – 59 no fim de semana
que antecedeu a punição.
As tatuagens dos presos mostram o poder das “maras”, as gangues que
dominam o país e se espalham pelos Estados Unidos. Mas os índices de
homicídio vinham caindo e o governo de Bukele, uma figura de ficção
latino-americana que expulsou todos os representantes do governo
venezuelano no país assim que tomou posse, conseguiu uma redução mais
acentuada.
Por que o aumento que desencadeou a punição coletiva?
Possivelmente porque a pandemia está atrapalhando os negócios do
crime e, assim, provocando disputas mais violentas entre bandos.
O fenômeno atinge todo o crime organizado da América Latina.
O jornalista Héctor de Mauleon explicou assim a situação específica do México, que pode ser extrapolada:
“A venda de drogas nos Estados Unidos caiu. Os precursores químicos
procedentes da China deixaram de chegar nos portos mexicanos. Ao mesmo
tempo, aumentaram as complicações para o tráfico de drogas ao longo das
fronteiras”.
“Este coquetel anunciar um salto nos índices de violência entre grupos rivais”.
No caso de El Salvador, o lucrativo negócio da extorsão foi mais afetado ainda.
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E por que, em tantos países, o crime organizado estava cooperando com
a quarentena decretada por diferentes governos, pelo menos no começo?
Primeiro, para ter menos polícia vigiando o isolamento. Segundo, como
disseram membros de gangue entrevistados por um site salvadorenho, por
medo.
“Estavam convencidos de que se a epidemia explodisse em El Salvador,
nenhum hospital destinará respiradores para bandidos. Temem não
conseguir cuidados médicos”.
E quem não tem o mesmo medo?
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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