As pesquisas não param e trazem algumas esperanças sobre transmissão,
causas individualizadas e tratamentos de emergência para enfrentar a
praga. Vilma Gryzinski:
Parece bom demais para ser verdade e talvez até seja. Mas vale acompanhar esses desdobramentos.
1- Ninguém, ninguém mesmo, pode tomar decisões com base nisso, mas um
estudo anunciado na Suíça mudou a orientação mais dolorosa dessa
pandemia, a da separação permanente entre avós e netos pequenos.
Crianças com menos de dez anos podem ter contatos, sob a condição de
que sejam rápidos e de preferência ao ar livre, com os avós em
quarentena.
O motivo? “Crianças pequenas são raramente infectadas e não
transmitem o vírus. Elas simplesmente não têm os receptores para pegar a
doença”.
Se viesse de qualquer outro lugar, a mudança de orientação causaria
revolta, inclusive em razão dos casos, felizmente poucos, de contágio de
crianças depois que a epidemia se espalhou para fora da China.
Mas quem fez a declaração foi o diretor do departamento de doenças
infecciosas do equivalente ao ministério da Saúde da Suíça, Daniel Koch.
A nova orientação, com a ressalva de que os avós não devem ficar
tomando conta dos netos e nem ter contatos por períodos prolongados, foi
tomada depois de consultas com especialistas de universidades de
Zurique, Berna e Genebra, com base em estudo feito por epidemiologistas
franceses.
Apesar da origem confiável, foi, obviamente contestada.
“Achamos que crianças provavelmente transmitem Covid-19 menos do que
adultos, mas precisaríamos de uma quantidade muito maior de dados”,
disse ao Telegraph o presidente do Colégio Real de Pediatria, Russell
Viner.
“Não acharíamos uma boa ideia que crianças abraçassem os avós aqui no Reino Unido sem ter mais dados”.
Na Suíça, a Covid-19 matou 1.700 pessoas, com índice de 199,49 por
milhão de habitantes. Por esse critério, fica em nono lugar na Europa.
Em primeiro lugar nesse triste quadro está a Bélgica, com 641,83
mortes por milhão. Seguem-se Espanha, Itália, França, Reino Unido,
Holanda, Irlanda e Suécia. Os Estados Unidos, no topo da lista em
números absolutos (mais de 58 mil mortos) estão abaixo da Suíça.
2- A Covid-19 começou como “vírus chinês”, depois virou “doença de
branco” – os pavilhões de idosos moribundos na Itália retrataram
dolorosamente esse momento – e depois passou a afetar,
desproporcionalmente, minorias raciais nos países desenvolvidos.
Seria produto da discriminação, do padrão de vida e de saúde mais baixo ou até de atendimento inferior?
Nenhuma dessas causas pode ser eliminada, mas um estudo feito pelo
King’s College identificou origens genéticas que influenciam o contágio e
o nível de gravidade da infecção.
O estudo seguiu 2,7 milhões de pessoas que baixaram um aplicativo
onde descrevem seus sintomas, mais uma pesquisa já existente com 2.600
gêmeos – o padrão ouro da influência genética.
Conclusão: os genes têm uma influência de cerca de 50% na gravidade
de uma série de sintomas da doença, em especial delírio, febre, fadiga,
falta de ar, diarreia e perda do olfato e do paladar.
Mais: pessoas com ascendência no subcontinente indiano e outras
minorias raciais são 13% do total da população do Reino Unido, mas 16,2%
dos diagnosticados com o novo vírus em hospitais, indicando uma
suscetibilidade genética.
Mais: dos trabalhadores do sistema de saúde e dos serviços sociais a
idosos que já pereceram, 63% são de origem nesses grupos, chamados BAME
em inglês, sigla de negros, asiáticos e outras minorias étnicas. No
total, são 16% dos quadros, uma diferença simplesmente estarrecedora.
O NHS, o sistema de saúde, cogitou até tirar da linha de frente do
atendimento aos pacientes com Covid-19 os funcionários que se enquadram
no risco genético mais alto.
Entender o peso dos fatores genéticos, obviamente, ajuda a decifrar
os enigmas sobre as reações diversas à infecção que não são explicadas
por idade ou doenças pré-existentes.
3- Não existe bala de prata, mas o remdesivir, capa de VEJA desta semana, parece a coisa mais próxima disso no momento.
A Gilead, “mãe” do antiviral desenvolvido originalmente contra o
ebola, divulgou um resultado muito mais positivo do que um estudo feito
na China (e vazado por engano, causando muito ruído negativo).
De 397 pacientes em estado grave a ponto de exigir suplementação de
oxigênio – mas não colocados em ventiladores mecânicos -, metade
melhorou com dois regimes de tratamento com o antiviral (cinco e dez
dias). Em duas semanas, receberam alta.
O remdesivir também aparece com grande destaque nas recomendações de
uma espécie de força-tarefa de gênios, uma aliança entre especialistas
de altíssima qualificação e bilionários americanos, noticiada pelo Wall
Street Journal.
São cientistas do ramos de biologia química, epidemiologia,
neurologia, oncologia. Tem um prêmio Nobel no meio e a iniciativa partiu
de Tom Cahill, um médico que entrou no ramo de investimentos em
incubadoras, ganhou muito dinheiro e tem acesso as figuras como o
bilionário Peter Thiel, com trânsito no governo Trump.
Num documento de 17 páginas, os “cidadãos-cientistas” propõem
praticamente tudo que se espera das cabeças iluminadas: um
detalhadíssimo método de tratamento em três fases que permita a
reabertura da economia, com controles customizados.
E, principalmente, as formas de enfrentar os obstáculos burocráticos e
pavimentar a ponte indústria-estado para resolver os problemas mais
urgentes.
A primeira fase, de início imediato, se baseia no uso generalizado,
embora não exclusivo, do remdesivir, em doses maiores do que as
empregadas em vários testes atualmente e na fase mais inicial da doença.
Uma das maiores vantagens é que já foi provado que o antiviral é
seguro para uso em seres humanos – uma das mais demoradas etapas para a
aprovação de novos medicamentos.
“Atualmente, existem mais de vinte experimentos sendo feitos através do mundo com o remdesivir”, diz o grupo.
Numa prova de que não tem interesses suspeitos, a força-tarefa
voluntária propõe que todos as grandes indústrias farmacêuticas dos
Estados Unidos possam fabricar o antiviral, inclusive na forma de spray.
Na segunda fase, “idealmente de junho a agosto”, o tratamento com
remdesivir seria associado aos anticorpos monoclonais – “os melhores
ainda estão em desenvolvimento”.
Os anticorpos poderiam ser usados tanto no tratamento de pacientes
infectados quanto como uma espécie de pré-vacina, especialmente para
proteger quem trabalha em atividades de alto risco, como o campo médico,
como indivíduos de alto risco.
E a vacina? São mais de 90 grandes grupos científicos, privados ou
públicos, que estão atrás dela em todo o mundo, seja de uso sazonal,
como a da gripe, seja uma permanente, como a do sarampo.
A mais promissora do momento é a pesquisada em Oxford por ter partido
na frente: os cientistas do Jenner Institute já estavam estudando uma
vacina para o coronavírus em sua encarnação anterior.
Em seis macacos rhesus inoculados com o vírus num laboratório do
governo americano, nenhum mostrou sinais da doença 28 dias depois.
Os testes com voluntários já começam hoje.
Se todas as barreiras forem superadas com a eficiência fenomenal,
principalmente para a produção em massa, a vacina começaria a estar
disponível em setembro, pelo menos seis meses antes das previsões mais
otimistas.
De novo, parece bom demais para ser verdade, principalmente com um vírus que nos empurra o tempo todo para o pessimismo.
Mas um certo otimismo realista até que ajuda a aguentar o sufoco.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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