terça-feira, 28 de abril de 2020

A cloroquina econômica em busca de um milagre


O novo programa econômico, o Pró-Brasil, é uma reedição do desenvolvimentismo estatal do governo Médici e reforça a influência dos militares na gestão federal. Alexandre Borges, via Oeste:


Uma curiosa coletiva de imprensa realizada na última quarta-feira, dia 22, comandada por militares e sem a presença da equipe econômica, revelou um pequeno conjunto de intenções genéricas que pretende ser a cloroquina de um país infeccionado, asfixiado e ainda sem perspectiva de alta. O pouco que se mostrou já foi suficiente para entender a ausência de Paulo Guedes no lançamento do maior programa econômico do governo até agora.

Chamado de Pró-Brasil, o programa deverá ser um parente próximo de outras iniciativas desenvolvimentistas anteriores como o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), lançado por Lula em 2007 e que colocou Dilma Rousseff, titular da Casa Civil, no centro do palco político e alavancou de vez sua candidatura presidencial para 2010. O comandante em chefe do Pró-Brasil é também o atual ministro-chefe da Casa Civil, o general Walter Souza Braga Netto, igualmente visto como uma espécie de primeiro-ministro informal do governo desde que assumiu a pasta, em fevereiro.
A visão do Estado como motor da economia não é nova, especialmente para militares brasileiros.

Muitos deles guardam uma memória afetiva do “milagre econômico” do período de 1968-1973, quando o PIB do país cresceu vigorosamente e todo um aparato de propaganda política foi anabolizado pelo governo, ao som de hits ufanistas como “Eu te amo, meu Brasil”, “Esse é um país que vai pra frente” e o tema da seleção campeã de 1970, a icônica “Pra frente Brasil”. Artistas como Wilson Simonal e Roberto Carlos ajudavam a elevar o moral do país e, em parte, eclipsar as músicas de protesto contra a ditadura no momento mais duro da repressão política.

Alguns analistas buscam comparar as bases do Pró-Brasil com o Plano Marshall, como ficou conhecida a série de auxílios bilionários fornecida pelo governo norte-americano após a Segunda Guerra aos aliados europeus para fomentar a reconstrução daqueles países depois da devastação causada pelo conflito. Outros tentam comparar com o infame New Deal, o conjunto de medidas autoritárias, inspiradas no fascismo italiano e implementadas com a mão de ferro de Franklin Roosevelt nos anos 30 nos Estados Unidos e de triste memória. As comparações são estapafúrdias e indesejáveis, assim como a lembrança do PAC lulista, um dos muitos ralos por onde os maiores escândalos de corrupção da história do país puderam passar.

O Pró-Brasil, ao que tudo indica e a despeito das poucas informações reveladas na coletiva, é uma reedição do desenvolvimentismo estatista do governo Médici, capitaneado na época pelo czar da economia Antonio Delfim Netto. Delfim, com 91 anos, continua um participante ativo do debate nacional e é hoje um economista muito mais afinado com as diretrizes da política econômica do governo do que Paulo Guedes, um liberal da Escola de Chicago.

O presidente Bolsonaro muitas vezes se mostrou pouco à vontade na defesa da cartilha liberal clássica.

Trata-se de um ideário que em nada lembra seu histórico de votações e posições econômicas como deputado federal em quase três décadas. Parecer liberal na campanha e no início do governo não é novidade no Brasil, já que até Lula aceitou publicar uma “Carta ao Povo Brasileiro” em 2002 e nomeou uma equipe econômica totalmente afinada com o governo anterior para pacificar o mercado e criar um clima de euforia inicial.

Ao ser reeleito, em 2006, Lula nomeou Guido Mantega no lugar de Antonio Palocci e dali em diante pôde mostrar a que veio. Com a entrada de Dilma Rousseff em 2011, veio a desastrosa Nova Matriz Econômica, uma bomba atômica na economia brasileira que relegou ao país anos de recessão e pavimentou o caminho para o impeachment.

É cedo para dizer como será o novo momento do comando do país com o general como superministro e uma equipe militar no Planalto tocando uma política econômica nacional-desenvolvimentista, como sempre foi o sonho da chamada “ala ideológica” que demonizava o liberalismo de Guedes nos corredores e suspirava por Steve Bannon, o ex-estrategista de Donald Trump que sempre defendeu investimentos estatais maciços em infraestrutura e programas sociais e nutre um desprezo profundo pelo liberalismo clássico da escola de Chicago.

É inegável que o general Braga Netto imprimiu novo ritmo ao governo e é hoje sua face mais reconhecível, num momento em que diversos militares assumem postos-chave no primeiro escalão e dão um tom da administração federal totalmente diferente do que se viu em 2019, com Moro e Guedes desidratados e a “ala ideológica” aparentemente legada a comandar turbas virtuais em redes sociais. Os que foram às ruas nos últimos dias pedindo intervenção militar parecem mal informados.
 
BLOG ORLANDO TAMBOSI

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