segunda-feira, 2 de março de 2020

Santos Cruz: ”O que prejudica o governo é a interferência dos radicais”


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Santos Cruz afirma que não existe ameaça à democracia
Ana Dubeux, Carlos Alexandre de Souza e Renato Souza
Correio Braziliense

Militar com 48 anos de caserna, o general Santos Cruz diz não se abalar com ”baixarias” e ”tiroteios do Twitter”. E é categórico em relação aos nostálgicos do AI-5: ”Isso aí é desconexão com a realidade. É caso clínico. Tem que levar ao psicólogo”
Abatido em pleno voo pelo gabinete do ódio que influencia o Planalto, o general Santos Cruz constatou que a artilharia de grupos radicais não se limita aos conflitos armados, tal como vivenciou nas missões da ONU no Congo, país africano mergulhado em longa guerra civil.
Como o senhor avalia o veto ao trecho da lei que concede mais poder para parlamentares em relação às emendas impositivas?
Existe essa disputa sobre parte do orçamento. E eu acho que o veto deve ser mantido. Tenho conhecimento de como funcionam as emendas parlamentares. Tem as impositivas, as que não são impositivas. Todo esse bolo dá uma boa base para os parlamentares fazerem a sua política local. No nosso sistema é importante que o Executivo tenha uma parcela forte de recurso para poder implementar aquilo que ele pensa. A disputa é essa.

A disputa entre o Palácio do Planalto e o Congresso se concentra então em cima do orçamento?
Neste momento, sim. Mas tem sempre muitas pautas.  Toda essa agitação é em torno desse veto. Agora, está havendo uma agitação muito grande, mas não tem nada de excepcional. Isso daí vai ter que ser discutido este ano outras vezes e no ano que vem, também. Discussão entre Executivo e Legislativo é normal. Toda semana tem. Ou é legislação, ou é o pacote do Moro. Mas o clima esquentar é normal. No final vai dar tudo certo. As instituições não vão parar por causa disso.

Então não era motivo para fazer a convocação do dia 15 de março?
A convocação tem outro componente. Temos que voltar algumas eleições. A eleição da Dilma Rousseff foi uma eleição absolutamente convencional, de grande mídia, de marqueteiro. Quatro anos depois, mudou tudo. Se entrou em um sistema onde a mídia social passou a ser a estrela da festa.  Então a participação popular se tornou completamente diferente. E aqueles grupos que participaram de eleição de campanha estão, ainda hoje, com a mesma energia. São pequenos grupos, mas que continuaram na mesma dinâmica de eleição. O presidente não, no outro dia, ele tem uma responsabilidade muito grande. Ele tem que deixar a eleição e passar a governar. Mas aqueles grupos de sustentação, principalmente aqueles de caráter ideológico mais radical, continuam com a mesma dinâmica.

Existe um movimento para manter o clima de eleição vivo?
Não é isso. Mas é fanatismo ideológico. Então, hoje tem um componente externo que acaba fazendo pressão. Temos grupos de pressão. Na democracia tudo funciona com núcleos de poder. Na democracia tem o Legislativo, Executivo, Judiciário, a imprensa, o Ministério Público. E hoje temos mais um, que é a mídia social. Você tem de tudo na mídia social. Tem gente que colabora com uma ideia. Tem gente que criminaliza tudo, que quer chamar o Congresso todo de marginal. E não é nada disso. É uma instituição que tem seus problemas, como todos os grupos têm, como as famílias têm. E tem gente boa, que não é tão eficiente, mas é uma instituição que funciona. Tanto que aprovou a Previdência no ano passado.

A crise é alimentada por esses radicais?
A Previdência foi aprovada em um governo que está sem base parlamentar. A realidade não é isso que esse pessoal fica retratando aí, não. Não estamos na beira do precipício, não é nada disso. Com relação ao orçamento, tenho certeza de que o Congresso vai perceber. E tem outras coisas para se negociar em política. O que não pode é achar que aquele que cedeu perdeu. Não é assim em política. Ninguém perdeu nada. Não é uma guerra de vitória e derrota. Se for encarar a política deste jeito, a   administração pública está perdida. Mas onde que entra todo esse contexto de catástrofe? Porque é uma enxurrada de pressões. A retórica deles, do próprio presidente. O estilo dele, o estilo do filho.

O senhor conhece bem o presidente. Esse jeito de ser é personalidade, estilo ou estratégia?
Você não consegue viver 24 horas por dia baseado no planejamento. Você vive baseado no seu modo de pensar e na sua característica. Essa é a característica dele.

O presidente Jair Bolsonaro, no cargo que ocupa, não deveria ser mais cuidadoso antes de compartilhar essas manifestações?
Em tese, ter cuidado é bom em qualquer lugar. O problema não é esse. A questão é que você não pode exigir que a pessoa mude a característica dela completamente. Esse é o estilo dele. Essas coisas repercutem, dão uma consequência. Mas não quer dizer que na semana que vem ele vai mudar…

Foi um erro ele repassar um vídeo convocando para protestos?
Uma coisa é eu falar o que eu faria se tivesse na posição. Outra coisa é o que ele faria. Nós estamos lidando com um presidente que tem este estilo. Assim como o menino (refere-se ao deputado Eduardo Bolsonaro) falou lá em jogar uma bomba no Congresso. Ninguém vai jogar bomba no Congresso, a bomba não existe. É uma linguagem figurada.

Mas o presidente tem uma base eleitoral muito grande, sendo alguns radicais… Discursos contra o STF e o Congresso não criam riscos à democracia?
Não cria risco para a democracia. De certa forma, até chama atenção para a necessidade de aperfeiçoamento das instituições. Não adianta querer levar a retórica ao pé da letra. As nossas instituições têm problemas? Têm. Isso em todas elas, não só o Judiciário, não só o Executivo, Legislativo. O aperfeiçoamento tem que ser constante.

Qual é o problema do governo?
Um governo tem problemas naturais. Você tem que resolver problemas de desemprego, econômicos, de saúde, de desigualdade social. Todo governo assume um pacote de problemas. Se você pega o Judiciário, tem problema de funcionamento. Tem que avaliar o porquê de um cara ficar 15 anos para ser preso após cometer crime. As instituições todas têm problemas e sempre vão ter. Não vai se chegar a um estágio perfeito. Tem que ser um aperfeiçoamento constante. E essa dinâmica é a da democracia. Não existe nenhum Congresso no mundo que tenha 513 caras perfeitos. Se você quiser criminalizar o Congresso, a própria imprensa… A imprensa acaba entrando no  pacote. A imprensa tem televisão, tem jornal, tem milhares de rádios. Mas na hora do bate-boca, a imprensa vai como um todo, que nem o Congresso. Não é por aí. A imprensa tem que ficar livre, que ela vai se ajeitando.

O general Heleno errou ao criticar o Congresso e falar que o governo não poderia cair em chantagem?
Foi uma retórica forte. Aí vem uma retórica forte do outro lado também. Mas ninguém vai dar tiro em ninguém. Quando você tem uma retórica muito forte, você tem que saber que a reação também vai ser forte. Claro que, pelo estilo, tem gente que fala mais forte. Mas isso tudo vai se ajeitando.

Quem tem um comportamento explosivo pode colocar tudo em risco no cargo de presidente. Pode criar instabilidade?
Eu não vejo nenhum risco de instabilidade. É um presidente democraticamente eleito. Se você concorda ou não com o estilo, é outra história. Mas a instituição funciona. Tem um Congresso que funciona, mesmo alguns não gostando de algumas coisas.

A participação das Forças Armadas na política traz mais estabilidade ou desestabiliza?
Aí é um outro ponto. Não são as Forças Armadas que participam da política. Eu participei do governo, eu sou general. Mas eu não represento as Forças Armadas, eu fui lá individualmente.

Mas é um general com grande influência sobre os demais…
Sim. Mas isso pelo título que se tem. Pela instituição de origem. O meio militar tem a estrutura dele e a hierarquia. Mas o grande número de militares da reserva pode transmitir essa ideia. Mas as instituições militares estão completamente apolíticas.

A ideologia do governo não penetra nas instituições militares?
Todo militar é eleitor. Assim como eu votei no Bolsonaro. Mas isso é individual. A nossa formação não permite que o comportamento político-partidário invada o trabalho. Mas pode transmitir para as pessoas a ideia de que tem um vínculo institucional, mas não tem.

Mas o presidente utilizou a imagem das Forças Armadas na época da eleição…
O posto dele, como capitão, ajudou? Pode ser que tenha ajudado. Como o Exército é uma instituição de prestígio muito alto, assim como eu, que tenho o título de general, me beneficio de uma imagem profissional. Mas dentro de quartel não se pode fazer campanha.

Como avalia a greve de policiais militares no Ceará?
Eu fui secretário nacional de segurança pública. Nós temos a Polícia Militar, Polícia Civil, bombeiros, perícia, a antiga polícia técnica. A primeira coisa é que a PM não tem uma lei orgânica. Precisa disso. É para que todas as polícias, por exemplo, tenham o mesmo sistema de promoção. Tenham os mesmos percentuais de aumento salarial. Tenham a mesma formação. No Rio Grande do Sul o cara já se forma capitão, e no outro estado se forma tenente. No outro, o governador tem que promover, e às vezes porque é do partido dele. Tem que padronizar, desde o uniforme até a promoção.

No caso das milícias, falta pulso firme para contê-las?
Milícia é crime organizado. E estamos conversados. Não podemos fazer consideração especial sobre milícia.

Como evitar? Está crescendo bastante, não só no Rio, mas também no Nordeste.
O crescimento é do crime organizado, que tem de ser combatido. Não tem conversa. Não tem o PCC, a ADA, etc? É tudo a mesma coisa. Só está entrando uma nova sigla.

Os militares são frequentemente chamados para diversos problemas, como fila do INSS. O governo também chamou militares para formar o Conselho da Amazônia. O papel dos militares vai além da defesa?
O que acontece é o seguinte: as Forças Armadas — Exército, Marinha e Aeronáutica — são um campo onde você encontra pessoas capacitadas para várias coisas. Isso facilita o acesso para o governo. Se está faltando uma pessoa para uma função, a autoridade chama, seja por facilidade, seja por opção. Eu fui convidado para ser ministro do governo. Tem civis aí também de montão, com capacidade e preparo. Veja o caso da estrada 163: você pode fazer uma licitação e pegar uma empresa de engenharia. Mas pegou uma engenharia do Exército, colocou lá e terminou lá. Às vezes está disponível mais rápido. É questão de opção.

Há outros casos?
Sim. Na parte de planejamento de governo, de planejamento estratégico. É uma área forte dentro do Exército. Mas hoje também há nas universidades, nos centros estratégicos, há muita gente. Então (a participação das Forças Armadas) é uma das opções, mas não quer dizer que não tenha no meio civil gente capacitada. Isso também não quer dizer que militar seja uma palavra mágica. Não é.

Dizem que o senhor saiu porque falava a verdade.
Você tem de assessorar de maneira honesta. Se você não for honesto com a autoridade, você coloca a autoridade em risco. Isso é um fundamento básico. Eu sempre me comportei assim. Agora o presidente pode ter personalidade dele pode exigir uma pessoa com outro perfil, ou sofrer pressão do partido ou do grupo. Ele pode substituir quem ele quiser. Só acho que a coisa tem que ser feita com transparência, e não baixaria de fritura. Isso é coisa de ralé. É coisa de submundo. Os seguidores falam uma bobajada, inventam um diálogo falso com alguém no qual estou falando mal do presidente. Isso tudo é para dispensar um ministro?

A Polícia Federal concluiu que aquelas mensagens são falsas.
Aquilo não é só falso. É medíocre.

O senhor imagina quem fez aquilo?
Não. Tenho minhas ideias, mas não posso falar porque seria leviandade falar. Sair do governo não é problema. O problema é como as coisas acontecem.

Existe um gabinete do ódio no Planalto?
Nunca nem falei com essa turma, não sei o que eles fazem, a lista de obrigações. O que acontece: qualquer função tem as tarefas. Não sei quais são as deles. Na realidade, função de confiança, você pode substituir a pessoa e não precisa de nada disso. Mas aí entram ataques coordenados de internet. Isso para mim não tem efeito emocional nenhum.

Uma forma de não estimular o radicalismo é não compartilhar.
O radicalismo interessa a quem? Só interessa aos radicais. Um grupo extremista tem que ter um oponente. Ele mesmo cria o oponente, porque senão ele não vive sem.

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