Coluna de Carlos Brickmann, publicada nos jornais deste domingo:
A passeata do dia 15, pró-Bolsonaro, deve ocorrer. Mas nada de fazer
tremer o país: já houve acordo entre Bolsonaro e o Congresso e o
presidente do Supremo pediu calma a todos. A tendência é de
tranquilidade.
O problema começou com o Orçamento impositivo: verbas destinadas a
parlamentares no Orçamento teriam obrigatoriamente de ser aplicadas.
Antes a verba era aprovada e o Executivo poderia ou não aplicá-la. Em
geral, eram aplicadas as verbas de deputados aliados, e esquecidas as de
adversários. A lei mudou no ano passado, com o voto favorável de
Eduardo Bolsonaro. Assim é em boa parte do mundo – a função básica do
Parlamento (e o motivo pelo qual foi criado na Inglaterra, há uns mil
anos) é controlar os gastos do Executivo. O problema é que a coisa foi
mal combinada: no fim, ficou a verba maior com o Congresso, e o relator
do Orçamento ganhou o poder de, sozinho, aplicá-la. A briga não era
apenas entre Executivo e Legislativo. O Senado também não queria o poder
total do dinheiro na mão de um deputado.
O presidente do Senado, Davi Alcolumbre, DEM, moveu-se logo após o
general Augusto Heleno ter-se mostrado descortês ao lado do microfone
ligado. A saída: o Congresso desiste de metade dos R$ 30 bilhões em
debate, e talvez, para manter a paridade entre deputados e senadores,
desista de tudo. Bolsonaro deixa de estimular a passeata do dia 15, que
sai menos forte.
Tudo bem – mas juntar gente em tempo de coronavírus não é uma grande ideia.
Como é mesmo?
Se era possível chegar a um acordo em tão pouco tempo, por que surgiu
a crise? Em parte, a crise agrada a todos. Bolsonaro governa por
atrito, tem aliados que falam demais, tem uma ala de seguidores cujo
sonho é fechar o Congresso e o STF. A oposição marcou três manifestações
que ganham divulgação: domingo, Dia Internacional da Mulher, contra as
indelicadezas do bolsonarismo com relação a mulheres; no dia 14, para
cobrar os nomes de quem ordenou a morte, há dois anos, da vereadora
Marielle; no dia 18, da UNE e centrais sindicais, sob os temas da
Educação e da proteção aos servidores públicos. Todas, agora, ganham o
tema de defesa da democracia.
Por que não?
Se tantas alas oficiais gostam da ideia, por que não apertar o
acelerador da manifestação? Um bom motivo é que sempre se sabe como as
passeatas começam, mas não como terminam. A passeata do Vale-Transporte,
“não são só vinte centavos”, tinha alma petista. Dela derivaram as
manifestações que levaram ao Fora PT.
Mais: até agora, por mais que tenha sido provocada, a oposição não
conseguiu ocupar a rua. Retomar as passeatas pode até ajudá-la. E,
talvez o motivo mais forte, a economia, hesitante, tende a piorar com o
coronavírus. Manifestações contra o Congresso podem levar a investidores
e ao Primeiro Mundo a ideia de que estamos à beira de uma ruptura da
democracia. Acordos e investimentos esperariam a normalização do país.
Enfim, o Congresso pode derrubar vetos do presidente e rejeitar
propostas importantes para seu Governo. Pode até aprovar despesas para
ele pagar.
Por falar em economia...
A reforma da Previdência passou. A reforma tributária ainda não saiu
das pranchetas do Ministério da Economia. A reforma administrativa está
há três meses parada na gaveta de Bolsonaro. A propósito, o ministro da
Administração de Fernando Henrique, Luiz Carlos Bresser Pereira,
elaborou um projeto que, dizem muitos especialistas, é ótimo. Boa parte
dele já foi aprovada, mas as leis complementares ficaram para um dia
desses. Por que não estudá-lo, mudar o que for preciso e resolver o
assunto?
Gritou, acalmou
Bolsonaro não gosta de Ciro nem de Cid Gomes, caciques do Ceará. Não
gosta do PT, partido do governador cearense Camilo Santana, que é aliado
dos Gomes. Disse que não prorrogaria a autorização do emprego das
Forças Armadas na segurança cearense. Mas voltou atrás: por mais oito
dias, a GLO (Garantia da Lei e da Ordem) continua vigorando. Ou não: com
ou sem GLO, o motim da PM não foi enfrentado. Por mais justos que sejam
os motivos da PM para o que chamam de “entrar em greve” (eufemismo para
motim), estão fora da lei. O Exército pode ser usado para enquadrá-los,
mas ainda não foi.
A outra crise
Mas é bom que o presidente resolva logo a questão – e resolvê-la não
é, como sugeriu, que o governador negocie com a PM. Não se pode negociar
com amotinados, sem que eles primeiro se rendam. Se Santana der aumento
à PM (e certamente um bom aumento seria justo), não haverá como conter a
PM de outros Estados, querendo equiparação. Se o Ceará tivesse
recursos, o governador – qualquer governador, de qualquer partido –
teria dado aumento antes do motim. O fato é que quatro governadores –
Maranhão, Rio, Bahia e Piauí – se dispõem a mandar tropas estaduais para
ajudar o Ceará. Não querem deixar que assaltos e assassínios continuem
se multiplicando por lá.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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