quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

Principal articulador do Aliança defende volta do financiamento privado de campanhas


Belmonte declarou ter patrimônio de R$ 65,8 milhões
Thais Arbex
Folha
Um dos principais articuladores da Aliança pelo Brasil, partido que Jair Bolsonaro tenta criar, o advogado Luís Felipe Belmonte faz coro ao discurso do presidente contra o fundo eleitoral e defende o restabelecimento do financiamento privado das campanhas. “Para mim, está claro que o dinheiro público não pode ser usado para favorecimento de partidos nem políticos”, disse à Folha.
“Não existe dinheiro público. Existe dinheiro do contribuinte. É justo você pegar R$ 2 bilhões, que poderiam ser usados para construir creches, hospitais, cuidar da segurança da população, da educação, para entregar para agremiações políticas?”, afirmou, em referência ao valor recém-sancionado pelo presidente e que será usado pelas legendas nas eleições municipais de 2020.
PATRIMÔNIO MILIONÁRIO – Antes de assumir o posto de segundo vice-presidente da Aliança, Belmonte foi filiado ao PSDB e se elegeu primeiro suplente do senador Izalci Lucas (PSDB-DF). Ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) declarou ter patrimônio de R$ 65,8 milhões.
Em 2018, além de ter atuado para alçar a esposa, Paula Belmonte (DF), a deputada federal pelo Cidadania, o advogado desembolsou R$ 3,9 milhões para apoiar diversas candidaturas, do PC do B ao PSL —sendo o segundo maior doador da disputa, atrás apenas do empresário Rubens Ometto, da Cosan.
Belmonte também diz que, apesar da corrida para criar a Aliança até o início de abril, “não existe nenhum desespero para participar das eleições” municipais deste ano. “Não estamos fazendo um partido para as próximas eleições, estamos fazendo um partido para as próximas gerações.”
O discurso do presidente de pedir que as pessoas não votem naqueles que usarem o fundo eleitoral não é um contrassenso, uma vez que existem pessoas como o senhor por trás da criação do partido?
Primeiro, não sou milionário do tamanho que falam. Segundo, até hoje, o valor que eu coloquei dentro do partido foi de R$ 5.000 de aluguel do local para a inauguração [da Aliança, em um auditório no hotel Royal Tulip] e uns trocadinhos para comprar água, papel aqui no DF.
Todo o trabalho de formação da Aliança está sendo feito com trabalho voluntário. Então, não é Felipe quem está financeiramente cuidando da existência do partido.
Temos que entender que o Estado não produz riqueza, daí não existe dinheiro público. Existe dinheiro do contribuinte. Esse dinheiro tem dono. Alguém pediu autorização ao dono do dinheiro para financiar campanhas políticas de causas pessoais? É justo você pegar R$ 2 bilhões, que poderiam ser usados para construir creches, hospitais, cuidar da segurança da população, da educação, para entregar para agremiações políticas —algumas delas, inclusive, de criação duvidosa?
Quando você sabe que no Brasil muitos partidos têm donos e donos que, muitas vezes, manipulam as verbas chamadas públicas. O problema básico não é o financiamento privado, é o custo da eleição. Ou seja, o poder econômico tem interesse em manter isso para que ele tenha protagonismo no processo.
Qual é a dificuldade de se instalar no Brasil o voto distrital, que barateia imensamente o custo de uma campanha? Isso, sim, é um sistema democrático. Desde quando um direito pode ser obrigatório? O voto é um direito, logo é uma faculdade. Não pode ter voto obrigatório, que é outro sistema utilizado pelo poder econômico para corromper a igualdade do processo democrático.
Para mim, está claro que o dinheiro público não pode ser usado para favorecimento de partidos nem políticos.
Qual é o caminho, então?
Restabelecer o financiamento privado, só que com algumas regras muito claras e bem definidas que preservem o princípio da moralidade pública. Primeiro é esse: voto distrital e voto facultativo. Além disso, é preciso estabelecer que cada doador só pode doar para uma única pessoa na mesma base eleitoral. Não dá para apostar em dez e, quem ganhar, é com aquele que estou, entende?
Existe um projeto para a retomada do financiamento privado?
Não respondo como dirigente do partido Aliança, até porque não estou autorizado a fazer em nome do partido. Como cidadão indignado, eu capitanearia um movimento em prol dessas novas regras, até por meio de uma ação de iniciativa popular, caso o Congresso não adote.
Acho que a indignação do povo vai desaguar naturalmente em um movimento dessa natureza. Depois, submeta a um plebiscito e vê o que o povo acha do financiamento privado, nessas condições e nessas regras de moralidade. O problema não é o financiamento privado, é como ele era feito e com quais limitações.
Sem conseguir o aval do TSE até o início de abril, como a Aliança vai se comportar nas eleições deste ano?
Primeira coisa: nós não estamos fazendo um partido para as próximas eleições, estamos fazendo um partido para as próximas gerações. Esse é o ponto inicial. É possível, entretanto, que o partido tenha condições de disputar as próximas eleições e, se o tiver, o presidente definirá a linha política que será adotada.
Como o senhor avalia a situação do chefe da Secom, Fabio Wajngarten, após a série de reportagens da Folha apontar suspeitas de conflito de interesses?
Acho que toda denúncia merece primeiro ser apurada e merece uma defesa. Num primeiro momento, a minha visão superficial do caso é que alguém que tenha alguma atividade privada que, de alguma forma, colida com sua posição pública, não é recomendável.
Pode até não haver qualquer tipo de mistura ou favorecimento, mas nós vamos para a célebre frase da mulher de César: não basta ser honesto, tem que parecer honesto. Algo que dê uma aparência de que pode haver algum favorecimento deve ser evitado. Isso falo em tese. Como não conheço o assunto com profundidade, seria injusto da minha parte fazer qualquer tipo de avaliação concreta.
Mas, teoricamente, a gente entende que existem coisas que não são favoráveis, principalmente num governo que prega muito a questão da moralidade pública —e assim tem sido feito. É preciso ter uma certa cautela e uma verificação de até onde isso é real ou não e até onde compromete a imagem do governo.
Aproveitando que o senhor falou de moralidade, o quanto incomoda o fato de o filho mais velho do presidente, o senador Flávio Bolsonaro, ser alvo de uma investigação? Essa situação não é ruim para o que a Aliança está pregando?
Eu acho que não e vou te dizer por quê. Antes de tudo, esse governo começou em 1º de janeiro de 2019, então o que esse governo tem de responsabilidade é desta data em diante.
Em segundo lugar, a responsabilidade desse governo é em relação ao presidente da República, aos ministros e dirigentes de estatais. Isso é governo. Agora, temos aí 13 meses em que não se caracterizou, a rigor, nenhum escândalo de corrupção em nenhum desses setores.
Teve agora o caso do secretário da Secom, que também não é corrupção, é um caso de uma inadequação, possível inadequação. Então, não vejo nenhum descompasso com um discurso do governo com uma investigação que esteja sendo feita de um fato pretérito.
Sob o ponto de vista específico do caso do senador, há a presunção de inocência que todo mundo defende, não é? Ela só vai servir para quem é da esquerda? Só serve para o Lula, para o [jornalista] Glenn [Greenwald] e para esse pessoal? Quando é para alguém ligado ao presidente, ela não existe. A presunção é de culpa. É mais uma prova de falta de equilíbrio e de isenção no exame dos fatos.
No estatuto da Aliança, tem uma cláusula que diz que o partido não admitirá filiados envolvidos em caso de corrupção. Isso valerá para todos, inclusive para integrantes da família Bolsonaro?
Na medida em que isso fique caracterizado, é um princípio estabelecido pelo presidente. Aliás, ele mesmo já disse: se alguém errou, vai responder. Não podemos ter uma verdade relativizada. Se adotamos um princípio, é um princípio. O que não podemos também é fazer um prejulgamento e, em cima disso, querer ainda estender a terceiros.

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