sexta-feira, 31 de janeiro de 2020

O fato concreto no Oriente Médio é que as ditaduras árabes não representam a Palestina


Manifestantes empunham bandeiras da Palestina em  protesto
Guga Chacra
GloboNews

Desde quando o sanguinário ditador da Arábia Saudita, Mohammad bin Salman, e outros monarcas absolutistas do Golfo Pérsico falam em nome dos árabes, mais especificamente dos palestinos? A tentativa de muitos no Ocidente de adotar uma visão orientalista de enxergar todas as nações árabes e os árabes como um todo de forma homogênea demonstra ignorância e apenas atrapalha o entendimento de conflitos, como entre israelenses e palestinos.
Alguns analistas têm afirmado que os “países árabes” talvez apoiem a proposta de resolução de conflito apresentada, sem nenhum palestino presente, por Donald Trump, que enfrenta processo de impeachment, ao lado do premier interino israelense, Benjamin Netanyahu, indiciado por corrupção.
SEM REPRESENTATIVIDADE – O argumento é de que estavam na sala os embaixadores das ditaduras dos Emirados Árabes Unidos, Omã e Bahrein. Fato. Mas, além das autoridades destas nações não terem manifestado apoio público ao plano e ainda seguirem em sintonia com as resoluções da ONU que consideram os assentamentos israelenses ilegais, elas em hipótese alguma representam a visão dos palestinos.
Temos de entender que o chamado mundo árabe deve ser dividido em ao menos três blocos, para facilitar o didatismo. Há o Norte da África (Marrocos, Argélia, Tunísia e Líbia), o Golfo Pérsico (Arábia Saudita, Emirados Árabes, Qatar, Kuwait, Bahrein e Omã) e o Levante (Síria, Líbano, Jordânia e Palestina). O Egito integra tanto o Norte da África como o Levante. O Iraque, o Levante e o Golfo. O Iêmen é mais complexo.
O chamado conflito entre árabes e Israel sempre envolveu as nações levantinas, não as do Golfo ou as do Norte da África, ainda que estas historicamente apoiassem a causa palestina.
ISRAEL E VIZINHOS – As guerras árabes-israelenses de 1948, 1967 e 1973 foram de Israel contra seus vizinhos imediatos, não contra os Emirados Árabes, Omã e Bahrein. E Jordânia, Síria e Líbano, assim como a Autoridade Palestina e todos os grupos palestinos, sem exceção, rejeitaram o plano de Trump. O Egito do ditador Sissi evitou críticas porque teme perder a mesada americana — noto que os egípcios, assim como os jordanianos, possuem acordos de paz com os israelenses.
As nações do Golfo sempre foram mais homogêneas, com restrições enormes a cristãos e judeus e populações muçulmanas sunitas seguidoras de vertentes ultraextremistas, do que os sunitas do Levante, que são mais cosmopolitas. Um morador de Aleppo se sentiria no fim do mundo se visitasse Riad no começo do século passado. Seria como um nova-iorquino ir para Idaho na mesma época.
COMPRAM APOIO – Estas sociedades tribais do Golfo que nunca travaram guerra contra Israel, no entanto, ganharam dinheiro com petróleo e seus líderes se tornaram monarcas que compram apoio ao redor do mundo. Um exemplo é a Copa do Mundo ser no Qatar, uma nação minúscula, de temperatura hostil, sem nenhuma tradição no futebol, governada por uma ditadura e com restrições a mulheres.
Sociedades levantinas como a palestina, síria e libanesa são multireligiosas, além de serem o berço do cristianismo e do judaísmo e terem importância para os muçulmanos. Cidades como Alexandria, Jerusalém Oriental, Aleppo e Beirute tinham cristãos ortodoxos e de outras denominações, muçulmanos sunitas, judeus e armênios convivendo por séculos.
Há minorias religiosas espalhadas por estas áreas, como alauítas, drusos e cristãos siríacos. Se você passear por Riad, não verá nenhuma igreja. Por Beirute, Belém ou Damasco, verá dezenas.
DIÁSPORA – Na Síria, ainda se fala aramaico na vila de Maaloula. Sírios, libaneses e palestinos possuem também uma diáspora pelo mundo afora. Nada a ver com países como Arábia Saudita e Emirados Árabes. Beirute se parece mais com o Rio de Janeiro e Tel Aviv do que com Abu Dhabi e Jeddah. Aliás, Israel tem mais a ver com o Líbano e a Palestina do que com a Arábia Saudita e Kuwait.
Estas ditaduras têm poder em Washington, enquanto os palestinos pouco ou nada têm a oferecer. Mas é a opinião dos árabes de “Dubai” e “Riad” e não dos de Jerusalém Oriental, Ramallah e Belém que interessa a Trump. Aos que têm dinheiro.

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