Greta Thunberg, a nova sacerdotisa do ecopopulismo – o sumo sacerdote Al
Gore já deu o que tinha a dar -, foi recebida entusiasticamente em
Lisboa por meia-dúzia de pessoas e uma cobertura mediática nunca vista.
Artigo do professor Paulo Tunhas, publicado pelo Observador:
A ordem das estações e as leis dos elementos que até agora governaram
o mundo começam a cair num caos eterno que anuncia o fim do género
humano. Assistimos a sinais e prodígios, coisas espantosas e terríveis,
aflições diversas mas que se ligam umas às outras. Disformidades
monstruosas da natureza anunciam discórdias. Não há já tempos propícios
para as sementeiras, por todo o lado há chuvas excessivas, inundações,
secas desastrosas, epidemias, fome terrível. Os elementos hostis
batalham uns contra os outros, castigando a insubordinação dos homens.
A ciência explica tudo isto, explica que as nações humanas se
desviaram do seu curso recto e caminham para o abismo, sob o comando do
miserável Donald Trump, que, nos quatro cantos da terra, conta com
modernos Gogue e Magogue para perfazer a sua obra de destruição. Os
cientistas interpretam de forma clara e evidente todos estes sinais. Só
eles têm a capacidade de levar consigo todo o povo humano à perfeição,
afastando-o da desavergonhada avidez, da desenfreada cupidez capitalista
que faz o sangue cobrir-se de sangue. Os negacionistas, seduzidos pelo
espírito enganador, que trabalha insidiosamente para desviar os bons da
sua via recta, são os agentes do desânimo e da perversão doutrinal.
Membros do corpo científico atingidos por um inominável mal, deverão ser
excomungados, para que a podridão que consigo trazem não se propague
mais.
O desregramento do universo exorta à penitência. Exigem-se ritos de
purgação. As regras de vida que até aqui eram apenas seguidas nos
claustros pelos monges, pelos especialistas das macerações e da
abstinência, deverão agora ser uso comum. Mas nada disto será em vão.
Uma Nova Aliança entre os seres humanos e a terra daí advirá, a acção
climática trará consigo uma nova Primavera que porá fim à desordem das
estações e ao desenfreado combate dos elementos.
Os três parágrafos anteriores são, quase sem modificação alguma,
transcrições de passagens das Histórias escritas pelo monge Raul Glaber
na primeira metade do século onze e de comentários que o historiador
francês Georges Duby a elas fez no seu livro O Ano Mil, onde analisa
algumas atitudes prevalecentes no fim do primeiro milénio. É claro que
mudei uma coisa ou outra. Onde estava a Bíblia – nomeadamente o capítulo
XX do Apocalipse – está agora “Ciência”. Os “homens de Igreja” são
agora os “cientistas”, o demónio é o capitalismo, o Anti-Cristo Trump,
os heréticos os “negacionistas”… Mas, tirando estas substituições fáceis
de executar, encontram-se no livro de Duby descrições que convêm por
inteiro à atitude contemporânea face às chamadas alterações climáticas.
Sobretudo à nova conversa de taxista que tomou conta do mundo e a que se
poderia chamar ecopopulismo.
O populismo caracteriza-se, entre outras coisas, por amalgamar
realidades distintas, fornecendo ao mesmo tempo a aparência de uma
explicação única que tudo engloba. O ecopopulismo não é excepção a esta
regra geral. Tudo se encontra magicamente ligado. E, como tudo se
encontra magicamente ligado, o corte com o presente que reivindica tem
de ser radical. Greta Thunberg, a nova sacerdotisa do ecopopulismo – o
sumo sacerdote Al Gore já deu o que tinha a dar -, recebida
entusiasticamente em Lisboa por meia-dúzia de pessoas e uma cobertura
mediática nunca vista, exprimiu recentemente, num artigo publicado em
conjunto com duas colegas que também faltam às aulas, este aspecto do
credo ecopopulista: a “crise climática” foi “criada e alimentada” pelos
“sistemas de opressão coloniais, racistas e patriarcais”, “temos de os
demolir todos”.
Dir-se-á que comparar as atitudes presentes com os pavores do fim do
primeiro milénio é fugir a qualquer discussão séria das questões postas
pelos males infligidos pelos seres humanos ao ambiente do planeta, como
por exemplo a de Judith A. Curry, em Alterações climáticas. O que
sabemos, o que não sabemos, publicada entre nós pela Guerra e Paz. Mas
não era disso que falava: falava do ecopopulismo posto em voga pela
Igreja Universal da Climatologia, que justamente representa a mais
formidável barreira para que a tal discussão séria tenha lugar. Uma
barreira tão extraordinária que, para explicar a infantilização do
espírito que produz, apetece recorrer a uma conjectura arriscada, como
manda a sábia metodologia científica: só as alterações climáticas
poderiam efectivamente dar lugar a tal monstruoso efeito regressivo na
mente humana. Tal conjectura parece cumprir os requisitos das boas
hipóteses: simplicidade, beleza, fecundidade. Até a “Carta a Greta” do
ministro Matos Fernandes se compreende melhor assim.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
Nenhum comentário:
Postar um comentário