Lula mentiu a si próprio achando que não havia corrupção em seu governo, escreve J. R. Guzzo em sua coluna no Estadão deste domingo:
Há quantos anos Lula
não ouve alguém lhe dizer a verdade - não entre as pessoas com quem
fala e que falam com ele? Dez anos? Vinte? Trinta? Não é uma pergunta à
toa, a começar pelo fato de que trinta é o triplo de dez, e faz o triplo
de mal ficar durante tanto tempo assim selado dentro de um ambiente a
vácuo, onde é proibida a entrada dos fatos e onde 100% das pessoas só
falam aquilo que você quer ouvir. Pior que isso, como ensina o bom
senso, é que escutar a verdade pode doer na hora, mas viver na mentira
vai machucar para sempre. Não poderia haver melhor prova dessa
desventura do que o abismo em que o próprio Lula está metido hoje.
Não é preciso ser nenhum Prêmio Nobel para ver que se alguém nunca
ouve a verdade, acaba se tornando incapaz, também, de dizer a verdade.
Eis aí um problemão, no caso de Lula. Foi desligada, em algum lugar do
seu circuito mental, a válvula que leva o indivíduo normal a dar a
resposta certa quando alguém lhe pergunta, por exemplo, que horas são,
ou qual foi o resultado do futebol. O ex-presidente dá a impressão de
que não consegue mais perceber a diferença entre o verdadeiro e o falso –
ou, se percebe, prefere ficar com o falso. Pior ainda, fica injuriado
toda vez que sai da bolha onde vive, cercado por gente que lhe diz
exclusivamente o que ele exige ouvir, e vê a verdade contrariar as
fábulas que quer passar adiante para o resto do mundo. Essa realidade só
é apresentada a Lula por quem está fora do seu vasto cordão de
puxadores de ego – e que ele considera, sem nenhuma exceção, como
inimigos. É lógico, aí, que diga que está sendo caluniado, perseguido e
impedido pela extrema direita de ser de novo o presidente deste País.
Lula se arruinou por causa das próprias mentiras, ou da incapacidade
patológica de reconhecer a realidade – o que, talvez, dê na mesma. As
mentiras mais perigosas, muitas vezes para o próprio mentiroso, são
aquelas que são ditas por quem acha que está dizendo a verdade, ou finge
que está. O ex-presidente perdeu o poder, foi à falência na sua
carreira política, passou mais de um ano e meio na cadeia e vive, hoje,
num estado de desgraça judicial permanente, porque proibiu que lhe
dissessem a verdade – e, pior ainda, proibiu a si próprio de procurar
por ela. Mania de grandeza em estágio clínico? Psicoses escondidas nas
zonas mais escuras da mente? Egoísmo degenerativo? É melhor deixar essas
coisas com os profissionais da psiquiatria. O fato é ele que ficou
machucado para sempre.
Nunca ocorreu a Lula ter cometido algum erro, nem que possa ter tido
qualquer tipo de responsabilidade em absolutamente nada que lhe
aconteceu de ruim. Mentiu a si próprio achando que não havia corrupção
em seu governo, e que nada iria lhe acontecer por conta de seu casamento
com empreiteiros de obras, piratas disfarçados de empresários
(“campeões nacionais”) e ladrões da Petrobrás. Fechou-se num mundo
imaginário onde ninguém lhe dizia, nem ele permitia que lhe dissessem,
que o convívio íntimo com políticos venais, fornecedores vigaristas do
governo e toda a espécie de corruptos poderia, um dia, dar problema.
Acreditou que o PT não sairia nunca do governo. Em vez de pagar pelo
maldito triplex e pelas reformas no raio do sítio – e pronto – exigiu
fazer tudo do seu jeito. Não quis ouvir um único advogado capaz de lhe
mostrar as realidades da sua metástase perante o Código Penal. Quando a
casa caiu, a culpa foi de Sérgio Moro, do FBI, das elites, da imprensa, “deles” – nunca de um erro seu.
Solto, Lula continua vivendo na sua miragem. No deserto, o viajante
vê um oásis à frente. O ex-presidente vê a si próprio como já foi um
dia. O problema, para ambos, é que as miragens desmancham quando se
chega perto delas.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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