O cientista não sabe, mas nem por isso deixa de equiparar o fenômeno do
envelhecimento a uma doença como o câncer ou a diabetes. Artigo de José
Villaverde Cabral, publicado pelo Observador:
Viver para sempre é um dos mais antigos desejos – ou, melhor dizendo,
um dos mais antigos mitos – da humanidade. A medicina em geral e as
ciências biomédicas em particular alimentam de algum modo, se não o mito
da vida eterna, pelo menos a esperança de vivermos cada vez mais tempo e
com mais saúde. Há provas de que a biomedicina continuará nesse
caminho, embora nem todo o aumento da longevidade resulte exclusivamente
das ciências médicas. Entretanto, o prolongamento do envelhecimento por
cada vez mais tempo não será, em fim de vida, necessariamente mais
saudável do que é hoje e não deixará de terminar pela morte.
Quando nasci, a esperança média de vida à nascença de uma criança do
sexo masculino era, em Portugal, cerca de 50 anos; hoje está perto de
80. A longevidade das mulheres já então era, em média, superior à dos
homens e, hoje em dia, a diferença ainda é maior devido aos ganhos
médicos na gravidez e no parto. É evidente, porém, que o ciclo de vida
das pessoas, desde as origens sociais à actividade profissional,
continua a condicionar fortemente a esperança de vida de cada um segundo
a classe social a que pertence.
Da primeira vez que foi feito um estudo aprofundado dos determinantes
sociais das desigualdades em saúde e a esperança média de vida a
diferença encontrada pelo médico e investigador Michael Marmot entre os
estivadores de Glasgow e os altos funcionários de Westminster era de 12 anos!
Hoje ainda será, no mínimo, metade disso entre trabalhadores manuais e
intelectuais nos países mais desenvolvidos, para não falar das
diferenças do estado de saúde e da longevidade entre países ricos e pobres.
Vêm estes comentários a propósito de uma entrevista publicada no
«Público» do dia 24 na qual o biólogo Salvador Macip teria dito que «a
imortalidade é biologicamente possível». Dá como exemplo um hidrozoário
imortal de nome «hidra», o que na minha ignorância não posso contestar, e
acrescenta que «resta saber se um organismo complexo como o nosso pode
alcançar a imortalidade», concluindo prudentemente: «Eu não sei»…
O cientista não sabe mas nem por isso deixa de equiparar o fenómeno
do envelhecimento a uma doença como o cancro ou a diabetes. Afinal, ao
contrário do que pensávamos até aqui, o envelhecimento humano não é um
processo universal de duração irregular em que o protagonista acaba por
morrer, algumas vezes não se sabe de quê… Segundo o cientista, o
envelhecimento seria, como doença que segundo ele é, susceptível de ser
curado pela biomedicina como outras doenças têm sido. Em suma, a
imortalidade estaria à distância de um medicamento que se trata de
descobrir!
Não poderia haver notícias melhores, já que as incidências dos
processos de envelhecimento são cada vez mais prolongadas e se
repercutem no campo da saúde, ao ponto de estarem a pôr em risco o
funcionamento dos serviços de saúde de vários países europeus como
Portugal. Infelizmente, não é a primeira – mas sim a enésima vez – que a
humanidade procura projectar a sua finitude numa forma qualquer de
imortalidade. Foi para isso que se inventaram as religiões, pois pode
ser consolador pensar que um deus nos daria a imortalidade… Mas não num
medicamento!
O assunto é, porém, sério de mais e é improvável que o cientista em
causa faça vaticínios destes apenas a fim de obter financiamento para o
seu projecto… Mesmo que a imortalidade não esteja, por assim dizer, numa
aspirina especial, o nosso cientista garante que «cada vez veremos mais
tratamentos e mais coisas (que coisas pergunto eu?) que podemos fazer… e
vamos conseguir parar, atrasar e talvez reverter o envelhecimento».
Segundo o Google Scholar, o Doutor Macip tem uma vasta lista de publicações científicas. Possui pois cultura e conhecimentos suficientes para saber que está a pisar um terreno minado.
Falar da «cura do envelhecimento» e, quem sabe, da «imortalidade»
exige reler o que a literatura clássica nos deixou a este respeito.
Jonathan Swift, conhecido de todos pelas «Viagens de Gulliver» (1726),
faz na sua ida a Luggnagg uma «descrição especial dos Strulbrugs», ou
seja, os Imortais da ilha. No final da narrativa, o autor diz isto: «O
enorme Apetite pela Perpetuidade da Vida que eu antes sentia diminuiu
muito. Aumentou a minha vergonha pelas Visões que antes tinha e pensei
que nenhum Tirano seria capaz de inventar uma Morte para a qual eu não
fugisse com Prazer de tal Vida. O rei de Luggnagg ainda pensou em
oferecer-me um casal de Imortais para eu levar para o meu país de modo a
armar o Povo contra o Medo da Morte…»! Duzentos anos depois, Jorge Luís
Borges («El imortal», Aleph, 1946) pensava o mesmo: os seus Imortais
procuram incansavelmente o rio que lhes havia dado a Imortalidade a fim
de o atravessarem de novo e morrerem como todos nós…
BLOG ORLANDO TAMBOSI

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