Os gulags deixaram os meninos e as meninas do quartier latin com caganeira. Coluna de Luiz Felipe Pondé, via FSP:
Hoje
veremos a polarização política na sua versão circense. A esquerda de
hoje é um fetiche daqueles que fumam um e se revoltam contra a violência
bolsonarista. Detalhe: todo mundo que fuma um investe no crime, mesmo
que seja com boas intenções, no meio das Perdizes. Aliás, um dos ícones
da esquerda pós-1968 disse que as prisões só servem para reprimir as
vítimas da repressão burguesa. Então que soltem os bandidos das prisões!
O pensamento, às vezes, atinge as raias da picaretice mesmo.
Os
fundadores da gourmetização da esquerda foram os hippies, com a criação
da preguiça como forma de crítica social. Preguiçosos sempre existiram,
mas preguiça como “atitude política” nasceu com os vagabundos dos EUA
dos anos 1960.
A partir do Maio de 1968, em Paris, a esquerda, alimentada por delirantes como Herbert Marcuse,
teve que buscar inspiração noutras paragens que não russas. Viram que o
povo era reacionário. O povo gosta de bater, humilhar, férias pagas em
cem anos, carros, as mulheres adoram caras com grana para desfilar com
elas em cima dos saltos, enfim.
A
esquerda pós anos 1960 resolveu que iria “democratizar a democracia”,
inclusive porque percebeu que, se brincasse muito com os soviéticos de
então, iam virar gelo na Sibéria, como bem mostra Mathieu Bock-Côté no
seu brilhante “O Multiculturalismo como Religião Política” (Ed. É
Realizações, 280 págs, R$ 35,93).
A
violência soviética tornou impossível para qualquer pessoa, com o mínimo
de consciência moral, apoiar o escândalo bolchevique. Os gulags
deixaram os meninos e as meninas do quartier latin com caganeira.
Se me
perguntassem qual a diferença de um russo para um ocidental nesses
assuntos de guerra, diplomacia e similares, eu diria: os russos não
suportam gourmetização.
Putin
tem consciência disso. Enquanto nossos movimentos de crítica social
falam de coisas como gênero, apropriação cultural, violência simbólica e
outros fetiches, os russos invadem o que eles querem, como sempre o
fizeram.
Sei que a
teoria oficial é a de que a esquerda evoluiu historicamente para novas
pautas. Eu acho que deu caganeira mesmo na esquerda, e ela decidiu fazer
revolução em festivais de cinema, vernissages e desfiles de moda, lugar
de gente inofensiva.
O
“estilo” se tornou arma de crítica social, assim como a preguiça se
tornara na contracultura. Alguém quer combater a opressão aos negros?
Basta inventar um jeito de se vestir ou pentear o cabelo que seja,
supostamente, relacionado à África. Ir viver uns 40 anos lá para “resgatar as raízes”,
nem pensar. A vida lá é dura demais para quem faz crítica como
lifestyle, mais fácil fazer uma instalação sobre cultura afro em Nova
York ou falar da opressão enquanto faz lifestyle na semana de moda em
Milão. Entre em contato com a África comendo uma pasta num restaurante
descolado. Lênin mandaria toda essa moçada para o gulag a fim de ser
reeducada.
Mas o
fenômeno revolucionário de brinquedo não fica no cantinho da esquerda
lifestyle. Existe a direita espiritualizada que acha essa “coisa da
corrupção do PT” um horror (como se este fosse o primeiro caso de
partido que vira gangue e com as bênçãos da elite) e investe em
workshops de espiritualização como combate ao materialismo moderno. Por
exemplo: gente que admira profundamente o respeito que se tem pelos mais
velhos no Oriente.
O
Oriente, aliás, é um fetiche de quem gosta de brincar de
espiritualidade. É legal ir lá, inclusive, porque a viagem é longa e dá
para curtir a business da Emirates bastante. Quando ouço frases
emocionadas do tipo “no Oriente eles não perderam suas tradições”, sei
que estou diante de alguém com Q.I. 12.
Pois é, a
direita espiritualizada é fofa. Imagine uma dessa gente espiritualizada
de butique encarando as bases reais do respeito pelos mais velhos na China.
Por exemplo: cale a boca e obedeça aos pais, aos avós, aos bisavós, ao
governo, aos ancestrais. Não se aprende a respeitar os mais velhos
ficando três dias num workshop na China sobre modo de vida oriental.
Aprende-se a respeitar os mais velhos lavando a bunda suja deles,
sorrindo.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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