Suspender o Parlamento é uma jogada de alto risco, mas o
primeiro-ministro viu o que aconteceu com sua antecessora e sabe que não
tem futuro se vacilar. Artigo de Vilma Gryzinski:
Ele é fraco, um bufão, narcisista, falastrão, sem disciplina, não tem
consistência, vai quebrar sob pressão, não serve para comandar um
governo, ainda mais com a monumental encrenca do Brexit.
Ah, sim, também mentiroso (esta acusação feita por um jornalista/militante e copiada do New York Times mundo afora).
Pode ser que muito disso se confirme, mas ao pedir a suspensão do Parlamento, Boris Johnson mostrou que pelo menos tem um plano. E está operando para executá-lo.
É difícil explicar as dimensões monumentais de mexer com o Parlamento na Grã-Bretanha.
No reino, o Parlamento é o poder absoluto: o executivo, os dois ramos
legislativos, o judiciário e até o monarca. Não existe decisão de
Suprema Corte que o atinja. É proibido fazer qualquer lei que afete este
arranjo.
Para os britânicos, suspender um Parlamento em pleno exercício – com
aprovação da rainha, claro – é daquelas iniciativas que movem placas
tectônicas.
Quando Boris Johnson foi eleito pelo Partido Conservador, com um
prazo de 100 dias para efetivar a saída da União Europeia, uma das
iniciativas cogitadas por analistas políticos foi essa.
Conclusão praticamente unânime: impossível, seria radical demais.
Excepcionalmente para um político considerado indisciplinado, Boris manteve o sigilo do plano e soltou a surpresa hoje.
E por que está fazendo isso?
Para combater o seu próprio partido, os inimigos internos – sempre os
mais poderosos. Foi uma espécie de contragolpe. Obviamente, dentro das
regras do jogo democrático, ao contrário do que dizem os praticantes do
jus esperneandi, no momento em estado de choque.
Tendo sabotado, enfraquecido e impossibilitado a sobrevivência
política de Theresa May, os parlamentares conservadores que são contra o
Brexit tramavam ir mais longe com Boris Johnson.
Chegaram a tramar um governo de união nacional entre conservadores anti-Brexit e trabalhistas.
Iriam à rainha, invocariam uma grave emergência e, pronto, tudo
resolvido: estaria evitada o que consideram a tragédia do Dia das
Bruxas, o 31 de outubro em que, não existindo um acordo, o Reino Unido
tem que sair a seco do mercado comum envolvendo os outros 27 membros da
União.
Presumivelmente, Boris Johnson também espera impressionar os líderes
europeus que contam o suficiente para conseguir o impossível.
Ou seja, que aceitem uma mudança no que foi acordado na época de Theresa May.
A encrenca toda está montada em cima de como será o movimento
comercial entre a República da Irlanda, um país independente que
continua a integrar a União Europeia, e a Irlanda do Norte, a pontinha
da ilha ainda integrada ao Reino Unido.
May aceitou que o comércio continuasse como sempre entre as partes
irlandesas. Resultado: o resto do reino também permaneceria por tempo
indefinido sob as regras da União Europeia. O resultado do plebiscito
aprovando o Brexit seria jogado no lixo.
É importante ressaltar que as forças políticas contra o Brexit –
agora, mais conformadas, contra a saída a seco – agem movidas por
argumentos formidáveis.
Acham que o reino vai ser gravemente prejudicado em termos
econômicos, as exportações entrarão em colapso, a libra irá para o
brejo, levando junto o prestígio nacional e vai faltar tudo – de tomates
sicilianos a operadores cingaporeanos na City.
Boris Johnson, que fez campanha pelo Brexit, sabe que se não cumprir o
que prometeu – entregar na data marcada – será o mais breve e mais
fracassado primeiro-ministro da história.
Se conseguir, ainda tem que evitar tudo o que o pessoal contra o Brexit está dizendo que vai acontecer.
A suspensão do Parlamento, se aprovada, será temporária, uma espécie de longo intervalo de nove semanas numa luta de boxe.
Volta à ativa com o discurso da rainha, a ocasião solene em que
Elizabeth II vai de carruagem, coroa de Estado e roupas de gala até o
Parlamento e lê os planos do governo eleito diante dos Lordes e dos
Comuns.
A data do discurso é 14 de outubro. Sobrariam assim duas semanas para o tudo ou nada.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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