Timmermans, o principal burocrata da UE. |
Poder, 300 mil euros por ano, 33 mil funcionários e escolha na base do
conchavo explicam por que ser presidente da Comissão Europeia causa
tanta briga. Artigo de Vilma Gryzinski:
Mesmo quem tem um interesse razoável em política internacional
encontraria dificuldades para identificar nomes como Manfred Weber,
Frans Timmermans, Jan Zahradil ou Margrethe Vestager. Para não falar em
Spitzkandidat, palavra que fica mais assustadora ainda quando
pronunciada à alemã com o “Sch” na consoante inicial.
Significa o sistema pelo qual o bloco de partidos que elegeu mais
representantes para o Parlamento Europeu tem direito a escolher o
presidente da Comissão Europeia.
É um emprego dos sonhos ao qual nem as grandes burocracias da
história fazem sombra. Sem contar que o grão-mandarim da China Imperial,
secretário (ou ministro ou maior influencer) do imperador no topo da
escala civil do serviço público, ou o grão-vizir do Império Otomano,
corriam o risco de: a) ser castrados; b) ser executados.
No paraíso da União Europeia, que se considera herdeira de todas as
conquistas da civilização ocidental, o maior risco é o da briga de
bastidores entre os países mais importantes- embora todos os 27
integrantes, inclusive os menores, tenham direito a voto. E inclusive,
bizarramente, a Grã-Bretanha, ainda enrolada no sai-não-sai.
Por causa dessa disputa de peixes graúdos, Manfred Weber,
representante do maior bloco de partidos do Parlamento Europeu, os de
centro-direita e adjacências, e preferido da primeira-ministra Angela
Merkel, e rejeitado pelo presidente Emmanuel Macon, perdeu o bonde.
Mas não, obviamente, a boquinha. Numa transmissão ao vivo pelo
Facebook, o primeiro-ministro da Bulgaria, Boyko Borissov, revelou como
são feitas as salsichas, quer dizer, a partilha do bolo.
“Está sendo costurado um compromisso”, disse ele ao encontrar o
social-democrata holandês Frans Timmermans, pouco antes de sua coroação.
O holandês levaria a presidência da Comissão Europeia, com seu polpudo
salário de 300 mil euros por ano e mais uma série de mordomias, e o
alemão Manfred Weber, a do Parlamento Europeu.
Timmermans arriscou uma palavra em búlgaro – “prekasno”, ou
maravilha. Não foi exatamente um esforço muito grande de relações
institucionais: além do holandês e do dialeto regional limburguês, ele
fala inglês francês, alemão, italiano e russo.
Levantamento de copo
Antes que o martelo fosse batido na escolha final, a piada que rolava
era que com Timmermans ou Weber, quem continuaria a mandar mesmo seria
Martin Selmayr.
Na prática, o alemão de 47 anos já havia assumido o controle, por
assim dizer, de Jean-Claude Juncker, o muito falante representante de
Luxemburgo que se tornou uma figura abominada pelos eurocéticos,
principalmente na Inglaterra.
Com problemas de saúde (ciática ou levantamento de copo ou ambos),
Juncker já tinha transferido o comando para seu protegido Selmayr mesmo
antes de se aproximar do fim de seu mandato como presidente da União
Europeia.
No começo do ano, houve um “golpe” interno, surpreendente para os
padrões morosos da burocracia europeia: de chefe de gabinete de Juncker,
Selmayr foi catapultado a secretário-geral da Comissão, encarregado do
estarrecedor corpo de 33 mil funcionários, a nata dos eurocratas.
Teoricamente, é o presidente da Comissão e os demais 26 comissários
que têm o comando, mas Selmayr é incrivelmente esperto nas artes da
articulação.
Para acalmar os comissários, uma designação infeliz por evocar os
agentes políticos que controlavam todas as instâncias do poder civil e
militar na União Soviética, ele criou um mecanismo de “transição”.
Aqueles que estiveram na boca da aposentadoria, receberão durante dois
anos dois terços do salário de 13 500 euros.
Melhor não deixar esse cara nem passar perto de Brasília para não dar mais ideias maléficas ainda.
São mordomias assim, além dos constantes prédios de centenas de
milhões de dólares, do ultrarregulacionismo e das ingerências na
soberania nacional, que alimentam o euroceticismo e, no final de tudo,
rupturas espantosas como a opção da maioria do eleitorado britânico pelo
Brexit.
Só de tradutores, para colocar a interminável papelada nos 24 idiomas
falados na União Europeia, são 4 300, mais 800 intérpretes.
As leis fundamentais de todas as burocracias são conhecidas: 1)
multiplicar-se: 2) criar castas: 3) aumentar seus próprios privilégios.
A meritocracia, a ordem, a imparcialidade e outras vantagens da
burocracias exaltadas por um xará do candidato alemão derrotado – Max
Weber – , empalidecem na ausência de mecanismos de controle.
Atenção: estamos falando até agora da Comissão Europeia. Tem também o
Conselho Europeu, atualmente presidido pelo ex-primeiro-ministro Donald
Tusk, com um relativamente modesto corpo de 3 500 funcionários.
O Parlamento Europeu tem 7 500. Imaginem a bronca – e o pânico – quando saiu das urnas um acontecimento telúrico como o Brexit.
Tusk tem uma natural rivalidade com o atual governo da Polônia, que é militantemente conservador.
A União Europeia tem lançado várias iniciativas punitivas contra
ex-satélites soviéticos que são de direita, mas não cogitam abandonar as
vantagens obtidas pela participação no guarda-chuva europeu de
vantagens, como Polônia e Hungria.
A aversão ao governo polonês é compartilhada por Frans Timmermans. O
holandês fez uma campanha ativa pelos direitos humanos na Polônia. E
qual direito estava sendo infringido? Ao aborto (na Polônia ainda muito
católica, o aborto ainda é altamente limitado, como no Brasil, e o
governo queria mais restrições).
Não vamos entrar nas complicações do tema aqui, mas incluir matar
embriões e fetos – terminar, na palavra menos chocante -, não parece uma
causa exatamente nobre. Ainda mais para um político com o catolicíssimo
nome de Francisco Cornelis Gerardus Maria.
Os católicos são uma minoria na protestantíssima Holanda, embora o
país esteja na vanguarda da retração das crenças religiosas de qualquer
denominação – as cristãs, evidentemente.
Na véspera da última eleição para o Parlamento Europeu, Timmermans mandou um tuíte esquisito.
“Ontem à noite, fiz aos jovens de Varsóvia a mesma pergunta que faço
em toda a Europa: vocês não deixam seus pais escolherem suas roupas, por
que deixariam que escolham seu futuro?”.
Além da tática ridícula de querer jogar jovens contra velhos,
considerados atrasados e antiquados por seu apego ao estado-nação -,
ainda existe um fator fundamental: pais, avós, bisavós e até onde a
visão histórica alcança na complicada história da Polônia lutaram pelo
direito da própria sobrevivência nacional.
Enfrentar os impérios russo e austríaco, a Prússia, a Alemanha e, de
novo, os russos, dessa vez soviéticos, não é exatamente comparável a
escolher um guarda-roupa da própria cabeça.
Modelo platônico
A eleição de maio, à qual Timmermans se referiu tão impropriamente, provocou resultados desestabilizantes para a União Europeia.
Um partido que não existia um mês e meio antes da eleição, o Partido
do Brexit, criado na Grã-Bretanha por Nigel Farage, empatou em maior
número de representantes no Parlamento Europeu – 29 – com a Democracia
Cristã alemã, o partido de Angela Merkel.
A Coligação Nacional de Marine Le Pen elegeu 22 representantes, um a
mais que a República em Marcha de Emmanuel Macron. A Liga de Matteo
Salvini, que era um partido separatista regional, arrasou com 28
representantes.
A perdas do bloco de centro-direita acabaram favorecendo o bloco de
centro-esquerda, refletindo-se na disputa entre Manfred Weber e Frans
Timmermans.
Mas o motivo real foi a briga de Macron para não deixar a Alemanha,
cada vez mais hegemônica com a futura saída da Grã-Bretanha, ocupar três
dos quatro cargos mais importantes da União Europeia.
Timmermans acabou virando uma espécie de candidato do consenso
possível nas composições de bastidores entre os grandes. Os pequenos
continuam esperneando, motivo da excepcional demora no processo.
Nada mau ser escolhido “imperador”da Europa – daí as brincadeiras de
internet que o colocam como o kaiser do Sacro Império Romano – sem
precisar ter linhagem, exércitos, bênção do papa ou, mais plebeiamente,
votos.
Depois de sagrado, será “submetido”, com tudo já decidido, à votação do Parlamento Europeu.
O Telegraph descreveu todo o processo da seguinte maneira: “O modelo
europeu é essencialmente platônico, um verniz de democracia controlada
por potências divididas e uma classe política autosselecionada.“
“É um arcabouço constitucional desenhado por políticos que não
confiavam em suas próprias populações. Está a um milhão de milhas do
sistema britânico, onde o governo é formado por membros do Parlamento
eleitos diretamente pelo povo, no qual o Parlamento é soberano e os
eleitores entendem quem está no comando e os limites de seus poderes.”
Timmermans, obviamente, tem horror ao Brexit, a maior ameaça que já
surgiu ao sistema e sua casta. Já comparou os “brexiters” ao personagem
Black Knight do filme Monty Phyton e o Santo Graal. O cavaleiro vai
sendo esquartejado vivo pelo rei Artur, enquanto ameaça morder suas
pernas.
Com ele ou outro, os mais céticos acham que, de qualquer maneira, a Alemanha vai continuar mandando cada vez mais.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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