segunda-feira, 1 de julho de 2019

Brasil tem muito a ensinar sobre meio ambiente à Alemanha? Confira aqui.


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Alemanha tem pouco sol, mas incentiva utilização da energia solar
Deu na BBC
Mesmo antes de as reuniões no fórum do G20 começarem, a política ambiental do governo de Jair Bolsonaro já gerava discussões e troca de acusações. A chanceler alemã, Angela Merkel, disse, na quarata-feira (26), considerar “dramática” a situação do Brasil em questões de meio ambiente e direitos humanos, ao que o presidente brasileiro respondeu que “a Alemanha tem muito a aprender com o Brasil” nessa área.
Como a Floresta Amazônica recebe dinheiro internacional para sua preservação e é considerada a maior reserva de biodiversidade do mundo, não é incomum que seja alvo de discussões internacionais. A Alemanha é a segunda maior doadora – com R$ 192,6 milhões até agora, atrás só da Noruega – do Fundo da Amazônia, que promove iniciativas para conservar a floresta brasileira.
ALGO A ENSINAR? Será possível, porém, dizer, qual país pode ensinar o outro em proteção ambiental? A comparação feita pelo presidente faz algum sentido? O Brasil tem algo a ensinar sobre preservação do ambiente?
A BBC News Brasil ouviu especialistas que afirmam que é difícil comparar os dois países porque boa parte das diferenças entre eles na área envolvem questões históricas e geográficas. Além disso, dizem, discutir política ambiental não é uma questão de quem sai ganhando ou perdendo.
“A destruição do ambiente é um problema que precisa ser abordado de maneira global, e quando o ambiente é destruído, todos perdem”, afirma o geógrafo Mário Mantovani, diretor de mobilização da ONG SOS Mata Atlântica.
AVANÇOS E RECUOS – No entanto, é possível dizer onde cada país tem ou não avançado – e onde falta avançar. “O Brasil já teve de fato avanços na questão da preservação, mas não foram conquistas do Bolsonaro, (…) que desmontou os órgãos de fiscalização e destruiu mecanismos que vinham garantindo pequenas conquistas”, afirma Mantovani. É importante lembrar, diz ele, que as críticas feitas por Merkel não foram ao Brasil como nação ou ao Estado brasileiro, mas ao governo Bolsonaro.
Um amplo estudo científico publicado em maio afirma que Brasil é hoje – ao lado dos EUA – líder mundial em retrocessos ambientais. “Antes campeões em conservação global, Estados Unidos e Brasil estão agora liderando uma tendência mundial preocupante de grandes retrocessos na política ambiental, colocando em risco centenas de áreas protegidas”, diz comunicado divulgado pela Associação Americana Para o Avanço da Ciência.
MUITAS DIFERENÇAS – É bom lembrar que Brasil e Alemanha têm história e geografia completamente diferentes, que ditaram sua ocupação urbana, sua matriz energética e suas fontes de renda.
“A Alemanha tem uma história de ocupação extrativista de milhares de anos, além de um território menor, com maior densidade populacional”, explica Mário Mantovani.
Enquanto no Brasil, diz ele, pode se considerar que a ocupação tem 500 anos, porque os povos que viviam antes da colonização não tinham um impacto negativo no ambiente. Outro exemplo é o fato de o Brasil ter maior abundância de rios, que favorecem uma matriz energética com menos emissão de CO2, além de uma economia mais voltada à agricultura do que a alemã. Isso impede comparações exatas entre os dois países.
AQUECIMENTO GLOBAL – Para o Greenpeace, a Alemanha ainda está longe de ser um exemplo ideal – ainda investe menos em proteção ambiental do que promete, segundo a ONG, e tem grande parte de sua matriz energética dependente do carvão e do petróleo, que são grandes fontes de emissão de gases que contribuem para as mudanças climáticas.
Segundo o Projeto Global do Carbono, a Alemanha emitiu em 2016 um total de 89,83 bilhões de toneladas de CO2, contra 13,88 bilhões de toneladas do Brasil – quantidade que, embora seja muito menor que a alemã, é considerada alta por especialistas, especialmente considerando nosso nível menor de industrialização.
Só que, sob pressão de suas populações, países europeus como a Alemanha têm assumido (e cobrado) compromissos cada vez maiores com a preservação ambiental, diz à BBC News Brasil Marcio Astrini, coordenador de políticas públicas do Greenpeace. Ele vê o rumo oposto no Brasil.
RUMO OPOSTO – “O caminho de países como a Alemanha ainda é insuficiente, mas o Brasil está no caminho oposto: Bolsonaro tem incentivado o desmatamento, coloca em dúvida o Acordo Climático de Paris (principal acordo internacional de redução de emissões de gases do efeito estufa) e sua diplomacia coloca em dúvida a própria existência (do aquecimento global)”, diz.
Ele se refere ao texto escrito pelo chanceler Ernesto Araújo, dizendo que a defesa ambiental foi “pervertida” pela esquerda e transformada na “ideologia da mudança climática”.
“O Brasil deu um cavalo de pau no que fazia até agora em questão climática e sai de uma posição em que tentava ajudar (a preservação ambiental) para uma de vilão climático”, afirma Astrini.
UMA SAIA JUSTA – Para Mantovani, a postura do governo Bolsonaro em relação ao ambiente faz com que ele não esteja em posição de questionar a Alemanha. “Como alguém que ameaça sair do Acordo de Paris pode questionar a Alemanha, mesmo que o país seja um grande emissor, quando ela tem um compromisso de redução que esse governo não assume?”, questiona.
Segundo a Comissão Europeia, os países da União Europeia, incluindo a Alemanha, abrigam hoje apenas 5% das florestas mundiais, depois de terem passado por um longo processo de desmatamento para a ocupação humana e a industrialização – o que tem exigido volumosos investimentos para a recuperação de matas nativas.
O Brasil, porém, teve processo histórico de destruição semelhante, aponta Izabella Teixeira, que foi ministra do Meio Ambiente nos governos Lula e Dilma (2010 a 2016).
DEVASTAÇÃO – “Temos duas florestas tropicais, e uma delas, a Mata Atlântica, foi destruída pelo desenvolvimento – só 10% estão hoje preservados”, afirma a ex-ministra à BBC News Brasil.
Mantovani afirma que, mesmo que já tenhamos conseguido reduzir o ritmo do desmatamento do passado – o país teve um período de queda de 70% nas taxas de desmatamento em 2013, na comparação com média entre 1996 e 2005, mas depois as taxas voltaram a subir.
Os especialistas citam como ameaça, por exemplo, a revisão das unidades de conservação, que, segundo o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, poderão ter a área recalculada ou mesmo serem extintas. O ministro diz que as unidades foram feitas “sem critério técnico”.
PROJETO BOLSONARO – Também há um projeto em andamento do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho do presidente, que quer acabar com as reservas legais, áreas protegidas de mata nativa em propriedades rurais que não podem ser desmatadas.
“Isso pode resultar em um desmatamento desastroso”, diz Mantovani. Além disso, aponta, houve um desmonte do mecanismo de fiscalização, que, segundo ele, já não recebia recursos suficientes. Bolsonaro chegou a chamar o Ibama de “indústria da multa”.
Segundo dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) compilados pela Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar), 60,7% da energia elétrica brasileira vem de hidrelétricas e há porcentagens importantes de outras fontes renováveis: 8,6% de biomassa e 8,7% de energia eólica, por exemplo. Segundo o relatório BP Energy Outlook, esses são os maiores índices encontrados em qualquer país.
A Alemanha, em contrapartida, ainda é muito dependente da energia vinda do carvão para alimentar suas indústrias e aquecer seus lares, diz Astrini, do Greenpeace.
CARVÃO NA ALEMANHA – Segundo a agência Bloomberg, em 2018, cerca de 35% de sua produção de energia vinha de diferentes tipos de carvão (contra 1,9% do Brasil), uma fonte extremamente poluente.
O país europeu comprometeu-se em janeiro a fechar todas as suas usinas de carvão ao longo dos próximos 19 anos, como parte de seus compromissos internacionais de combate às mudanças climáticas. Ambientalistas, porém, têm pressionado para que esse prazo seja encurtado.
Já a Floresta Amazônica é questão central no debate ecológico internacional. O Brasil vinha conseguindo reduzir o desmatamento e tinha posição de destaque nas cúpulas climáticas internacionais, diz Astrini.
DESMATAMENTO – No entanto, dados oficiais divulgados no final de 2018 de monitoramento da Amazônia apontaram um aumento de 13,7% no desmatamento em relação aos 12 meses anteriores – uma perda de 7,9 mil quilômetros quadrados, o equivalente a mais de cinco vezes a área de cidade de São Paulo, informou a ONG ambiental WWF. Foi a maior taxa desde 2009.
Em dez anos, um fundo internacional (o Fundo Amazônia) financiado sobretudo por Noruega e Alemanha injetou cerca de R$ 1,8 bilhão em projetos de preservação, mas sua eficácia foi alvo de questionamentos do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles – o que também gerou crítica de ambientalistas e mal-estar com doadores internacionais.
“A proteção da Amazônia tem papel crucial no equilíbrio do clima do planeta, o que explica o interesse dos demais países pelo uso racional, e não para atentar contra a soberania brasileira”, diz a ex-ministra Izabella Teixeira.
ATENÇÃO MUNDIAL – Para Nicole Stopfer, chefe do Programa de Segurança Energética e Mudança Climática da fundação política alemã Konrad-Adenauer-Stiftung (KAS), “se olharmos a partir de uma escala global, 13% das emissões de gases do efeito estufa vêm do desmatamento, então reduzir esse desmatamento é crucial para a comunidade internacional. Por isso, faz sentido a atenção internacional (na Amazônia)”.
Em entrevista à BBC News Brasil no G20 em Osaka, Ricardo Salles disse que o governo insistirá na mensagem de que é preciso explorar as possibilidades econômicas da Amazônia, diversificando as atividades dentro e no entorno da floresta.
Ele ainda disse que o governo brasileiro vai exigir que países ricos paguem compensações a produtores rurais brasileiros se quiserem que o Brasil conserve mais a floresta.

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