terça-feira, 30 de julho de 2019

A cultura do ressentimento


É esta filosofia da inveja que impera no cerne do pensamento socialista e revolucionário. Artigo de João Pinheiro da Silva, via O Insurgente:

Nietzsche é um filósofo pop. Como diria o Dâmaso de Eça: é “chique a valer”. Todos falam sobre a morte de Deus, sobre o Super-Homem e até, no caso dos poucos que realmente o leram, sobre o eterno retorno. Contudo, é comummente deixado de lado um dos seus mais importantes pensamentos: a análise do ressentimento.

Para Nietzsche, o ressentimento é uma espécie de desespero existencial diante da indiferença do Universo perante cada um de nós. É o tomar consciência de que as estrelas não brilham para magnificar os nossos olhos, assim como o mar não existe para que nademos nele. Assim, as razões para o ressentimento são intermináveis. Qualquer um dos motivos que levaram Caim a matar Abel criam em nós esse ressentimento: o inferno que é lidar com pessoas mais capazes e afortunadas do que nós mesmos, por exemplo.

Uma das formas mais fáceis de atenuar este problema abismal é querer que o resolvam por nós ou simplesmente atirar a culpa para um terceiro, para uma estrutura ou abstracção social. A base do ódio organizado à beleza e à riqueza (mascarado de impostos progressivos em nome da “justiça social” – expressão em que, como o velho Hayek notou, é um pleonasmo) é, a rigor, o bom e velho ressentimento. Luta de classes é a fantasia que se tem contra os mais afortunados e mais competentes, ou seja, ressentimento. A obsessão moderna por tornar toda a gente igual (diferente da nobre noção de que somos iguais perante a lei) é puro ressentimento. Julgar que, enquanto artista, eu deveria receber uma “Bolsa Joana Vasconcelos”, porque o maldito capitalismo não reconhece o meu trabalho, é ressentimento.

E é esta filosofia da inveja que impera no cerne do pensamento socialista e revolucionário. Achar que fortunas alheias prejudicam a humanidade é, por exemplo, um caso preocupante de inveja. Mesmo que estas fortunas sejam obtidas de modo ilícito, o problema não reside no facto das mesmas serem maiores que «a minha», mas na forma ilegítima de como foram obtidas. Esta inveja inveterada é incrivelmente descrita por Ayn Rand em “A revolta de Atlas”, um excelente remédio para o ressentimento moderno. Na sua obra, as pessoas são atacadas pelo seu sucesso e pela concretização das suas realizações, temática resumida na frase «a coisa mais imoral na Terra é ofender alguém não por suas falhas, mas por suas virtudes». A inveja é, a rigor, o ódio do bom por ser bom.

Como Theodore Dalrymple vem demonstrando com as suas obras, o ressentimento ou “sentimentalismo”, como o autor gosta de chamar, tem impregnado tanto a esfera social como a política desde o século XVIII, graças a filósofos como Rousseau. Como descreve Dalrymple: “Nessa época, a visão cristã de que o homem nasceria imperfeito, mas poderia e deveria buscar pessoalmente a perfeição foi primeiramente questionada e depois trocada pela visão romântica de que o homem nascia naturalmente bom, mas era corrompido e transformado em mau por viver numa sociedade má”. Como consequência, “a exibição de vícios tornou-se a prova de maus tratos; o que se considerava defeito moral se tornou condição de vítima.” O criminoso que, na posse de uma faca, comete um crime, torna-se cada vez mais vítima a cada facada que dá. “A faca entrou”.

Para o “sentimentalista” não há criminoso, apenas um ambiente que não lhe deu o que devia. Numa inversão moral extremamente estranha e nociva, é o sofrimento de uma pessoa, e não as suas conquistas e virtudes, que a distingue do restante da espécie. A retórica opressor/oprimido passa a ser a dominante, e êxtases neuróticos como «micro-agressões» tornam-se conceitos estudados e encarados seriamente. Esta retórica ilibe todo o ressentido das suas responsabilidades individuais, problema que é hoje, mais atual que nunca.

Todos são vítimas, todos querem direitos e o Estado aparece como o novo Deus, a esperança de “justiça social” e o assegurador de todos estes fetiches modernos. E achava Nietzsche que Deus estava morto…
BLOG ORLANDO TAMBOSI

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