É esta filosofia da inveja que impera no cerne do pensamento socialista e revolucionário. Artigo de João Pinheiro da Silva, via O Insurgente:
Nietzsche é um filósofo pop. Como diria o Dâmaso de Eça: é “chique a
valer”. Todos falam sobre a morte de Deus, sobre o Super-Homem e até, no
caso dos poucos que realmente o leram, sobre o eterno retorno. Contudo,
é comummente deixado de lado um dos seus mais importantes pensamentos: a
análise do ressentimento.
Para Nietzsche, o ressentimento é uma espécie de desespero
existencial diante da indiferença do Universo perante cada um de nós. É o
tomar consciência de que as estrelas não brilham para magnificar os
nossos olhos, assim como o mar não existe para que nademos nele. Assim,
as razões para o ressentimento são intermináveis. Qualquer um dos
motivos que levaram Caim a matar Abel criam em nós esse ressentimento: o
inferno que é lidar com pessoas mais capazes e afortunadas do que nós
mesmos, por exemplo.
Uma das formas mais fáceis de atenuar este problema abismal é querer
que o resolvam por nós ou simplesmente atirar a culpa para um terceiro,
para uma estrutura ou abstracção social. A base do ódio organizado à
beleza e à riqueza (mascarado de impostos progressivos em nome da
“justiça social” – expressão em que, como o velho Hayek notou, é um
pleonasmo) é, a rigor, o bom e velho ressentimento. Luta de classes é a
fantasia que se tem contra os mais afortunados e mais competentes, ou
seja, ressentimento. A obsessão moderna por tornar toda a gente igual
(diferente da nobre noção de que somos iguais perante a lei) é puro
ressentimento. Julgar que, enquanto artista, eu deveria receber uma
“Bolsa Joana Vasconcelos”, porque o maldito capitalismo não reconhece o
meu trabalho, é ressentimento.
E é esta filosofia da inveja que impera no cerne do pensamento
socialista e revolucionário. Achar que fortunas alheias prejudicam a
humanidade é, por exemplo, um caso preocupante de inveja. Mesmo que
estas fortunas sejam obtidas de modo ilícito, o problema não reside no
facto das mesmas serem maiores que «a minha», mas na forma ilegítima de
como foram obtidas. Esta inveja inveterada é incrivelmente descrita por
Ayn Rand em “A revolta de Atlas”, um excelente remédio para o
ressentimento moderno. Na sua obra, as pessoas são atacadas pelo seu
sucesso e pela concretização das suas realizações, temática resumida na
frase «a coisa mais imoral na Terra é ofender alguém não por suas
falhas, mas por suas virtudes». A inveja é, a rigor, o ódio do bom por
ser bom.
Como Theodore Dalrymple vem demonstrando com as suas obras, o
ressentimento ou “sentimentalismo”, como o autor gosta de chamar, tem
impregnado tanto a esfera social como a política desde o século XVIII,
graças a filósofos como Rousseau. Como descreve Dalrymple: “Nessa época,
a visão cristã de que o homem nasceria imperfeito, mas poderia e
deveria buscar pessoalmente a perfeição foi primeiramente questionada e
depois trocada pela visão romântica de que o homem nascia naturalmente
bom, mas era corrompido e transformado em mau por viver numa sociedade
má”. Como consequência, “a exibição de vícios tornou-se a prova de maus
tratos; o que se considerava defeito moral se tornou condição de
vítima.” O criminoso que, na posse de uma faca, comete um crime,
torna-se cada vez mais vítima a cada facada que dá. “A faca entrou”.
Para o “sentimentalista” não há criminoso, apenas um ambiente que não
lhe deu o que devia. Numa inversão moral extremamente estranha e
nociva, é o sofrimento de uma pessoa, e não as suas conquistas e
virtudes, que a distingue do restante da espécie. A retórica
opressor/oprimido passa a ser a dominante, e êxtases neuróticos como
«micro-agressões» tornam-se conceitos estudados e encarados seriamente.
Esta retórica ilibe todo o ressentido das suas responsabilidades
individuais, problema que é hoje, mais atual que nunca.
Todos são vítimas, todos querem direitos e o Estado aparece como o
novo Deus, a esperança de “justiça social” e o assegurador de todos
estes fetiches modernos. E achava Nietzsche que Deus estava morto…
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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