No futebol, as mulheres ganham menos porque o futebol feminino gera
menos receita que o futebol masculino. Simples assim. Coluna de Flávio
Gordon, publicada pela Gazeta do Povo:
Quando, diante da televisão, vi Marta com aquele batom vermelho-vivo,
soube na hora o que se passava. Ali, naquele instante, morria a
jogadora acima da média para nascer a militante medíocre, reles pastiche
de radicais políticos mais bem-sucedidos. O batom vermelho-vivo era o
signo de que o futebol já não estava no centro de seus interesses, e de
que a atleta, outrora cheia de personalidade em campo, deixara-se
reduzir à miserável condição de porta-bandeira ideológica do feminismo,
decerto atraída pelo canto de sereia do jornalismo justiceiro social, em
especial o das organizações Globo, hoje praticamente uma central de
propaganda de tudo quanto é causa dita “progressista” – progresso, no
mais das vezes, em direção ao abismo.
Sim, eu já vira aquele batom-vermelho vivo antes. Puxando pela
memória, recordo-me, por exemplo, de uma matéria com a jovem atriz
global Bianca Bin, que à época, 2017, era protagonista da novela das
nove, interpretando uma mulher abusada física e emocionalmente pelo
marido. Ademais de vender o produto da emissora, a matéria não passava
de um panfleto feminista típico. “De pele alva, olhos claros e voz doce,
Bianca é a delicadeza em pessoa. Mas também passa o batom vermelhão
(símbolo do feminismo) e vai à luta” – dizia o texto, todo recheado de
expressões como “conscientização” “inclusão”, “libertação”,
“empoderamento”, entre outros topoi politicamente corretos.
Partindo de um problema real – a violência praticada por alguns
homens contra esposas ou namoradas –, a jornalista-militante responsável
por cometer a reportagem elevava-o a uma guerra universal entre os
sexos, versão genderizada da luta de classes marxista. Trata-se, como
veremos, de procedimento típico da militância feminista.
Lembrei que o “batom vermelhão” aparecera também num clipe da cantora
e humorista Clarice Falcão, mais conhecida por haver feito parte do
Porta dos Fundos. Declaradamente feminista, e por isso mesmo anunciado
com alarde na imprensa, o clipe trazia uma versão da canção “Survivor”,
da banda americana Destiny’s Child, cuja letra fala do quão dispensáveis
são os homens.
Na versão da cantora brasileira, ela e outras mulheres aparecem
contra um fundo preto, primeiro de cara lavada, e em seguida passando um
batom vermelho-vivo na boca, no rosto, no corpo e (era essa e mensagem)
onde bem entendessem. Com o batom, também rabiscavam palavras de ordem
pretensamente antissistema, tais como “padrão” (não me peçam para
explicar) e “sapatão”. Ao final do vídeo, surgia na tela a seguinte
mensagem: “É preciso ter coragem para ser mulher nesse mundo. Para viver
como uma. Para escrever sobre elas”.
Parêntese rápido: por ter namorado Gregório Duvivier, Clarice Falcão é
uma das poucas mulheres cujo feminismo me parece não apenas
compreensível, como plenamente justificado. Fim do parêntese.
Toda essa narrativa – reproduzida pela jogadora Marta, pela atriz
Bianca Bin e sua entrevistadora, e pela cantora Clarice Falcão – endossa
acriticamente o pressuposto de que as mulheres são vítimas históricas
dos homens, e de que, portanto, ser mulher já é de algum modo um ato
político de (palavra da moda) resistência. Daí que, nos exemplos acima,
tudo exprima aquele paradoxo tão característico do feminismo
contemporâneo, que consiste numa espécie de compensação neurótica da
postura vitimista (e, pois, fragilizada) das militantes: o recurso a
qualidades tradicionalmente masculinas – que remetem à força física, e
lançam mão de uma retórica belicista de “guerra”, “luta” e “poder” –
como forma de valorização da mulher.
Foi o grande Gustavo Corção um dos primeiros intelectuais brasileiros
a perceber esse paradoxo do feminismo. Já em meados dos anos 1950,
dizia o escritor católico em conferência intitulada A Vocação da Mulher:
“A famosa emancipação da mulher é qualquer coisa como andar sempre uma
oitava acima de nossos timbres masculinos. Dizem as nossas mesmas
frases, mas em falsete”.
E é esse também, basicamente, o argumento da escritora antifeminista
Suzanne Venker no seu livro The War on Men. Referindo-se a expoentes da
assim chamada “segunda onda do feminismo”, a exemplo de Betty Friedan –
autora de The Feminine Mystique, no qual afirma, entre outras sandices,
que as mulheres donas de casa “vivem em confortáveis campos de
concentração” –, Venker mostra como todas elas tinham uma visão esnobe e
elitista de si próprias, acreditando que a vida doméstica e a criação
de filhos eram atividades indignas de seu estatuto de mulheres educadas.
“Essas mulheres não dão qualquer valor à maternidade. Dinheiro e poder é
como elas definem sucesso” – escreve a autora. “O verdadeiro poder,
dizem as feministas, vem em forma de salário”.
Venker aponta também uma característica notável comum às principais
líderes feministas da segunda onda: o fato de serem solteiras,
desquitadas ou mal casadas. Somado a isso, sabe-se que a maioria teve
problemas na infância, sofrendo com abusos ou negligência parental. Nas
palavras da autora: “De fato, muito do que aconteceu com as relações de
gênero neste país é resultado de um movimento influente cujo foco recaiu
exclusivamente sobre mulheres infelizes e frustradas”.
Nisso, o movimento feminista inspirou-se em larga medida nas ideias
de um homem: Alfred Kinsey, o celebrado sexólogo que, anos 1960, teria
abalado o puritanismo da classe média americana, ao demonstrar que, em
matéria de sexo, tudo era normal (no sentido valorativo e estatístico do
termo). Sabe-se hoje que suas pesquisas foram tendenciosas,
fraudulentas e até mesmo criminosas, talhadas ao feitio da agenda
política do movimento de contracultura, com sua crítica à moral
judaico-cristã e às noções tradicionais de família e sexualidade. Os
métodos “científicos” de Kinsey consistiam basicamente na generalização
de dados obtidos junto a maníacos e delinquentes sexuais, retratados
posteriormente como se representassem a média do comportamento sexual da
sociedade americana.
Foi o que, mutatis mutandis, fizeram as feministas, ao enfatizar em
seu discurso apenas casamentos desastrosos – nos quais os maridos eram
abusadores ou cafajestes –, e ignorando a imensa maioria de casamentos
que, embora enfrentando as dificuldades naturais da vida, foram
bem-sucedidos. Com base, portanto, em seu próprio ressentimento, essas
militantes radicais conseguiram instilar medo em muitas mulheres,
terminando por convencê-las de que, não fosse pelo feminismo, elas
seriam escravas ou prisioneiras dos maridos.
Escreve Venker: “Assim, Friedan e suas consortes deram início a uma
revolução com o intuito de se sentirem melhor em relação aos próprios
traumas domésticos e conjugais. Venderam a noção de que as mulheres
americanas são oprimidas – e de que a sociedade precisa intervir para
mudar esse fato”. E conclui, de maneira nua e crua: “O feminismo não é
sobre direitos iguais, nem sobre oferecer às mulheres a chance de
escolher. Não importa o quanto as feministas embelezem a sua agenda, a
missão é clara. O feminismo é uma guerra aos homens”.
A característica essencial de todo discurso ideológico é a
impossibilidade constitutiva de lidar com fatos reais, e a imperiosa
necessidade de criar os próprios fatos. Portanto, para sustentar a
guerra aos homens, e fazer com que a causa feminista pareça muito nobre,
é preciso criar toda uma narrativa sobre a exploração masculina e o
preconceito contra as mulheres. Nessa narrativa, a questão da
disparidade salarial – lembrando que, para o feminismo, como diz Venker,
“o verdadeiro poder vem em forma de salário” – cai como uma luva.
O problema é que, se é verdade que, em geral, essa disparidade de
valores existe (e especialmente no futebol), a conclusão de que se deva a
preconceito e misoginia não passa de delírio da militância.
No futebol, por exemplo, as mulheres ganham menos que os homens
porque o futebol feminino gera menos receita que o futebol masculino.
Simples assim. A despeito de toda a retórica politicamente correta, a
verdade é que não há um interesse espontâneo e consolidado pelo futebol
feminino. A mesma imprensa lacradora e prafrentex que, aproveitando a
ocasião da Copa do Mundo, move essa campanha moralista contra o
“machismo” no futebol ignora solenemente o futebol feminino no resto do
tempo. Ou por acaso a Rede Globo transmite os jogos do Campeonato
Brasileiro de futebol feminino?
Como escreveu o jornalista esportivo Rica Perrone em seu blog: “O
futebol feminino paga mal porque o jogo é ruim, não gera interesse,
portanto não gera rendas compatíveis com os salários do futebol
masculino... O nado sincronizado masculino também não deve ganhar igual
às mulheres. Tal qual modelos masculinos não ganham como a Gisele
[Bündchen]... Se vende mais, ganha-se mais. Se vende menos, ganha-se
menos”.
Saindo do futebol, a questão da disparidade salarial entre homens e
mulheres volta e meia ressurge no discurso feminista da imprensa.
Ressurgiu recentemente quando, em março agora, o IGBE divulgou os
resultados da última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
Contínua (PNAD), onde se mostra que, no mercado formal de trabalho, o
rendimento médio das mulheres equivalia a 79,5% do que era recebido
pelos homens. No ano passado, por exemplo, o rendimento médio das
mulheres foi de R$ 2.050, enquanto os homens receberam R$ 2.579.
Sim, os dados são reais, e apontam uma diferença média entre os
salários de homens e mulheres. Mas daí a dizer que isso se dá por
discriminação machista, como faz a militância jornalística, o salto é
digno de um atleta olímpico.
Para que se provasse a discriminação, seria preciso comparar um homem
e uma mulher exercendo a mesma profissão, ocupando o mesmo cargo e
trabalhando a mesma quantidade de horas semanais. Mas aos portadores do
dado mágico – os 20,5% a menos recebidos pelas mulheres – não interessa
esse exercício de realidade. De posse do dado útil ao discurso
ideológico, ignoram qualquer investigação sobre as razões dessa
diferença média.
Ora, uma dessas razões – talvez a determinante – pode ser encontrada
no mesmo levantamento do IBGE, qual seja: o fato de que, em média, as
mulheres trabalham menos horas que os homens. Em 2018, por exemplo, essa
média foi de 4,8 horas a menos por semana. E isso, como consta
expressamente no PNAD, “sem considerar as horas dedicadas aos afazeres
domésticos e cuidados de pessoas”.
Nada disso importa para a imprensa ativista, evidentemente. Porque,
em lugar de hábitos ultrapassados tais como o de reportar a realidade,
nossos jornalistas-militantes estão hoje mais interessados em induzir no
leitor determinadas respostas automáticas, atraindo assim mais soldados
para as suas fileiras ideológicas. Daí todo o empenho dos
jornalistas-militantes em nos convencer de suas teses extravagantes, tal
como a de que, quando, no último minuto do primeiro tempo da
prorrogação, a atacante Debinha perdeu o gol que poderia ter nos dado a
classificação contra a França no último domingo, foi a sociedade
machista, patriarcal e opressora quem amarrou a sua perna direita.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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