sexta-feira, 28 de junho de 2019

Dinheiro recuperado pela Lava Jato e outras ações paga de reformas a armas


recuperado com a Lava-Jato no Rio 30/11/2018 Foto: Marcos Ramos / Agência O Globo
Escola Pedro Alvares Cabral foi beneficiada pela Lava Jato no Rio
André de Souza
O Globo

Escolas, construção de prédio da Polícia Federal (PF), medidas de prevenção e combate à corrupção, e até a constituição de um fundo gerido pelo Ministério Público (MP), com a possibilidade de aplicação no mercado de capitais. Esses são alguns dos destinos dados, no Brasil, a recursos oriundos de decisões judiciais, como multas, penas alternativas e delações premiadas. A lista também inclui hospitais, penitenciárias, aposentadorias, armas e viaturas para a polícia.
Em março, chegaram ao Supremo Tribunal Federal (STF) duas ações questionando um fundo da Lava-Jato de Curitiba para gerir R$ 2,5 bilhões do acordo firmado pela Petrobras com autoridades dos Estados Unidos.
INFORMAÇÕES – Em uma delas, apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR), o relator, ministro Alexandre de Moraes, suspendeu a criação do fundo. Na outra, PT e PDT questionaram a participação do MP na definição do destino dos recursos em qualquer caso. Nessa ação, Moraes não tomou decisão, mas pediu informações a todos os Tribunais de Justiça dos estados, Tribunais Regionais Federais e unidades do MP estadual. Vários responderam.
Para as delações, não há muitas regras sobre o uso dos recursos. Em geral, os acordos firmados com o MP já preveem seu destino, mas eles precisam ser homologados na Justiça. No Rio de Janeiro, a 3ª Vara Federal informou que mais de R$ 206 milhões da Operação Sangue Negro foram devolvidos à Petrobras. Já a 7ª Vara, comandada pelo juiz Marcelo Bretas, responsável pelos desdobramentos da Lava-Jato, disse que, nos casos em que o estado foi vítima, o dinheiro foi destinado ao pagamento de aposentados, reforma de escolas e investimento em segurança.
No Paraná, o juiz Luiz Antonio Bonat, que sucedeu Sergio Moro, informou que há um depósito bancário de R$ 85,7 milhões fruto do acordo de leniência (espécie de delação para empresas) da Odebrecht.
OUTRAS APLICAÇÕES – A 5ª Vara Federal de Cuiabá, por sua vez, respondeu que, dos R$ 12 milhões de uma delação da Operação Ararath, que investigou um esquema envolvendo políticos de Mato Grosso, quase metade já é aplicado em projetos da PF, como aluguel e construção de um prédio. Na Justiça e no MP estaduais, há outras delações menores, que destinaram, por exemplo, R$ 5 mil para um centro que atende crianças e adolescentes no município de Alto Garças.
A advogada criminalista Carina Quito, mestre em Direito Processual Penal na Universidade de São Paulo (USP), entende que o mais adequado é que os recursos recuperados tenham como destino primeiramente às vítimas e aos entes públicos lesados, e depois à União, a quem cabe definir o que fazer dentro de seu orçamento. Essa tarefa, diz ela, não deve ser do MP. “Não existe na lei que instituiu a delação premiada uma regulamentação específica nesse ponto. O que vemos na prática é que as destinações têm sido feitas um pouco casuisticamente” — disse Carina.
OUTRA OPINIÃO – O presidente do Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais (CNPG) e chefe do MP de Mato Grosso do Sul, Paulo Cezar dos Passos, faz outra avaliação:
— A titularidade da ação penal é do MP. Os acordos de delação vão passar pelo crivo do MP e do Judiciário. Então me parece absurdo não ser possível o MP fazer a indicação de onde iria eventual verba recuperada. Isso vai contra o espírito da Constituição e, mais ainda, contra o combate à corrupção, porque torna mais difícil e ineficiente o sistema.
LEI ESPECÍFICA – O TJ do Amapá informou que recursos oriundos de delações vão para o Fundo de Combate à Improbidade Administrativa e à Corrupção, instituído por uma lei estadual de 2017 e administrado pelo MP local.
Mas não deixou claro se a regra se aplica apenas a acordos envolvendo atos de improbidade administrativa. A norma prevê que os recursos podem ser investidos no mercado de capitais quando não estiverem sendo utilizados, “objetivando o aumento de suas receitas”. O Globo não conseguiu contato com o MP do Amapá.
O advogado Antônio Figueiredo Basto, um dos primeiros a fazer delações na Lava-Jato, criticou a lei amapaense: “É equivocada e inconstitucional, porque o MP não é destinatário dos recursos recebidos. É um desvirtuamento absoluto. MP não é a instituição adequada para fazer investimentos”.
SEM PROBLEMAS – Já o juiz federal aposentado Pedro Paulo Castelo Branco Coelho não vê problemas, desde que os fundos estaduais não avancem sobre os crimes federais:
— Eles têm que movimentar com correção e juros. Se for para aplicar no mercado financeiro com a fiscalização do Ministério Público Estadual, eu não vejo nenhum óbice. Não pode é colocar nesses fundos de pensão que darão prejuízo.
Para as multas de condenações — em que o réu, além da prisão, também tem de realizar pagamento —, o dinheiro vai para o Fundo Penitenciário Nacional (Funpen). Existe a obrigatoriedade de o governo federal repassar os recursos aos estados, mas alguns deles, como Amapá, Mato Grosso e Minas Gerais, criaram seus próprios fundos, cuja existência é defendia pelo presidente do Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais: “É possível juridicamente e, mais, agiliza a adoção de medidas para o sistema penitenciário de cada unidade. Mas é uma matéria que vai ser definida pelo STF”.

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