terça-feira, 30 de abril de 2019

EUA podem aprender com o Brasil, diz juiz americano que processou a Petrobras



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Rakoff critica a lentidão da Justiça brasileira e também a prescrição
Dimitrius Dantas
O Globo
A primeira viagem do juiz norte-americano Jed Rakoff foi em 1971, ao Rio de Janeiro. Mais de 40 anos depois, o magistrado norte-americano retornou ao país para falar de um dos maiores casos de sua carreira: o processo movido por acionistas estrangeiros da Petrobras contra a estatal brasileira e que terminou com um acordo de US$ 2,9 bilhões de dólares.
O valor representa o quinto maior acordo de ação coletiva da história. O processo começou em dezembro de 2014, quando acionistas entraram com o processo após a perda de valor da empresa causada pela descoberta dos esquemas de corrupção.
Nesta segunda-feira, o magistrado participou do 1º Simpósio Internacional Anticorrupção, em São Paulo. O evento também contou com a presença do desembargador Fausto De Sanctis, responsável pela Operação Castelo de Areia e Satiagraha, e da ex-Corregedora-Geral da Justiça, Eliana Calmon.
Qual foi o principal desafio que o senhor encontrou ao lidar com o processo da Petrobras?
Foi um processo arrastado, com muitos advogados , muitos depoimentos, muitas reclamações. Mas eu estava decidido a manter o caso andando e levá-lo a julgamento. Obviamente, chegaram a um acordo antes do julgamento. Mas meu objetivo era manter o caso andando rapidamente.
Em relação às diferenças entre a justiça brasileira e a americana, o que chama a atenção do senhor?
Acho que o Brasil pode aprender com algumas coisas e os Estados Unidos também podem aprender com o Brasil. Um bom exemplo (do que pode ser aplicado aqui) é o plea bargain. Nós temos 100 anos de experiência com isso, que é razoavelmente novo no sistema brasileiro. Sabemos dos problemas que surgem e como lidar com alguns deles.
O que os EUA podem aprender com o Brasil?
Há várias coisas no sistema brasileiro com as quais os Estados Unidos deveria se tornar mais familiarizado. Acho que um bom exemplo é algo que a Constituição de 1988 impôs aqui: os juízes são selecionados por mérito, por concurso. Na maioria dos estados nos Estados Unidos, os juízes são eleitos, o que os torna muito mais sujeitos a influência política. Acho que há coisas para aprender nos dois sistemas.
O sistema judicial dos Estados Unidos é mais rápido que o brasileiro. Que tipo de dificuldade esse caso teve para que não atrasasse?
Eu recebia pedidos constantes dos advogados: “Queremos adiar isso, queremos adiar aquilo”. Normalmente, a resposta era não. Isso não porque eu não era insensível com os pedidos. Estávamos tendo depoimentos no Brasil e em vários lugares do mundo. E é como a frase: justiça atrasada é justiça negada. É um antigo clichê mas é verdade. Foi muito importante para mim manter o processo adiantado.
E em relação ao contexto brasileiro. Teve alguma dificuldade em entender o que estava acontecendo aqui?
Não. Eu tive sorte que houve bastante cobertura da Operação Lava-Jato nos Estados Unidos, então eu não estava ouvindo sobre o caso pela primeira vez quando o processo chegou. Além disso, os advogados do caso foram muito bem em me manter atualizado com os novos desenvolvimentos da operação.
Como se informava dos desdobramentos da Operação Lava-Jato?
É preciso entender um pouco sobre o sistema legal americano, mas em um processo como esse, muito depende dos especialistas que precisam protocolar relatórios escritos no caso. Então, nesse caso, eu via muitos desses relatórios escritos e ia me esclarecendo sobre o que estava ocorrendo.
O esquema de corrupção descoberto envolveu uma grande quantia de dinheiro. O que a Lava-Jato tinha de complexo?
Eu acho que a maioria dos casos acabam se resumindo a quem pagou quem e o que essa pessoa queria em troca ou quem mentiu para quem e por que mentiu. Com exceção dos crimes violentos, é claro. Estou falando de casos de fraude, de corrupção. Há alguns temas comuns a todas essas investigação.
O senhor é um especialista em casos de fraude e corrupção. Há alguma coisa de diferente entre a Lava-Jato e outros escândalos?
A complexidade está em pegar todos os detalhes e entender como eles funcionavam juntos. Então, podia existir a complexidade de entender como as empreiteiras chegam à Petrobras, como os executivos eram corrompidos, mas o básico era muito simples: eu quero te pagar para fazer algo ilegal e para que você não fale nada. Não é muito diferente de outros casos de corrupção: os temas são os mesmos. É preciso entender os detalhes para entender quem está fazendo o que, mas não é tão difícil para entender o básico do que acontecendo.
Qual a impressão que o senhor tem das medidas que o Brasil está tomando contra a corrupção? Recentemente, o ministro Sergio Moro propôs um pacote anticrime.
Eu não me sinto habilitado para comentar muito sobre isso. Mas uma coisa que eu comentaria seria a mudança do tempo para a prescrição (por meio do aumento da pena para corrupção). Isso faz muito sentido para mim, mesmo sem saber mais detalhes. Em crimes como corrupção se demora muito para descobrir, para processar. O Brasil tem um sistema judicial razoavelmente lento em alguns aspectos, então a extensão do tempo de prescrição faz sentido.
Outra reclamação que é feita por alguns réus aqui no Brasil é a de que existe alguma conspiração entre procuradores e o Departamento de Justiça dos Estados Unidos no caso da Petrobras, citam que alguns foram estudar lá. O que acha disso?
Eu fico feliz que alguns excelentes estudantes brasileiros venham para os Estados Unidos para estudar. Mas eles não deveriam perder tempo indo na CIA (agência de inteligência dos EUA). Devem ir para a Faculdade de Direito de Columbia, onde eu sou professor. Eu nunca vi nada do tipo de conspiração à qual você se refere.

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