Foto: Marcos Arcoverde/Estadão
Paulo Malhães, coronel reformado do Exército, que assumiu ter sumido com o corpo do deputado federal Rubens Paiva
Documentos da Agência Central de Inteligência Americana (CIA)
mostram que o Brasil quis liderar a Operação Condor e só não conseguiu
porque enfrentou resistência dos outros países membros – Argentina,
Chile, Uruguai, Paraguai e Bolívia. Os serviços de segurança brasileiros
resolveram, então, manter-se “na periferia” da organização criada nos
anos 1970 para capturar e assassinar opositores políticos exilados. Os
papéis reproduzem até o acordo que formalizou, em 1976, a repressão
conjunta na América do Sul. A CIA sabia ainda, “por uma fonte confiável
brasileira”, de “um acordo entre o Brasil e a Argentina para caçar e
eliminar terroristas que tentassem fugir da Argentina para o Brasil”. O
trato teria sido feito após o golpe de 24 de março de 1976, que pôs no
poder, no país vizinho, a junta militar liderada pelo general Jorge
Rafael Videla. O alcance da participação brasileira na Operação Condor
sempre foi motivo de polêmica. Fontes militares afirmam que esse papel
era de eventual troca de informações e treinamento, a fim de combater
grupos subversivos e opositores políticos que agiam nos países da
América do Sul. Eventualmente, admitem ter apoiado militares de países
vizinhos em operações no País. “Esses papéis são muito importantes até
porque a política do governo brasileiro (Ernesto Geisel) de então não
era tão agressiva quanto às da Argentina e do Chile. A ação do Brasil,
porém, nessa área internacional é menos conhecida, pois aqui os arquivos
militares nunca foram abertos”, disse o historiador Daniel Aarão Reis,
da Universidade Federal Fluminense (UFF). Os documentos americanos dizem
que, no entanto, o Brasil chegou a ser membro da operação e não só
observador. O Estado procurou o Exército e o questionou sobre os papéis
da CIA. Eis a resposta: “Não há nos arquivos do Exército brasileiro
documentos e registros sigilosos produzidos entre os anos de 1964 a
1985, tendo em vista que foram destruídos, de acordo com as normas
existentes à época”. Os documentos da CIA fazem parte do Projeto de
Desclassificação Argentina (The Dirty War 1976-1983), do governo
americano, e incluem mais de 40 mil páginas. Duas dezenas delas fazem
menções ao Brasil e a sua participação na Operação Condor. Datada de
julho de 1976, uma das primeiras é um relatório sobre “recentes ataques
contra esquerdistas exilados na Argentina”. O texto cita o caso de
Edgardo Enríquez, dirigente do Movimento de Esquerda Revolucionária
(MIR, na sigla em espanhol) chileno. Ele foi sequestrado em 10 de abril
de 1976, em Buenos Aires, com a brasileira Maria Regina Marcondes Pinto,
com quem se encontrara. Enríquez preparava a saída do MIR da Argentina
após o golpe. Ele e Maria Regina desapareceram. “Ele foi capturado
(pelos argentinos) e, provavelmente, entregue e, subsequentemente,
executado pelos chilenos”, diz a CIA. Em seguida, o documento trata do
“acordo” entre militares do Brasil e da Argentina para caçar
subversivos. Em 16 de agosto de 1977, a CIA arquivou cópia do acordo
assinado pelos órgãos de informações dos países da Operação Condor para
montar uma estrutura que cuidaria do assassinato de opositores na
Europa, a chamada Operação Teseo. O documento relata que o centro
operacional seria em Buenos Aires. Cada país concordou em fornecer
agentes (pelo menos quatro) para as equipes de inteligência, que iriam
levantar informações sobre os alvos e localizá-los, e para as equipes de
operações, que iriam executá-los. Os países depositariam, cada um, US$
10 mil (cerca de US$ 45 mil atuais) em um fundo para custear a ação e
cada agente receberia US$ 3,5 mil para cada dez dias de operação (US$ 15
mil atuais), além de armas, explosivos e equipamentos. Os alvos seriam
apresentados pelos países membros e a prioridade de execução seria
decidida por votação. O governo americano ainda não sabia qual a
extensão da participação brasileira. Isso é tratado em documento de 28
de dezembro de 1977. Segundo a CIA, o País concordou em participar da
operação na reunião de Santiago (Chile) – entre 31 de maio e 2 de junho
de 1976. Mas o Brasil teria assumido uma “postura muito agressiva e
tentado usurpar a liderança, uma ação que não caiu bem entre os outros
membros”. Por isso, diz a CIA, o Brasil decidiu mais tarde ficar “na
periferia da organização”. O País, no entanto, manteve a cooperação por
meio das Operações Gringo e Caco, do Centro de Informações do Exército
(CIE), para vigiar aqui a ação dos grupos de esquerda argentinos
Exército Revolucionário do Povo (ERP) e Montoneros. O CIE infiltrou um
agente no ERP em São Paulo. O trabalho era coordenado pelo major Ênio
Pimentel da Silveira, o Doutor Ney, que morreu em 1986. “Trabalhei nessa
operação em companhia dos argentinos”, contou o tenente Chico, do
Destacamento de Operações de Informações (DOI), do 2.º Exército. No Rio,
atuava o coronel Paulo Malhães, que faleceu em 2015. Em 12 de abril de
1979, a CIA relatou a morte do líder montonero Norberto Habegger.
“Habegger foi executado entre novembro e dezembro de 1978 por ordem do
chefe da Seção de Contrainteligência do Serviço de Informações do
Exército (argentino). Ele estava sob custódia desde que foi sequestrado
em julho de 1978 no Brasil e levado secretamente à Argentina.” Habegger
desembarcara no Rio, vindo do México. Os argentinos contaram com a ajuda
do CIE para capturá-lo.
Estadão Conteúdo
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